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O abandono agrícola Trás-os-Montes no contexto nacional

Na discussão inicial que se fez com o objectivo de precisar o problema, colocou-se a questão do abandono do território num plano mais lato, entendendo-o como uma faceta, conjuntural e mutável, de mecanismos mais estruturais que regulam o uso da terra: os mercados, as políticas, a organização global das sociedades. Considerando que se tomou como objecto de estudo uma região conjunturalmente afectada por fenómenos de abandono e de marginalização territorial, uma primeira tarefa que se impõe, é a de situar este fenómeno num contexto mais global, de avaliar a sua dimensão e de revelar os factores que o determinam.

Depois de concluir a construção do modelo de análise, que se tem vindo a fazer ao longo dos capítulos anteriores, inicia-se agora uma segunda parte do trabalho com o objectivo de avaliar o fenómeno do abandono do uso do território da região objecto de estudo, primeiro no contexto nacional e depois na sua heterogeneidade interna. Deste modo, individualizam-se dois capítulos nesta segunda parte, repartindo por cada um deles a análise desses dois aspectos: a região face ao todo nacional no primeiro, e a diversidade interna à região no segundo.

Este capítulo tem pois como objectivo central avaliar a questão do abandono de terras pela agricultura no contexto geral do continente português. Que dimensão? Que modalidades? Como se distribui regionalmente? Que causas? Que consequências na ocupação do território e na paisagem? Embora sendo questões complexas, os indicadores disponíveis a partir dos dois últimos recenseamentos agrícolas e de outras fontes secundárias permitem extrair algumas conclusões. É uma resposta, ainda que muito parcial, que se pretende ensaiar agora. O capítulo estrutura-se em duas etapas. Na primeira reúnem-se alguns indicadores de abandono de terras pela agricultura, comparando as sete regiões agrícolas do continente entre si. Na segunda etapa, identificam-se algumas das causas das diferenças encontradas, comparando a especialização produtiva de cada uma destas regiões com o diferente suporte político de que tem vindo a beneficiar os grandes sistemas de produção.

7.1 - O abandono de terras pela agricultura nas regiões do

Continente

O abandono de terra pela agricultura pode ser subdividido em dois tipos de fenómenos distintos: por um lado o que resulta da cessação de actividade de algumas explorações agrícolas, ou da redução da sua dimensão fundiária (por exemplo reduzindo a superfície em arrendamento) e, por outro, do abandono de terras no interior das explorações agrícolas, deixando inculta parte da superfície que anteriormente era cultivada. O primeiro destes

factores pode ser estimado a partir da variação da superfície total das explorações agrícolas inquiridas nos recenseamentos. Se algumas explorações desapareceram sem sucessão ou transferência da terra para outras explorações, essa superfície deixa de ser contabilizada pelos inquéritos na superfície total das explorações agrícolas, embora possa ter sido afectada a usos alternativos. A redução da superfície total significa, pois, ou um abandono de terras agrícolas ou a sua transferência para outros usos em resultado da cessação de actividade de alguns agricultores. No quadro 3 designa-se esta categoria por “abandono de explorações”.

A outra categoria de abandono resulta da redução da superfície cultivada no seio de explorações agrícolas em actividade. Este aspecto é directamente determinado nos inquéritos através do conceito de “superfície agrícola não utilizada”. A variação deste valor representa- se na coluna 6 do quadro 3.

Quadro 3 – Abandono de terras agrícolas entre 1989 e 1999

1989 1999 1989 1999

Unidade Geográfica (1) (2) (3) (4) Área % Área % Área %

Entre Douro e Minho 464133 374832 6418 7745 89302 19.2% 1327 20.7% 90629 19.5% Trás-os-Montes 646279 637104 70570 61925 9174 1.4% -8645 -12.2% 530 0.1% Beira Litoral 425922 316646 7357 8142 109276 25.7% 785 10.7% 110060 25.8% Beira Interior 654570 618526 47225 31543 36043 5.5% -15681 -33.2% 20362 3.1% Ribatejo e Oeste 663553 706000 15986 15374 -42447 -6.4% -612 -3.8% -43059 -6.5% Alentejo 2027912 2158882 17492 14158 -130970 -6.5% -3334 -19.1% -134304 -6.6% Algarve 274845 227578 78486 62196 47266 17.2% -16290 -20.8% 30976 11.3% Continente 5157213 5039569 243534 201084 117644 2.3% -42450 -17.4% 75194 1.5% (5) = (1)-(2) (6) = (4)-(3) (7) = (5)+(6) Abandono Total Superfície total Sup.Agr. não utiliz. Abandono Explo Abandono SAU

Fonte: INE Recenseamento Geral da Agricultura de 1989 e 1999

Pode então verificar-se que no período dos últimos dez anos, no continente português tomado globalmente, ocorreu um abando de terras agrícolas (ou transferência de uso) de 2.3% da área total das explorações agrícolas em 1989. Em contrapartida a superfície agrícola não utilizada decresce de 17.4%, o que pode ser interpretado como uma redução do abandono de terra, ou das superfícies incultas, no interior das explorações agrícolas activas. Somando os dois valores, verificou-se que os dois fenómenos conjugados implicaram um abandono de 1.5% da superfície agrícola relativamente à superfície que era cultivada em 1989.

A evolução tem porém uma acentuada diferenciação regional: em duas regiões verifica-se uma redução significativa do abandono (Ribatejo e Oeste e Alentejo), às quais se contrapõe a Beira Litoral e o Entre Douro e Minho, com uma taxa de abandono significativa, e o Algarve com uma taxa substancialmente menor. Nas outras duas regiões (Trás-os-Montes e Beira Interior) a redução de superfície resultante do abandono de explorações agrícolas é quase compensada pela redução da superfície agrícola não utilizada, o que se traduz numa variação global próxima da neutralidade.

Verificaram-se também durante este período transformações expressivas na repartição da superfície agrícola entre os diversos usos. Assim, em todas as regiões as culturas anuais sofreram uma redução importante, implicando uma diminuição global para o continente próxima dos 400 000 hectares. Esta variação foi porém mais acentuada nas regiões onde o abandono também é mais evidente: Entre Douro e Minho, Beira Litoral e Algarve. Em todas as regiões as pastagens permanentes crescem, destacando-se o Alentejo onde estas superfícies mais do que duplicaram e, no que concerne as culturas permanentes, só Trás-os-Montes evidencia um crescimento deste uso da terra (ver quadro 4).

Quadro 4 – Evolução da Superfície agrícola utilizada 1989/1999

Unidade 1989 1999 Var Var. Var Var. Var Var. Var Var.

Geográfica Área Área 89/99 % 89/99 % 89/99 % 89/99 %

Entre Douro e Minho 289624 215675 -73949 -25.5% 14700 38.7% -9631 -21.3% -71012 -39.4% Trás-os-Montes 489133 457881 -31252 -6.4% 21503 27.7% 14346 8.0% -71899 -31.3% Beira Litoral 231458 169779 -61679 -26.6% 2359 15.7% -8168 -14.5% -56099 -35.1% Beira Interior 433947 418977 -14970 -3.4% 42859 51.7% -7120 -7.1% -65202 -30.1% Ribatejo e Oeste 445602 447853 2251 0.5% 9816 51.2% -50314 -30.0% -11923 -5.8% Alentejo 1853036 1924043 71008 3.8% 144256 112.4% -11268 -6.5% -88578 -10.6% Algarve 136779 101932 -34847 -25.5% -1748 -15.8% -3579 -6.0% -29167 -46.0% Continente 3879579 3736140 -143438 -3.7% 233745 62.8% -75734 -9.7% -393880 -20.8% Terra arável lim pa Superfície Agrícola Utilizada (SAU) Pastagens Per. Terra lim pa Culturas perm anentes

Fonte: INE Recenseamento Geral da Agricultura de 1989 e 1999

Nas regiões com maior taxa de abandono, também não parece ter havido uma transferência da superfície das explorações para usos florestais, uma vez que a superfície dedicada a estes usos decresce nestas regiões (ver quadro 5), embora, a partir destes dados, nada se possa inferior relativamente à evolução da superfície global de usos florestais nestas regiões, uma vez que os proprietários florestais sem actividade agrícola não estão incluídos nesta amostra.

Um nota relativamente à categoria “matas e florestas com culturas sob coberto” (que inclui culturas temporárias, pousios e pastagens permanentes nas culturas sob coberto), a qual mostra aumentos com alguma expressão em quatro regiões: Trás-os-Montes, Beira Interior, Ribatejo e Oeste e Alentejo. No primeiro caso trata-se sobretudo de superfícies com castanheiro (esta superfície teve um crescimento de cerca de 11000 ha) as quais, sobretudo nos primeiros anos, incluem frequentemente culturas ou pastagens sob coberto. Nas outras regiões deverá tratar-se essencialmente de montado cujas superfícies sob coberto foram classificadas como pousio ou pastagem.

Quadro 5 – Evolução da Superfície Total das explorações Agrícolas (1989/1999)

Unidade 1989 1999 Var Var. 1989 1999 Var Var. 1989 1999 Var Var.

Geográfica Área Área 89/99 % Área Área 89/99 % Área Área 89/99 %

Entre Douro e Minho 160966 133236 -27730 -17.2% 26110 18103 -8006 -30.7% 7126 18176 11050 155.1% Trás-os-Montes 73494 101797 28303 38.5% 3155 7952 4797 152.1% 13082 15501 2419 18.5% Beira Litoral 180590 131795 -48795 -27.0% 335 564 229 68.2% 6517 6930 414 6.3% Beira Interior 168428 160471 -7957 -4.7% 33912 48404 14493 42.7% 4970 7535 2565 51.6% Ribatejo e Oeste 190964 220126 29162 15.3% 53314 107986 54673 102.5% 11001 22647 11646 105.9% Alentejo 133649 189789 56139 42.0% 718058 744656 26598 3.7% 23735 30892 7157 30.2% Algarve 57585 60284 2699 4.7% 2355 2003 -352 -14.9% 1995 3166 1171 58.7% Continente 965676 997497 31821 3.3% 837238 929668 92431 11.0% 68425 104848 36423 53.2% Matas e florestas s/ culturas sob-coberto Matas e florestas c/ culturas sob-coberto Outras formas de utilização das terras

Fonte: INE Recenseamento Geral da Agricultura de 1989 e 1999

Constata-se igualmente uma transferência de uso para “outras superfícies”57, sobretudo no Entre Douro e Minho, Ribatejo e Oeste e Alentejo. Não sendo crível que este aumento se deva exclusivamente a áreas sociais ou de infra-estruturas, resta a hipótese de que tal facto resulte do crescimento de áreas dedicadas ao lazer, decorrentes sobretudo da caça e turismo rural, o que é coerente com a evolução destas actividades nas regiões em causa.

Que concluir a partir destes indicadores globais? Ainda que seja evidente uma grande diversidade no interior de cada região agrária, aconselhando a uma análise cuidada de indicadores agregados, são possíveis, mesmo assim, algumas conclusões. Uma primeira destaca-se nitidamente: não são as regiões com mais elevados índices de marginalização pelos preços agrícolas e mais deprimidas económica e demograficamente que apresentam as maiores taxas de abandono de terras agrícolas no período recente58. Paradoxalmente, são as

regiões com agricultura mais intensiva e com maior concentração populacional que registam indicadores mais expressivos de abandono. Como se viu pelos dados analisados, são as regiões de Entre Douro e Minho e Beira Litoral que apresentam maiores taxas de abandono e, simultaneamente, de intensidade da produção agrícola, como o comprovam indicadores tais como o número de tractores por 100 ha ou a margem bruta por hectare (ver quadro 6). Pelo contrário, a Beira Interior e Trás-os-Montes, duas regiões com indicadores semelhantes relativamente à intensidade agrícola e à renda gerada pela terra e, ao mesmo tempo, maior rarefacção económica, mostravam índices de abandono agrícola da terra próximos da neutralidade.

57 A definição estatística do conceito é a seguinte: “áreas ocupadas por edifícios, eiras, pátios, caminhos, barragens, albufeiras e ainda jardins, matas e florestas orientadas exclusivamente para fins de protecção do ambiente ou de recreio.”

58 Os dados analisados referem-se aos últimos dez anos e, a partir deles, nada se infere relativamente a períodos anteriores ou ao abandono global acumulado.

Quadro 6 – Alguns indicadores de intensificação da produção agrícola e de resultados económicos das explorações agrícolas

Nº Tract./ MB/ha de MB/

Unidade Geográfica 100 ha SAU Exploração

Entre Douro e Minho 13.7 551.0 1291.8

Trás-os-Montes 4.6 152.4 929.3 Beira Litoral 21.1 356.6 736.3 Beira Interior 4.1 94.3 755.6 Ribatejo e Oeste 7.5 469.1 2393.7 Alentejo 1.1 50.9 2082.7 Algarve 8.1 296.6 1503.2 Continente 4.4 166.2 1298.3

Fonte: INE, Recenseamento Geral da Agricultura, 1999

Parecem assim desenhar-se no território nacional três situações distintas relativamente à evolução da agricultura e do uso da terra: (i) o Alentejo e Ribatejo e Oeste, onde as explorações agrícolas retomam áreas significativas de terra anteriormente abandonada, reforçando a grande dimensão económica e fundiária das explorações agrícolas que sempre caracterizou estas regiões. Este reforço de dimensão faz-se, no entanto, através da extensificação do uso da terra. De facto, também nestas regiões a terra dedicada às culturas anuais diminui e a superfície agrícola utilizada aumenta muito marginalmente, sendo esse aumento mais do que captado pelas pastagens permanentes. O reforço ocorre, pois, nas componentes mais extensivas destas explorações: pastagens permanentes, matas e florestas com e sem culturas sob coberto e outras formas de uso da terra (provavelmente ligadas a actividades de lazer). (ii) Trás-os-Montes e a Beira Interior com uma evolução no sentido da extensificação ainda mais vincada: aumentam as pastagens permanentes e as culturas permanentes (expressivamente em Trás-os-Montes embora diminuam na Beira Interior), imprimindo um carácter mais extensivo à superfície agrícola e, simultaneamente, parte da superfície das explorações é transferida para outros usos. A superfície total das explorações mantém-se porém aproximadamente estável. (iii) Finalmente nas regiões que mais intensivamente utilizam a terra, Entre Douro e Minho e Beira Litoral, o decréscimo da superfície agrícola utilizada não é recuperado pela extensificação, traduzindo-se em taxas de abandono conspícuas no panorama nacional. O Algarve, embora com uma evolução algo diferente, aproxima-se mais do sentido da mudança nestas duas regiões.

Em termos gerais existe um sentido de evolução comum a todas as regiões: a produção agrícola nas suas formas mais intensivas liberta território. A terra arável dedicada a culturas anuais regride em todas as regiões e as próprias culturas permanentes só aumentam na região onde se associam a uma utilização mais extensiva do trabalho (castanheiro e oliveira em Trás- os-Montes). Onde as regiões se diferenciam claramente é na utilização da terra libertada pela agricultura mais intensiva: em algumas o abandono, pelo menos temporário, parece ser a única alternativa, noutras essa terra é transferida para usos mais extensivos, noutras ainda, o movimento de extensificação adquire uma dinâmica própria, indo captar terras que, aparentemente, já anteriormente estavam incultas.

7.2 - A especialização produtiva das regiões e as políticas

No quadro 7 apresenta-se um indicador da especialização produtiva das regiões, com base no peso económico das actividades. Alguns traços de especialização, bem conhecidos, são evidentes. Assim, destaca-se a especialização na produção leiteira das regiões do Entre Douro e Minho e Beira Litoral, à qual se junta, nesta última, a produção de granívoros; em Trás-os-Montes ganha especial peso a viticultura, as culturas permanentes diversas e a criação de gado ovino; na Beira Interior destacam-se sobretudo as actividades ligadas à criação de ovinos; no Alentejo a cerealicultura e a criação de gado constituem as actividades de maior relevo; o Ribatejo e Oeste agrega especializações locais muito diversas, mas, no conjunto, surgem em posição de destaque culturas anuais diversas, fruticultura e a criação intensiva de granívoros; finalmente no Algarve a fruticultura destaca-se claramente.

Quadro 7 – Especialização produtiva das regiões (Margem Bruta em % da MB total da região)

Entre Douro Trás-os Beira Beira Ribatejo Alentejo Algarve

e Minho -Montes Litoral Interior e Oeste

Cereais - Plantas oleaginosas/proteagin 0.2% 0.1% 5.1% 5.5% 4.2% 17.5% 0.5% Culturas agrícolas diversas 4.3% 0.8% 8.1% 1.6% 14.5% 8.4% 1.6% Horticultura 4.5% 0.8% 4.6% 0.6% 11.1% 3.3% 13.0% Viticultura 12.2% 22.2% 2.4% 6.3% 7.2% 6.6% 1.7% Fruticultura 1.6% 9.1% 1.8% 4.4% 12.2% 1.2% 49.9% Olivicultura 0.0% 5.9% 0.2% 5.6% 2.2% 2.8% 0.1% Culturas permanentes diversas 3.7% 24.8% 7.1% 9.9% 8.0% 2.7% 10.5% Bovinos de leite 27.8% 3.3% 13.7% 2.6% 3.7% 1.0% ... Bovinos para gado/carne 2.5% 2.4% 1.3% 1.7% 1.8% 5.6% 0.6% Bovinos para leite/gado/carne 0.8% 0.8% 1.2% 0.7% 0.1% 0.9% 0.0% Ovinos/caprinos/outros herbívoros 3.1% 9.4% 5.9% 28.5% 2.1% 8.1% 3.3% Granívoros 2.1% 1.0% 13.3% 1.4% 15.7% 5.0% 2.9% Policultura 21.3% 8.1% 15.6% 10.0% 10.9% 12.7% 10.0% Polipecuária-herbívoros 7.9% 4.1% 6.9% 7.2% 0.7% 4.4% 1.0% Polipecuária-granívoros 0.2% 0.5% 2.7% 0.5% 1.2% 2.3% 0.7% Agricultura geral e herbívoros 3.7% 1.1% 5.8% 3.4% 1.6% 13.2% 0.8% Culturas diversas e gado 4.1% 5.9% 4.4% 10.0% 2.6% 4.2% 3.3%

Fonte: INE, Recenseamento Geral da Agricultura, 1999

Cruzando esta especialização regional com o tipo de políticas de apoio ao sector, é possível identificar relações com algum interesse explicativo. Assim, as regiões do Entre Douro e Minho e Beira Litoral, em grande parte não beneficiárias de indemnizações compensatórias e dedicadas à produção leiteira, cujos mecanismos de sustentação dependem do suporte dos preços e de ajudas dependentes de quotas e não da superfície cultivada, confrontam-se com uma estrutura de políticas que é, predominantemente, independente da superfície cultivada. O Ribatejo e Oeste, também classificado como zona não desfavorecida na maioria do seu território, e portanto não beneficiário de indemnizações compensatórias, tem porém acesso a alguns apoios ligados a produtividades históricas e à superfície cultivada,

para os quais é determinante a extensão da superfície cultivada na captação dos benefícios das políticas. As especializações produtivas da região ultrapassam contudo as Organizações Comuns de Mercado mais protegidas, orientando-se mais em função do mercado do que das políticas. No Algarve a situação territorial é fortemente contrastante: a zona litoral, não desfavorecida e com oportunidades produtivas mais dependentes do mercado, e a zona de montanha, beneficiária de indemnizações compensatórias e com possibilidades de uso da terra muito diferentes. O resto do território nacional é todo ele beneficiário de indemnizações compensatórias e, ainda que com marcadas diferenças, as oportunidades produtivas estão sujeitas na maioria dos casos a um regime de ajudas que depende da superfície cultivada.

Deste modo desenham-se três situações contrastantes face às políticas: aquelas em que os subsídios dependem da terra e, por isso, tem uma influência directa na renda fundiária, os territórios em que as ajudas se desligam da terra impossibilitando a sua captação através da renda e, por fim, as zonas em que é o mercado a determinar os rendimentos e as opções produtivas. Em termos muitos gerais, no primeiro caso a superfície utilizada pela agricultura expande-se e, na maioria dos casos, extensifica-se, nos restantes territórios regride e, eventualmente, intensifica-se e, na terceira situação, podem gerar-se algumas dinâmicas de expansão da produção e da superfície cultivada em função das oportunidades do mercado. Evidencia-se assim um efeito muito claro das políticas no uso da terra.

Na tabela 8 mostra-se a situação das diferentes regiões face aos apoios directos ao rendimento dos agricultores, a qual reforça algumas das ideias que se tem vindo a sustentar. O elevado valor de ajudas por exploração agrícola no Alentejo justifica a expansão da superfície agrícola enquanto forma de captação de subsídios. Os baixos valores que as ajudas directas assumem nas regiões leiteiras são concordantes com a sustentação desta especialização pelos preços e desligada da terra.

Quadro 8 – Distribuição média dos apoios ao rendimento por região agrária

Apoios Rendi. Apoio Med/ Apoio Med/

Unidade Geográfica 1000 cts SAU Exploração

Entre Douro e Minho 13 283 54.6 181.8

Trás-os-Montes 15 606 33.8 222.6 Beira Litoral 10 564 58.7 131.7 Beira Interior 14 127 32.5 329.8 Ribatejo e Oeste 19 112 38.7 294.6 Alentejo 56 851 32.4 1637.3 Algarve 2 460 19.3 153.8 Continente 133 667 36.1 350.1

Fonte: IFADAP, DGDR, IHERA SG. Extraído de Gabinete de Planeamento e Política

Agroalimentar: Apoios à agricultura – 1999

A evolução das regiões do Ribatejo e Oeste e do Alentejo é paradigmática. Ambas as regiões apresentam dinâmicas de expansão territorial agrícola, porém com causas bem distintas: enquanto no primeiro caso essa dinâmica é largamente determinada pelo mercado; no segundo são claramente as ajudas ao rendimento que a sustentam. De facto, comparando dois indicadores médios de evolução dos rendimentos, o Valor Acrescentado Bruto a preços

de mercado, que não inclui o efeito dos subsídios59, e o Valor Acrescentado Líquido a custos de factores que já inclui este feito, obtêm-se duas curvas de evolução que diferenciam claramente as regiões. Sem o efeito dos subsídios as curvas afastam-se (ver figura 24), aproximando-se quando se toma em consideração o Valor Acrescentado Líquido (ver figura 25). Este efeito é mas claramente ilustrado na figura 26 onde se mostra a evolução da relação entre o VABpm e o VALcf em percentagem. Quanto mais elevado for o valor deste indicador, maior é o peso dos subsídios directos na formação do rendimento. Assim, em 1990 o Alentejo era a única região onde o indicador superava os 100%. Nos anos seguintes aumenta gradualmente, sobretudo após a reforma de 1992, quando a sustentação da produção cerealífera começa a ser desligada dos preços e atribuída sob a forma de uma ajuda directa ao rendimento, de tal forma que ao longo deste período esta região se demarca claramente das restantes no que concerne o peso dos subsídios directos na formação do rendimento.

Este efeito resulta evidentemente da mudança dos mecanismos das políticas. A transferência do suporte pelos preços para uma ajuda directa aos produtores dá uma visibilidade ao efeito de sustentação das políticas que anteriormente se confundia com o valor da produção. Teoricamente o efeito no rendimento dos agricultores seria neutro, uma vez que a descida de suporte aos preços foi acompanhado pelo aumento das ajudas directas Porém, a hipótese da neutralidade desta mudança de mecanismos de suporte aos rendimentos é largamente discutível.

Figura 24 –Evolução do Valor Acrescentado Bruto a preços de mercado (milhares de contos)60 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 EDM BL TM BI RO A LT A LG

Fonte: INE, CEA Regionais (base 86)

59 Embora inclua o efeito das políticas de sustentação dos preços. 60 VABpm = Produção total menos Consumos Intermédios.

Figura 25 – Evolução do Valor Acrescentado Líquido a custos de factores (milhares de contos)61 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 160000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 EDM BL TM BI RO A LT A LG Fonte: INE, CEA Regionais (base 86)

Figura 26 – Evolução da relação entre Valor Acrecentado Bruto e Valor Acrescentado Líquido (VALcf / VABpm em percentagem)

80.0% 90.0% 100.0% 110.0% 120.0% 130.0% 140.0% 150.0% 160.0% 170.0% 180.0% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 EDM BL TM BI RO A LT A LG Fonte: INE, CEA Regionais (base 86)

De facto, dois factores contribuem largamente para por em causa essa neutralidade. Um primeiro, bem conhecido, resulta da fixação de produtividades históricas, a qual gera um efeito de bloqueio dos incentivos ao progresso tecnológico. Diminuindo a parte do produto

que se forma no mercado, os impactes no rendimento resultantes da optimização do processo produtivo e do aumento da produtividade são reduzidos e, portanto, pouco compensadores. Com efeito, como mostra a figura 27, parece haver uma tendência para uma descida da