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O ACONTECIMENTO INESPERADO

No documento Um Habitante de Dois Planetas (páginas 128-134)

CAPÍTULO V A VIDA EM CAIPHUL

O ACONTECIMENTO INESPERADO

Alguns passos nos fizeram alcançar a grande estufa ou Xana-(ithlon, onde cresciam todas as espécies de flores. Em seu centro havia uma fonte cujos graciosos jatos de água se erguiam até o ;irco do grande domo e, durante o dia, cintilavam à luz do Sol que se filtrava por milhares de vitrais coloridos. Mas naquele momento, em que o ruído monótono da chuva se misturava ao doce murmúrio da fonte, aquele monumento à beleza brilhava sob os raios de numerosas fontes elétricas que imitavam o Deus do Dia.

Misturadas às miríades de flores naturais havia centenas de outras, esculpidas em vidro com tanta perfeição que só pelo toque seria possível dizer quais eram produzidas pela Flora e quais pelo artista. Esses dispositivos de iluminação estavam em harmonia com as flores naturais dos arbustos, árvores e trepadeiras onde estavam colocados. Eram em pequeno número nos arbustos, mais numerosos nas árvores, havendo grande quantidade deles nas trepadeiras que cobriam arcos e pilares ou pendiam do alto, iluminando aquele paraíso floral com um brilho suave e constante, ex-nemamente agradável.

Nesse deleitoso ambiente nos sentamos no que, à primeira vis-la, parecia ser um conjunto de pedras cobertas de musgo, contendo convidativas depressões, mas que na realidade eram confortáveis assentos. O musgo tinha sido fabricado pelos bichos-da-seda. . .

"Senta-te aqui perto de mim, filho" -disse o benigno príncipe, indicando uma depressão ao lado da que ele havia escolhido paia sentar.

"Zailm" -começou ele -"nem sei por que te chamei aqui esta noite, por que não esperei para fazê-lo mais tarde. Mas ao mesmo tempo eu sei, pois tinha uma missão a ser confiada a uma pessoa apropriada. Embora existam outros com mais experiência, decidi confiá-la a ti. Já sabes do que se trata".

Astika a me escolher e que ele não tinha me convidado para visitar o conservatório por causa disso. O príncipe ficou em silêncio por algum tempo e depois me perguntou:

"Já te contaram que minha esposa me deu um filho e que ambos foram arrebatados pela morte? Aí, tive um filho e uma filha. Incal seja louvado, ainda tenho uma filha! Mas meu filho, o orgulho de minha vida, foi para o Navazzamin, o destino de todos os mortais. Meu filho, ah, meu filho!"

Quando sua emoção arrefeceu um pouco, ele continuou:

"Zailm, quando te vi, durante tua primeira conversa com o Rai faz quatro anos, se não me engano, fiquei espantado com a semelhança que tens com meu filho perdido, e te amei. Muitas vezes fui ao Xioquithlon para te observar em tuas atividades de estudante. Todas as vezes que foste convocado a vir a este astikithlon foi porque eu queria te ver! Sim, olhar para ti, menino!" -murmurou ele, alagando meus cabelos por alguns momentos.

"Poucos foram os dias em que não te vi, pessoalmente ou através do naim; sim, muitas vezes saí à noite e fiquei parado diante de tua janela para alegrar meu coração com o som de tua voz, quando lias para tua mãe. Tenho te observado e me orgulhado de ti, Zailm, pois em tudo pareces ser um filho meu; teus triunfes nos estudos têm alegrado meus dias, como também a capacidade com que tens cumprido teus serviços governamentais, pois ages como meu filho agia! Por tudo isso, meu rapaz, vem viver aqui, pois quero ver-te ao meu lado nestes meus anos de velhice. Juntos navegaremos pelo rio da vida, tu e eu! Provavelmente serei o primeiro a cruzar o grande oceano da eternidade e ficarei esperando por ti na terra dos sonhos onde não há despedidas, dor ou tristeza. Vem, Zailm, vem!"

A esse terno apelo, respondi da seguinte forma:

"Menax, nestes anos em que vivi em Caiphul, muitas vezes me perguntei o que significavam os favores que me concedias. Sempre foste mais bondoso comigo que com qualquer outro, contudo permanecias reservado e distante, mais que outros que certamente não se importariam com o que pudesse me acontecer. Agora tudo ficou claro. Tenho te considerado com afeto e reverência, valorizando tuas atenções e agindo de acordo com as palavras de aconselhamento que me dirigiste algumas vezes. Sim, Menax,

«remos juntos, de braços dados, caminhar para a sombria terra • Ias almas, e tu me aguardarás ou eu esperarei por ti, conforme qual de nós a Grande Ceifadora decida levar primeiro."

Ficamos de pé e nos abraçamos com ternura. Quando nos separamos, vi a filha única do príncipe, rodeada de trepadeiras que emolduravam sua encantadora figura. Ao vê-la, lembrei de outra jovem, a Saldu cuja história tinha ouvido pouco antes. Quase da mesma idade, ambas um ano mais novas do que eu, mas muito diferentes entre si como tipos de beleza. É difícil descrever uma pessoa em quem focalizamos o interesse mais profundo do nosso coração; e quanto maior esse sentimento, mais difícil é pintar o seu retrato com palavras. Pelo menos, assim era para mim.

Já te informei, leitor, a respeito da aparência da jovem provin-da da distante Sald, com seus cabelos castanhos dourados, seus olhos azuis e seu porte elegante; podes imaginar quanto era delicada sua pele clara; sensível e atenta sua natureza, que a despei-10 disso era muito cruel. Mas como posso descrever aquela que <-u amava, com quem um encontro por acaso, mesmo de longe, representava grande parte do prazer que me dava ir ao palácio de Menax? Aquela por quem eu tinha me apaixonado e que eu ti- nha entronizado em meu coração quase que desde meus primeiros dias de residência em Caiphul - como posso descrever seus encantos?

A Princesa Lolix estava no limiar de sua condição de mulher fei-la, a linda Princesa Anzimee também. Esguia, delicada, feminina, derradeira flor de uma antiga linhagem de nobres ancestrais, ela estava acima de mim nos estudos do Xioquithlon, embora fosse mais nova que eu. Eu a amava, mas escondia cuidadosamente es-ic fato. Todos os meus amigos que leiam estas palavras saberão como eu me sinto quando declaro minha hesitação em descrever Anzimee, pedindo a cada um que coloque nesta moldura poseida-na a imagem de sua própria amada.

"Cada coração lembrou um diferente nome, Mas todos cantaram a mesma melodia."

O Príncipe Menax viu a filha quase no mesmo instante que eu e um ar de surpresa espalhou-se por seu rosto, pois supunha que o Xanatithlon estivesse deserto. Ao perceber sua expressão, a Rai-nu adiantou-se, beijou-o e disse:

"Meu pai, estou atrapalhando? Ouvi quando tu e. . . este jovem entraram, mas como não sabia que desejavas estar em privacidade, continuei minha leitura."

"Minha querida, não precisas te desculpar. Na verdade estou feliz por estares aqui. Posso saber o que estavas lendo? Não deves estudar demais e creio que foi isto que quiseste dizer com a palavra "leitura"."

Com um sorriso a passear por seu rosto e a iluminar seus olhos azul- cinza, ela replicou: "Darias um ótimo leitor de pensamentos ocultos! Eu estava mesmo estudando, mas o meu objetivo justifica isso. Quem adquirir um profundo conhecimento da ciência médica terá condições de aliviar até pessoas que estão à mercê da mais dolorosa agonia, e curar as menos gravemente enfermas. Não é esse um serviço a Incal e Seus filhos? E não é verdade que o bem feito a qualquer um deles é feito também a Incal?"

Duas jovens -Lolix de Sald e Anzimee de Poseid! Um vasto continente separava os dois países e uma distância ainda maior separava essas duas filhas dessas diferentes terras. Lolix, sem compaixão pelos sofredores, sem tristeza pelos agonizantes; Anzimee, no pólo oposto desses traços de caráter.

Houve um longo silêncio, enquanto Menax olhava para a graciosa menina de coração tão nobre. Então, pegando minha mão com sua mão direita e a de Anzimee com a esquerda, uniu-as e disse:

"Filha minha, dou-te um irmão, este que julgo digno. Zailm, dou-te uma irmã mais preciosa que os rubis! E a ti, Incal, meu Deus, a melodia do louvor que enche meu peito pelas bênçãos que me concedes!" Nesse ponto ele soltou as mãos que tinham se tocado pela primeira vez e levantou as suas para o alto.

Como o toque daquela mãozinha me emocionou! Seria eu digno de tanto amor? Nenhum pecado tinha até então manchado minha boa fama e naquele momento eu me sentia totalmente merecedor. Se algum pecado viria manchar o livro de minha vida, isso ainda não havia acontecido; mas pensei com inquietação na estranha profecia ouvida naquela noite já distante. Por um momento essa sensação tomou conta de mim e depois desapareceu.

Eu tinha o hábito de analisar os homens e suas motivações. Era uma espécie de segunda natureza considerar os possíveis as-

pectos de uma questão. Mesmo naquele instante eu me pergun tei qual seria o significado daquela nova experiência. Eu sabia que por Menax, que tão afetuosamente me havia pedido para ser seu 11

filho, eu tinha o mais profundo respeito e afeição. Minha vida não me pareceria um preço alto demais para pagar se com isso eu pu- I

desse beneficiá-lo. Contudo eu amava a vida. Nada havia de mór bido em minha natureza, a menos que a excessiva amizade que linha por meus amigos fosse sinal de morbidez. Meditei por algum tempo no que minha adoção significava do ponto de vista social

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e político. Não preciso explicar que vinha ao encontro de minhas '

ambições ser colocado em um lugar tão elevado como o que dali |!

por diante ocuparia como filho legal de um alto conselheiro, ir- ;

mão do Rai por afinidade. Enquanto decorria aquela cena, eu re- [{

servava para mais tarde, como uma sensação especial, o prazer '

de analisar que tipo de amor eu sentia pela jovem que se torna- |

ra minha irmã, é verdade que por adoção apenas, mas que, favori- i

ta dos círculos mais fechados, adorada pelo povo de Caiphul, apa- l ]

receria diante do mundo como minha irmã, a partir do momen- í|

to em que o Rai Gwauxln aprovasse oficialmente a decisão de seu 111

irmão. j

Deveria eu sentir prazer ou aflição? Olhei para aquela com jlli

quem eu sonhara casar se Incal em sua bondade me permitisse u i

chegar a uma elevada posição. Poderia eu ter esperança de reali- fl

zar meu sonho depois daquela inesperada virada da fortuna? Se j| '

eu tivesse conquistado uma exaltada posição por outros meios, IIT

poderia ter a esperança de obter a mão de Anzimee em casamen- j|i (

to. Mas agora! Minha grande sorte me pareceu a maçã de Sodo- ),)

ma, provocando um travo amargo em minha boca, pois eu me tor- I j"'

nara legalmente seu irmão, mesmo que não o fosse por laços de i|j

sangue. Havia uma chance de que as coisas não fossem tão som- |J

brias quanto pareciam, já que tais adoções eram freqüentes e não |ii|

representavam um obstáculo ao casamento. Com esse pensamen- j' |

to o Sol saiu de trás das nuvens e voltou a brilhar em meu céu pessoal. ) '

A característica mais marcante da aparência da jovem era a sim- |i'

plicidade de seu vestuário. Naquela noite, seus gloriosos cabelos |

castanhos estavam presos atrás com uma simples fivela de ouro Jl

e caíam soltos pelas costas. Uma longa veste de tecido macio ves- ij

tia sua esguia forma de menina-moça. Nenhuma roupa poderia j

ser mais artisticamente simples nem mais elegante que aquele pa- 11

no diáfano e sem cor definida, de um tom azul tão claro que pare- '

cia branco-pérola. O vestido tinha alças de puro carmim, indican

vam grandes rubis agrupados em volta de um centro de pérolas e esmeraldas, drapeava o vestido no decote, e o conjunto dessas gemas realçava a cor das faces de Anzimee, fazendo seu rosto parecer uma encantadora rosa. Tão rica quanto discreta, sua roupa não escondia a doce e digna beleza da jovem. As pérolas, emblema de sua classe como Xioqeni; as esmeraldas, a marca de quem ainda não tinha voz política; os rubis, pedras da realeza, usadas exclusivamente pelo Rai e seus parentes mais próximos. A irmã do próprio Gwauxln era a mãe de Anzimee e esposa de Menax.

Poseid fundamentava sua glória na superioridade de sua educação; uma riqueza que não escolhia sexo. Mas se a Atlântida devia tudo ao conhecimento, não era menos verdade que a capacidade de seu povo não seria o que era não fosse pelas esposas, irmãs e filhas e, em especial, pelas mães de nossa altiva terra. Nosso grandioso sistema social tinha sua base nos esforços dos filhos e filhas que por séculos tinham respeitado as lições que lhes tinham sido inculcadas por suas patrióticas, amorosas e leais mães. As homenagens feitas ao Criador só eram secundadas pela reverência que os poseidanos tinham pela mulher. Amávamos nosso Rai e os Astiki; tínhamos por eles o maior respeito já votado a chefes de estado, mas honrávamos ainda mais nossas mulheres, tanto que Rais e príncipes, soberanos e súditos, orgulhavam-se em reconhecer a sagrada influência que tornava nossa terra gloriosa um grande lar. América, és amada por mim como Poseid o era. Primeira entre as nações, só o és por causa da mulher e de Cristo. Continuarás poderosa por causa dela e eclipsarás o mundo quando chegar o feliz dia cármico em que a mulher não estará abaixo, nem acima, mas ao lado do homem, sobre a rocha da educação cristã esotérica, no granito do conhecimento e da fé que resiste aos ventos e tormentos da ignorância. Construída sobre essas fundações, a Casa Nacional não cairá, mas se for construída em outras bases, grande será sua queda. Eis a sabedoria: no homem estão miríades de serpentes. Guardai- vos delas. Hoje sois escravos. Sede senhores! Mas, triste verdade, esse Caminho é estreito e poucos o encontrarão.

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No documento Um Habitante de Dois Planetas (páginas 128-134)