• Nenhum resultado encontrado

II. No âmbito dos ordenamentos jurídicos nacionais

1. Os direitos de participação

1.2. O âmbito dos direitos de participação

1.2.1. Perspectiva objectiva

A primeira questão que se coloca relativamente a estes direitos de participação dos contribuintes consiste em saber qual o âmbito objectivo sobre o qual eles se projectam. Por outras palavras, importa descortinar se tais direitos de participação devem ser reconhecidos aos

299 O conceito legal de fraude fiscal e os requisitos normativamente estabelecidos para a sua verificação podem variar de um

ordenamento jurídico nacional para outro. Consequentemente, para além da insegurança jurídica que essa diferente conceptualização pode acarretar – quanto a saber qual a legislação a considerar, se a do Estado-membro que pede ou a quem é transmitida a informação, se a do Estado-membro que a fornece –, o que se pretende que seja a excepção – o exercício a posteriori dos direitos de participação dos contribuintes – pode transformar-se na regra, sobretudo se se atender a que, não raras vezes, os procedimentos de troca de informações visam situações de fraude fiscal.

A melhor forma de ultrapassar estas questões seria a consagração de regras uniformes, a este respeito, nos diversos instrumentos legais comunitários atinentes à troca de informações fiscais.

Na falta dessa uniformização legal, propendemos a considerar que a factualidade em causa, em cada caso concreto, deve ser subsumida à legislação fiscal do Estado-membro transmitente das informações fiscais, a fim de se concluir, ou não, pela existência de fraude fiscal e, consequentemente, pelo exercício, ex ante ou ex post, dos direitos de participação dos contribuintes. Porquanto, entendemos que seguir o caminho oposto seria um factor acrescido de insegurança jurídica e dificultaria, ou mesmo impossibilitaria, o exercício efectivo dos direitos dos contribuintes.

300 Nas palavras de JOSÉ MANUEL CALDERÓN CARRERO (“Taxpayer Protection…”, p. 472), “…an adequate formula for preventing

participation rights from hindering tax investigations carried out by the other country involved in the transfer of information is to allow such rights to be suspended where evidence of tax evasion exists;…”.

contribuintes no âmbito de todas as modalidades de troca de informações fiscais entre os Estados-membros da União Europeia ou, pelo contrário, apenas em alguma(s) dela(s).

É consensual que aqueles direitos de participação devem ser conferidos aos contribuintes, pelo menos, no âmbito dos procedimentos de troca de informações fiscais a pedido. No tocante aos procedimentos de troca automática de informações fiscais, não se afigura, desde logo, necessário o exercício desses direitos de participação, na medida em que esta modalidade de troca de informações fiscais versa sobre categorias quer de contribuintes, quer de impostos, ou seja, visa uma generalidade de situações, pelo que as informações fiscais que são veiculadas desta forma normalmente não respeitam a bens jurídicos especialmente sensíveis ou que requeiram uma especial protecção (

v. g.

, segredos empresariais e segredos profissionais); por outro lado, não se afigura recomendável garantir o exercício de tais direitos neste âmbito concreto porquanto poderia obstaculizar ou mesmo bloquear a eficácia das trocas automáticas de informações fiscais que decorre, essencialmente, do seu carácter sistemático302.

Relativamente às trocas espontâneas de informações fiscais, a sua eficácia,

maxime

enquanto mecanismo antifraude, depende da especial discrição de que se devem revestir os respectivos procedimentos, a qual poderá ser incompatível com o reconhecimento dos referidos direitos de participação dos contribuintes. A forma de ultrapassar esta dificuldade de ordem prática passa por permitir que os contribuintes visados exerçam os seus direitos de participação

a posteriori

, isto é, após o respectivo procedimento de troca espontânea de informações fiscais ter ocorrido e, consequentemente, depois de as informações fiscais terem sido transmitidas303.

1.2.2. Perspectiva subjectiva

Ainda numa perspectiva analítica genérica dos direitos de participação dos contribuintes no âmbito dos procedimentos de troca de informações fiscais entre os Estados-membros da União Europeia, importa agora determinar o seu âmbito subjectivo, isto é, quais os sujeitos a quem são reconhecidos esses direitos e que, portanto, os podem exercer.

302 Esta é a posição assumida por JOSÉ MANUEL CALDERÓN CARRERO (Intercambio de información y fraude…, p. 354), à qual

aderimos.

113

Afigura-se evidente que tais direitos de participação devem ser reconhecidos aos sujeitos visados por aqueles procedimentos de troca de informações fiscais, sejam aqueles a quem se referem as informações requeridas e transmitidas, sejam aqueles que são a fonte dessas mesmas informações304.

Quando os contribuintes visados por um procedimento de troca de informações fiscais sejam residentes no Estado-membro transmissor das respectivas informações, não se colocam quaisquer dificuldades à efectivação dos referidos direitos de participação. Nas situações em que esses contribuintes não residam naquele Estado-membro, se a respectiva autoridade competente para a troca de informações fiscais tiver conhecimento do seu domicílio ou do domicílio do respectivo representante para efeitos fiscais, deve ser garantido o exercício dos mencionados direitos de participação305; na ausência desse conhecimento e inexistindo quaisquer

meios que o permitam obter, entendemos que a autoridade competente do Estado-membro transmissor das informações fiscais não está obrigada à realização de qualquer diligência adicional tendo em vista assegurar o exercício dos direitos de participação dos contribuintes.

304 Nas palavras de JOSÉ MANUEL CALDERÓN CARRERO (ibidem, p. 352), “los «derechos de participación» deben predicarse tanto

de los obligados tributarios «fuente» como de los sujetos directamente afectados por la transmisión (aquellos a los que se refiere da información que va a ser suministrada)”; relativamente aos primeiros, refere este autor (ibidem, p. 341) que eles podem “…someter a control administrativo y jurisdiccional la decisión de las autoridades fiscales del Estado requerido de obtener y transmitir los datos solicitados por otro Estado; el tercero que ha sido requerido podría, por tanto, cuestionar el carácter obligatorio de intercambio de información, o bien atacar la decisión discrecional de la Administración tributaria de transmitir los datos solicitados argumentando que no pondera adecuadamente los intereses privados presentes en el caso (secreto profesional, «secretos empresariales»).”

305 No ordenamento jurídico português, o artigo 19.º, n.º 4, da LGT estatui que os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem

como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional; sequencialmente, o n.º 5 do mesmo artigo 19.º faz depender da designação daquele representante o exercício dos direitos dos referidos sujeitos passivos perante a Administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

Constitui nosso entendimento que as considerações formuladas pelo TJUE no acórdão de 5 de Maio de 2011, Comissão c. Portugal, cit. (ver, supra, nota de rodapé 196) têm, mutatis mutandis, plena aplicação a esta disposição legal, pois como ali é referido: “47. (…) a obrigação de designar um representante fiscal não constitui uma resposta apropriada ou necessária ao «problema prático» da impossibilidade, alegada pela República Portuguesa, de estabelecer relações directas com os contribuintes não residentes, devido à distância física que os separa das entidades administrativas em causa, sendo esta distância um empecilho ao bom funcionamento das referidas entidades. Com efeito, atendendo aos meios de comunicação modernos, seria possível obrigar os contribuintes não residentes a comunicarem às autoridades fiscais portuguesas uma morada noutro Estado-Membro, que não a República Portuguesa, para todas as notificações efectuadas por estas autoridades fiscais. Como realça a Comissão, nos casos em que seja essencial a presença física do contribuinte, bastaria dar-lhe a possibilidade de optar pela designação de um representante fiscal, em vez de impor uma obrigação geral de designação de tal representante.”