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CAPÍTULO 3 O AVANÇO NEOPENTECOSTAL

3.4 O ambíguo Culto neopentecostal

Os fiéis neopentecostais reúnem-se para cultuar, geralmente em locais bastante amplos pelo quantitativo que conseguem somar. Nestes templos, que anteriormente eram cinemas ou casas de espetáculos, praticam o exorcismo de demônios, quebram maldições e fazem pactos e barganhas para alcançar a prosperidade, principalmente a material. Para isto, grande parte da pregação neopentecostal que tanto propaga a teologia da prosperidade110, “reabilita eticamente o dinheiro e os ganhos materiais”. (PRANDI, 1997, p.17).

Nestas igrejas, normalmente o conceito de culto é ambíguo. Já que tradicionalmente a palavra culto transporta o fiel para a dimensão de “adoração” ao

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As bênçãos divinas tornaram-se disponíveis através da prosperidade financeira, da saúde física e do sucesso nos empreendimentos terrenos. Os novos crentes já não se importam tanto com mudança de vida, moralmente falando. A preocupação básica agora é com prosperidade, saúde e felicidade neste mundo. Assim, experimentam uma espécie de evangelho hedonista que enfatiza apenas o prazer como o fim último da vida. Para os novos crentes, todo o segredo de uma vida próspera e abençoada não está presente na negativa dos prazeres temporais, mas sim numa boa relação com Deus. E esta relação implicará em facilidades e retorno garantido nesta vida, não apenas em outra vindoura ou com o advento da volta de Cristo.

Divino, ou seja à atitude de estabelecer culto ao Ser que é digno de culto (no caso dos cristãos, o único ser digno de culto é Deus, mesmo os católicos que admitem o culto aos santos, o subordinam ao culto a Deus). Com os neopentecostais, habitualmente, ao invés do “cultuar a Deus”, faz-se "campanhas" de prosperidade, batalha espiritual, cura, libertação etc. Embora possa parecer repetitiva a metodologia empreendida nas campanhas, não há a perda da capacidade de fascínio perante os fiéis, já que o princípio da “rotatividade” é mantido, afinal os elementos das campanhas são primeiramente adaptados, depois adotados, em dado momento são substituídos por outros de natureza similar e, outra vez, retomados e reincorporados à liturgia dos cultos, é claro, com o mesmo cerne, porém não com a mesma exterioridade. (PROENÇA, 2003).

Portanto, a presença divina deve ajustar-se à programação das campanhas

previamente estabelecidas. Dessa forma, Deus não está presente para ser cultuado, mas para moldar-se na liturgia reformulada, ao pleito semanal e atender aos pedidos e súplicas de seus fiéis neopentecostais.

O linguajar litúrgico neopentecostal para a arrecadação dos dízimos e ofertas também obedece a alguns formatos básicos. Nas igrejas neopentecostais costumeiramente pregam-se dois sermões por culto, um sempre abordará o ofertório, preparando os fiéis para o momento da coleta de dízimos e ofertas especiais, e um outro com uma abordagem mais doutrinária e/ou instrutiva. Entretanto, como em cada culto há a determinação do montante a ser arrecadado, e caso este patamar não seja alcançado, fato que é verificado no decorrer do segundo sermão pelo tesoureiro que

conta as ofertas111, o pregador pede uma nova rodada de ofertas antes da benção final. Algumas vezes tais ofertas são motivadas pela expressão: “Tem gente retendo o que é

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de Deus”. (PATRIOTA, 2003). Isso ocorre porque há abundância de versículos bíblicos112 (pelo menos 58 versículos) que falam de dízimos e ofertas, o que possibilita a construção de uma cadeia argumentativa praticamente irrefutável. Nela, o fiel é alertado das coisas que podem acontecer caso ele não entregue o dízimo: não entregar o dízimo é roubar de Deus. Constantemente, na liturgia das ofertas e dízimos, o texto contido na Bíblia, no livro de Malaquias (capítulo 3, versículo 8) é usado.

No texto em questão, o profeta pergunta: “Roubará o homem a Deus?” e o Senhor responde ao povo: “Todavia vós me roubais.” O povo pergunta: “Em que te havemos roubado?” Ainda o Senhor responde: “Nos dízimos e ofertas”. Conseqüentemente, quem retém, rouba. Quem rouba é amaldiçoado.

É justamente por isso que há um outro aspecto que merece destaque na liturgia dos dízimos e ofertas das igrejas neopentecostais: a idéia que é passada nos cultos é a

de que as bênçãos de Deus, quer materiais (prosperidade, saúde, emprego, bens materiais) ou espirituais (libertação e cura, por exemplo) serão derramadas sobre o fiel em proporção ao tamanho da oferta dada.

A prosperidade está aberta a todos, mas é preciso que se dê o que se tem para a igreja, quanto mais melhor, de preferência tudo. Quanto mais se dá para Deus, mais se recebe, e isso não é mera retórica. São inúmeras as estratégias e os jogos operados pelos pastores nos cultos para a extração do dinheiro. O ato de dar dinheiro, com a certeza de que ele vai voltar, acrescido, é um gesto do investidor. (PIERUCCI e PRANDI, 1996, p.270).

Não obstante, algumas vezes, o discurso ser de que a oferta dada nas igrejas deve ressaltar como uma demonstração de amor a Deus, a liturgia é ancorada por uma forte ênfase no aspecto retributivo, assim o dinheiro, na teologia neopentecostal, recebe quase que um status sacramental:

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Um problema não menos grave é que muito da liturgia neopentecostal é direcionada para a cobrança de oferta dos fiéis (quase sempre prometendo a estes soluções da parte de Deus). Isto tem dado a estes cultos um aspecto mercantilista e explorador. Transforma Deus de um Ser Totalmente Santo num funcionário corrupto, que funciona na base de propinas. Em latim, isto se chama do ut des. Uma troca de favores. Em um desses cultos, um ex-aluno meu que ali participava para fazer um trabalho de Seitas, contou sete momentos de levantamentos de ofertas. Num mesmo culto! As igrejas vivem de dízimos e ofertas, mas o levantamento destes deve obedecer a critérios bíblicos e deve haver uma administração transparente e uma prestação pública de contas. Devem ser um gesto de amor para com Deus e devem ser entregues como ato de culto. Não podem ser uma taxa para obter favores divinos nem podem ser extorquidos (COÊLHO FILHO , 2004, p. 35).

Muito embora a validade do dízimo como forma neotestamentária de contribuição não seja tão diferente entre as igrejas protestantes históricas, pentecostais e neopentecostais, a liturgia neopentecostal leva os fiéis à dimensão que ofertas e dízimos são as chaves que abrem as portas da graça e do poder divinos.

Os pregadores neopentecostais manifestam com muita tranqüilidade seu interesse por dinheiro. “No Novo Testamento um dos temas mais mencionados é o dinheiro”, assevera R.R. Soares (1985:15). Extensa parte dos cultos da Universal e Internacional é reservada para convencer os fiéis da obrigação de pagar dízimos e dar ofertas “com amor e alegria”. Prometendo saúde, prosperidade, felicidade, libertação do Diabo e dos problemas àquele que corajosamente doar a maior quantia possível e, de preferência, uma quantia que, do ponto de vista do cálculo racional, fará falta, as igrejas neopentecostais conseguem recolher mais recursos do que as concorrentes. (MARIANO, 1999, p.166).

Tudo isso é viável porque é através dos sermões que se desencadeia o processo de concepção e legitimação desse discurso e a construção de um falar litúrgico que visa instituir com o sagrado uma troca - na forma da mercadoria/dízimo, e cuja relação com o mesmo se constitui através da possibilidade de um retorno imediato. Se os fiéis experimentaram perdas, sejam elas de qualquer espécie, o discurso neopentecostal

oferece uma lógica capaz de motivá-los a estabelecerem uma nova aliança com Deus e receberem de volta tudo que perderam, ou tudo o que desejam ganhar.