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A despeito da já aceita e crescente desmistificação da ideia de imparcialidade jornalística cada vez mais presente em nossos dias, o relato jornalístico, para uma parte significativa da sociedade, é dotado, ainda, de uma “aura” que o relaciona a um “espelho da realidade”. Na verdade, no entanto, mesmo no jornalismo, não há uma realidade, mas uma multiplicidade de realidades.

Uma das principais preocupações no estudo do jornalismo praticado nos blogs é perceber qual o objetivo a que o trabalho noticioso exercido nesses espaços se dedica, ou seja, trata-se de perceber quando o poder de que o jornalista dispõe como o acesso privilegiado às fontes de informação e o alcance público de seu trabalho é empregado para informar ou desinformar e até mesmo manipular o leitor.

É claro que esta não é uma preocupação exclusivamente ligada à internet, mas deve ser aplicada a qualquer meio em que se exerça uma atividade jornalística. Esta reflexão remonta a

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Habermas que enxergava uma supremacia da “publicidade jornalística” com finalidade manipulatória em detrimento do “jornalismo crítico” (GENRO FILHO, 1987). “A forma moderna do jornalismo, cujo estilo e natureza foram cunhados pela estrutura empresarial mais desenvolvida, aparece na reflexão de Habermas indissoluvelmente ligada ao espectro publicitário-comercial ou ideológico-manipulatório” (GENRO FILHO, 1987, p. 107).

Ocupando seu espaço no ambiente virtual gerado pela internet, o jornalista se vê diante de novos papéis e desafios. Cabe a ele procurar manter sua função de produção de sentidos numa sociedade dominada pela informação e pela emergência cada vez maior de uma participação social que ocupa espaços de opinião.

A propriedade autoral que caracteriza originariamente os blogs dá ao leitor a impressão do exercício de uma plena liberdade. É como se tais espaços de expressão de ideias sejam considerados totalmente livres de coerções.

O jornalista/blogueiro pode, por exemplo, realizar praticamente todas as etapas da produção, da apuração até a redação final e postagem em sua própria casa, utilizando-se apenas de um computador conectado à rede e, talvez, de um telefone.

A extrema simplicidade de alimentação de conteúdos num blog aproxima o jornalismo de sua eterna busca pelo "tempo real", atraindo a atenção dos jornalistas que passam a explorá-los como ferramenta de trabalho. Os jornalistas, auxiliados pelas tecnologias surgidas em cada contexto técnico-cultural, vêm imprimindo cada vez mais velocidade à produção das notícias, a fim de diminuir o intervalo entre a ocorrência de um fato e sua divulgação. Nos nossos dias, o blog se apresenta com uma ótima arma nessa eterna corrida contra o tempo (PRADO, 2011).

No entanto, há questões decorrentes das influências e interesses que orientam a produção discursiva nesses espaços que precisam ser consideradas. A própria ideia de uma total liberdade pode levar a conclusões idealistas precipitadas, semelhantes ao que acontece nas acepções mais simplistas do trabalho dos grandes meios de comunicação de massa.

Enquanto instrumento de comunicação, em tese, os blogs podem funcionar como espaços de refúgio do jornalismo de opinião.

55 A singularidade de cada sujeito no trabalho jornalístico depende intrinsecamente da liberdade que tem, como profissional, para expressar-se. [...] Dependendo do grau de liberdade que tenha, o trabalho de um jornalista será mais ou menos pasteurizado, ou seja, poderá fazer ver menos ou mais o seu ethos (BARROS FILHO, 2003, p.104).

Analisando a questão do ethos aplicada ao jornalismo, Fernando López Pan estudou a atuação dos colunistas. “Ao definir o ethos, o colunista não só define sua audiência, mas, de certa forma, a constrói. [...] a prerrogativa de construir a própria audiência assegura ao colunista grande autonomia, por poder trazê-la consigo” (BARROS FILHO, 2003, p.105). A atuação do colunista guarda grandes semelhanças com a figura do jornalista/blogueiro. Muitos profissionais que construíram seu público na redação de colunas em jornais impressos, por exemplo, migram para o espaço dos blogs.

Por outro lado, a apropriação dos blogs por grandes conglomerados de mídia gera como consequências um espaço menor para a livre expressão dos jornalistas/blogueiros e um escamoteamento dos interesses que estão por trás do discurso veiculado nesses espaços na rede. “As elites simbólicas desempenham um papel essencial ao dar sustentação ao aparato ideológico que permite o exercício e a manutenção do poder em nossas modernas sociedades da informação e da comunicação” (DJIK, 2010, p. 46).

Se, como Dijk (2010) afirma, ao abordar a produção de notícias nos jornais impressos, os jornalistas podem resistir até certo ponto à pressão do Estado e de organizações poderosas e formular notícias de acordo com sua própria perspectiva e interesse, essa possibilidade tem potencial para crescer ainda mais com as ferramentas da Internet. Nesse sentido, veríamos um crescimento da responsabilidade do profissional quanto às consequências do seu próprio discurso. No entanto, isso não é aplicável a todo trabalho jornalístico no âmbito da blogosfera. As condições da produção noticiosa não podem ser dissociadas da qualidade e objetivos do produto final. Tradicionalmente, a construção das notícias era o resultado da interseção entre a redação e o ambiente de trabalho que a envolve como um todo. No caso de ferramentas on line como os blogs, a produção jornalística estaria, em tese, mais livres de coerções.

No entanto, mesmo aparentemente livre das estruturas de coerção mais poderosas, “o próprio jornalismo pode estar mais ou menos comprometido, em termos de cultura política, com as dinâmicas democratizantes da sociedade civil e da esfera pública” (CORREIA, 2011, p.104).

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A profissionalização no modo de produção informativa nesses espaços virtuais em muitos casos acaba por contribuir para que os mesmos desempenhem funções semelhantes, mesmo em menor escala, das que já são realizadas habitualmente pelos meios de comunicação de massa.

Os grupos ou instituições dominantes podem influenciar as estruturas do texto e da fala, de modo que, como resultado, o conhecimento, as atitudes, as normas, os valores e as ideologias dos receptores sejam mais ou menos indiretamente afetados tendo em vista o interesse do grupo dominante (DIJK, 2010, p. 88-89).

Se a atualidade é um dos critérios de noticiabilidade mais importantes nos veículos de comunicação tradicionais, isso é elevado à enésima potência na Internet, atingindo a todos que habitam esse universo virtual, incluindo os blogueiros, sobretudo, os profissionais. A celeridade é exigida sob pena de perda de leitores. Para atender a esse desafio, é necessário que se invista num trabalho intenso e ágil – terreno fértil para o abandono ou frouxidão no emprego das regras deontológicas do trabalho jornalístico.

Quando o esquema industrial de fabricação veloz de notícias envolve o jornalista que atua como blogueiro, podemos observar de modo corriqueiro a existência de grandes semelhanças entre as matérias postadas em um blog e as que figuram nas páginas de Internet de um site noticioso qualquer.

Um blog precisa se manter ativo, vivo, sempre com novos posts. Primeiro porque quem entra para ler não se depara com material datado, segundo porque os blogs foram fundamentais no processo de "inversão" da produção de conteúdo web e, consequentemente, participam dessa nova velocidade e fluxo de informações (PRADO,168).

Vemos que o ideal de liberdade de expressão começa a ser pressionado por fatores políticos e econômicos gerados pela profissionalização que, na maior parte dos casos, busca a lucratividade.