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Daniel Nolan (1999) questiona se a fertilidade (e seus sinônimos: fecundidade, ou ainda a virtude de ser frutífera [fruitfulness], como também é chamada) tem valor cognitivo próprio tal como afirma McMullin (1984). Para Nolan (1999), a fertilidade pode ser explicada em termos de outras virtudes mais fundamentais, comumente citadas na literatura da filosofia da ciência.

Desse modo, Nolan (1999) argumenta que a abordagem que McMullin (1984) considera ser a melhor defesa do realismo científico (ao conceder à fertilidade um papel central) está equivocada. Se outros desideratos típicos das teorias científicas não fornecem um caminho adequado para a defesa do realismo científico, também não é o caso da fertilidade que, apesar de constituir uma virtude desejável às teorias, não tem um valor distinto das demais. A fecundidade poderia ser explicada em termos de outras virtudes, segundo Nolan (1999).

Por isso, às vezes a “fertilidade” aparece como forma de nomear a virtude (ou conjunto de virtudes) chamada “força” ou “abrangência”. Outras vezes é colocada ao lado das demais virtudes arroladas, como o faz Kuhn (1977), por exemplo. Mas, segundo Nolan (1999), não se trata de nenhum dos casos.

A fertilidade deve ser distinguida de força e de abrangência, assim como não deve figurar ao lado de outras virtudes, pois, para Nolan (1999, p. 269), a fertilidade é mais do que uma virtude pragmática, ela é algum tipo de virtude metodológica ou epistêmica:

[...] a fertilidade de uma teoria (eu vou usar ‘teoria’ para selecionar o portador de fertilidade – aqueles que desejarem chamar o portador de fertilidade de uma ‘sequência de teoria’ ou de um ‘programa de pesquisa’ ou

de algum outro nome são convidados a substituir tal nome por sua expressão favorita) é a medida em que modificações dela (ou de descendentes dela) pode realizar tais tarefas teóricas como explicar novos fenômenos, resolver anomalias, fazer unificações inesperadas e assim por diante [...]. Esta forma de fertilidade é altamente valorizada entre os cientistas e filósofos da ciência, e parece apelar para mais do que os interesses pragmáticos de praticantes.

O caráter metodológico, epistêmico, da fertilidade se evidencia ao reconhecermos que ela envolve mais do que uma mera mudança: ser fértil é ter potencial para o progresso ou avanço; não se trata de ser capaz de fazer novas previsões ou previsões mais abrangentes, mas sim previsões crucialmente corretas.

Nas palavras de Nolan (1999, p. 270):

[q]uando se nota que uma teoria é fértil, no sentido usual, porque tem o potencial para avançar, ou melhorar, ou progredir, e não apenas para mudar ou tornar-se mais complicada, fica mais fácil explicar o valor de fertilidade em termos do valor de outros desideratos teóricos. A fertilidade prospectiva, nesse sentido, é valiosa pela mesma razão que um bilhete de loteria é valioso: não por causa de seu valor intrínseco, mas porque representa a possibilidade ou probabilidade de levar a um resultado valioso.

A fertilidade, nesse sentido, tem valor como meio e não como um fim em si mesmo. Esse valor é parasitário do valor de outras virtudes. Nolan (1999) pretende oferecer uma abordagem em que a fertilidade pode ser reduzida em termos de outras virtudes teóricas, não apenas substituída por uma ou outra delas.

A fertilidade pode ser retirada da lista de virtudes teóricas fundamentais porque seus encantos podem ser explicados ao se recorrer a outras virtudes teóricas; e a consideração de sua história (no que ela tem de relevante) não oferece qualquer insight realista: podemos identificar teorias que no passado exibiam alto grau de fertilidade e que hoje não são mais férteis, nem aceitas.

Assim, para Nolan (1999, p. 281), o argumento explicacionista realista de McMullin é “[...] ou flagrantemente uma petição de princípio ou incorpora uma suposição de que a confirmação de uma teoria tem que ser confirmação dessa teoria realisticamente interpretada (uma suposição que antirrealistas são certamente bem capaz de negar)”.

Para McMullin (1984), a fertilidade teórica é um critério que indica que as estruturas postuladas pela teoria correspondem razoavelmente bem às estruturas do real, ou seja, ela vindica o realismo científico. Nolan (1999) não nega que a fertilidade seja um fato histórico empírico e que seja um aspecto das teorias desejável para a prática científica. O que ele nega é que a fertilidade possa fornecer qualquer sustentação para o realismo científico.

Robert Segall (2008), por sua vez, rebate a argumentação de Nolan, ao apresentar exemplos do que se passa comumente na ciência. Um deles diz respeito à teoria do átomo de Bohr. A modificação do espectro de energia dos átomos, quando submetidos à presença de um campo elétrico uniforme é denominado efeito Stark. As mudanças sofridas pela teoria do átomo de Bohr permitiram a explicação do efeito Stark, mas a teoria original não indicava como explicá-lo.

Assim, segundo Segall (2008, p. 240), não parece razoável ver o efeito Stark simplesmente como uma novidade da teoria do átomo de Bohr: “[...] não parece haver nada em T que sugere a explicação do efeito Stark, e, portanto, a propriedade de tratá-lo como uma nova previsão”.

Segall (2008, p. 245) conclui que

[a] metateoria ou abordagem da teoria geral de Nolan não explica o fato histórico empírico afirmado de que as teorias bem-sucedidas de longa data são P-férteis [proven fertility, fertilidade comprovada]. Consequentemente, a afirmação de McMullin ainda requer uma refutação dos antirrealistas científicos, seja via uma análise histórica que rejeita com sucesso a afirmação empírica que ele faz, seja por algum novo contra-argumento.

Assim, Segall (2008) consegue oferecer uma resposta consistente à crítica de Nolan (1999) de que a fertilidade não forneceria qualquer sustentação para o realismo científico. O recurso de McMullin à fertilidade ainda se mantém como uma estratégia de defesa do realismo científico satisfatória.

Capítulo 5

Outras explicações para o sucesso da ciência

Alguns pensadores, especialmente os críticos do realismo científico, questionam a demanda de explicação para o sucesso da ciência, que é a indagação a partir da qual o realista científico elabora seu argumento de defesa estratégico, como vimos no capítulo 4.

No entanto, considerando que caiba explicar o êxito científico, podemos identificar outras explicações, diferentes da oferecida pelo realista científico, para este fenômeno. Na sequência apresentaremos algumas dessas explicações: o historicismo de Kuhn, a perspectiva psicossociológica de Feyerabend, o evolucionismo de van Fraassen e o ponto de vista metodológico de Laudan. Argumentaremos contra essas explicações antirrealistas e a favor do realismo científico como a doutrina filosófica mais apta a explicar o sucesso da ciência.