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O analfabeto absoluto é um fraco merecedor de menos violência estatal

4 AS QUATRO FORÇAS

2. DIREITO À EDUCAÇÃO O art 205 contém uma declaração fundamental que, combinada com o art 6º., eleva a educação ao nível dos

4.3.4 O analfabeto absoluto é um fraco merecedor de menos violência estatal

Quando se caminha em uma cidade qualquer do mundo, a leitura das placas da urbe faz parte do haurimento de cultura da localidade. No entanto, nos tempos passados, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, o letramento não era preocupação porque o projeto político para o Brasil não passava por ser uma terra de não-intelectuais.197

Como salientou Quintiliano (apud SCHOPENHAUER, 2008, p. 92), “Ordinariamente ocorre que as coisas ditas por um homem instruído são mais fáceis de entender e muito mais claras... E alguém será tanto mais obscuro quanto menos valer”.Ou seja, a sociedade valora positivamente ou negativamente o ser humano com fulcro na instrução. A dificuldade de compreensão e expressão daquele que nada aprendeu, em ambiência escolar, em uma sociedade letrada, é patente.198 Por óbvio, o analfabeto não se caracteriza pelo letramento. Mas, aqui neste trabalho acadêmico, o desletramento deverá ser demonstrado, com o chamado analfabetismo absoluto, para a devida caracterização da extremofilia mental.

Dessa maneira, as relações humanas findam por pautar uma hierarquia social com espeque na instrução formal das pessoas. Os analfabetos absolutos são os fracos dentre os mais fracos sociais e, por isso, por sofrerem em demasia, não merecem – nem precisam – a violência estatal.

O analfabeto, na sociedade da informação, das múltiplas possibilidades de comunicação, da cibercultura, não é somente a conceituação daquele que não sabe ler e

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Versando a respeito da história do Brasil, a respeito dos cem anos de República no Brasil, Ferraro (2002), indica que “O óbvio, ou seja, ainda não constituía problema o fato de a esmagadora maioria da população brasileira não saber ler e escrever. Ao contrário, era-lhe vedado o acesso à leitura e escrita.”

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As habilidades de escrever e ler não se circunscrevem a saber os nomes das letras e reconhecer as palavras. Gurgel (2008, p. 39) indica que “Fica evidente que não são apenas as questões gramaticais ou notacionais (a ortografia, por exemplo) que ocupam o centro das atenções na construção da escrita, mas a maneira de elaborar o discurso”.

escrever.199 Há estigmatização, repulsa, fraqueza na questão laboral, por não saber ler nem escrever nem mesmo um bilhete simples. Algumas pessoas, quando querem menoscabar a honra subjetiva de outros seres humanos, indica-os como analfabetos, referentes à sinonímia de burro,200 ignorante, idiota. Dessa forma, a estigmatização201 do analfabeto absoluto é enorme por conta da sua incapacidade de, sem ter instrumental cabível, responder aos quereres de uma sociedade letrada. Os afazeres normais como pegar um ônibus, escrever um bilhete, preencher uma requisição, um pedido, são périplos nos quais a derrota será o horizonte. A sutil dominação perante o analfabeto absoluto é sentida como uma forte dor incapacitante. Como escravos sem senhor, grilhões pesam-lhes nos ombros. O habitus popular de não compreender as limitações dos analfabetos os transportam para as mentiras diárias, que acabam gerando novas dificuldades.

O analfabeto absoluto é tratado de forma diferente pelas pessoas e pela vida e tem chances diferentes,202 nas quais, quase sempre, tem de exercer habilidades simples, para os outros, mas impossíveis para quem nunca teve acesso à escolarização. Tanto é assim que, na atualidade, já se aplica a remição penal, conforme o artigo 126 da Lei de Execuções Penais (LEP), lei 7.210/84, com fulcro em pauta de estudo do interno.203

Por fim, o Código Penal, no artigo 21, versa a respeito do erro de proibição, quando o indivíduo não souber da ilicitude do fato e no artigo 65, II, fala a respeito de uma atenuante por conta do desconhecimento da lei. O extremófilo mental pode entender a ilicitude do fato e conhecer a lei, porém o Estado não poderá usar de violência no controle social – utilizar o direito penal – quando o assunto abordado for oriundo de uma extremada fraqueza mental – o analfabetismo absoluto. Assim, o ser humano com vulnerabilidade máxima educacional – desletramento pleno – não merece nem precisa de violência no trato com o Estado porque desnecessário. No controle social do fraco mental, a utilização da violência, quando os fatos apurados acoplarem-se a uma atuação por conta da tibieza mental, é ineludivelmente

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“Analfabetismo é uma palavra utilizada no português corrente para designar a condição daqueles que não sabem ler e escrever” (RIBEIRO, 1997).

200

“A estigmatizante associação do analfabeto ao burro – animal que serve de representação à falta de

inteligência – e a menção à exclusão política condicionada pela incapacidade de ler e escrever são elementos que ainda hoje frequentam os discursos públicos sobre esta temática” (RIBEIRO, 2000).

201

“[...] a condição de analfabeto vem carregada de preconceitos, discriminação e estigmatização” (FERRARO, 2002).

202

“É inegável, entretanto, que se trata de uma capacidade muito limitada, fazendo com que tais sujeitos fiquem muito dependentes de outros leitores para resolver tarefas simples do cotidiano” (RIBEIRO; VÓVIO; MOURA, 2002).

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Neste sentido, citando diversas decisões favoráveis, Marcão (2007, p. 171) diz que “Tanto quanto possível, em razão de seus inegáveis benefícios, o aprimoramento cultural por meio do estudo deve ser um objetivo a ser alcançado na execução penal, e um grande estímulo na busca de tal idéia é a possibilidade de remir a pena privativa de liberdade pelo estudo”.

desnecessário.

Assim, a última razão deve vingar quanto ao extremófilo mental – analfabeto absoluto – para fazer com que a violência estatal seja afastada quando da resolução das dificuldades nas quais haja proteção penal de algum bem jurídico. Isso porque, pela situação de vulnerabilidade – fraqueza extrema – a desnecessidade da violência se faz patente no que tange ao analfabeto absoluto. Mesmo porque, conforme se verá no próximo capítulo, quase sempre a extremofilia mental surge correlacionada à extremofilia social. Consequentemente, por um ser-estar no mundo tão tonitruante, merece o analfabeto absoluto maior empenho do Estado brasileiro, através da não-aplicação da violência do sistema penal, no seu fortalecimento e cuidado, com base no princípio constitucional da solidariedade.