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2 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA PERANTE AS ATUAÇÕES VIOLENTAS ESTATAIS

2.2 OS NOMES DO PRINCÍPIO DA ÚLTIMA RAZÃO

O princípio da última razão, em latim ultima ratio, é sinônimo de princípio da intervenção mínima – poucos falam, como sinonímia, em princípio da necessidade

(BIANCHINI, 2002; FERRAJOLI, 2006; LUISI, 2003), mais coadunado com a aplicação da pena de prisão –, extrema ratio ou intervenção necessária (JESUS, 2003).

Por isso, os autores nacionais acabam por utilizar, ao mesmo tempo, em mesmo sentido, as duas formas de referência ao conteúdo (BUSATO e HUAPAYA, 2003; PASCHOAL, 2003; CAPEZ, 2006b) – intervenção mínima e última razão.

Alguns não explicitam – com definição, conteúdo e limite próprios – , patentemente, nos manuais, o princípio da última razão (BRANDÃO, 2008; QUEIROZ, 2005; NORONHA, 1997; e outros mais), abrindo uma lacuna epistemológica singular, ou mesmo fazem, tão só, pequeninas citações. Outros (GRECO, 2007; MIRABETE e FABBRINI, 2007a, 2007b, 2007c; REALE JÚNIOR, 2002, e outros mais) mesclam o princípio da última razão com as agregadas características como fragmentariedade, lesividade e subsidiariedade, dando azo ao entendimento de mistura do princípio com suas características supracitadas.

Apesar da exacerbação informativa, todos os dois nomes – última razão e intervenção mínima – indicam a mesma natureza de orientação, o direito penal deve ser utilizado por último como controle social38 visto ser marcado pela violência. Assim, Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 74) indicam que

Igualmente, a constatação de que a solução punitiva sempre importa um grau considerável de violência, ou seja, de irracionalidade, além da limitação de seu uso, impõe-se, na hipótese em que se deva lançar mão dela, a redução, ao mínimo dos níveis de sua irracionalidade.

Esta linha de limitação da intervenção punitiva e redução da irracionalidade (ou violência) da mesma, é o que se denominava princípio da intervenção mínima.

Batista (2001, p. 85) informa a distinção quando versa que “Ao princípio da intervenção mínima se relacionam duas características do direito penal: a fragmentariedade e

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Paulo Queiroz (2002c, p. 135), define que “Em primeiro lugar, ninguém ignora que, pelo só fato de vivermos em sociedade, estamos sujeitos a um sem-número de mecanismos de controle social presentes nos mais diversos ambientes de interação: família, escola, trabalho, igreja, clubes etc. o controle é, enfim, uma força onipresente na vida social, a todos persegue, a todo tempo e em toda parte, inevitavelmente.”, Conde (2005, p. 23-24), “Por outro lado, pode-se dizer que o direito penal não é mais que a parte visível mais tétrica e quiçá terrível do

iceberg que representa os diversos mecanismos de controle do individuo na sociedade. Mas não é o único nem o

mais importante. Verdadeiramente, as normas penais por si só são insuficientes e, paradoxalmente, demasiado débeis para manter o sistema de valores sobre o qual descansa uma sociedade.” e Piletti (1988, p. 68), “Controle social é o processo utilizado por uma sociedade para garantir a obediência de seus membros aos padrões de comportamento existentes. Na verdade, não há apenas um processo de controle social. são diversos os meios utilizados para levar os indivíduos a enquadrar-se dentro dos padrões sociais vigentes. Esses processos podem ser internos (socialização) e externos (pressão social e força).”

a subsidiariedade”. Sica (2002, p. 89), por sua vez, define: “Embora seja difícil delinear um conceito unânime do Princípio da intervenção mínima, não há divergência quanto à característica básica: limitação do direito de punir”.

Dessa forma, o princípio da intervenção mínima dirige o Estado à intervenção na vida das pessoas, em âmbito penal, em quaisquer instâncias, por último, ao fim, por causa da violência real/simbólica utilizada na resolução – às vezes na tentativa infrutífera de resolução – da dificuldade. Um limite à atuação estatal é o fulcro do princípio da intervenção mínima.

O Estado, em suas diversas instâncias, deve ser limitado na atuação do direito penal. Isso porque usar o direito penal é mais fácil e rápido ao Estado, pois há uma atuação impactante – gera uma ação midiática, afinal de contas, os meios de comunicação prezam por explorar a suposta necessidade humana de sentir prazer nas desgraças alheias – e, assim, demonstra um funcionamento com mais rapidez, dando a impressão ao público de o problema estar resolvido. O poder comunicativo da violência é utilizado pelo Estado como medida funcional do sistema.

Luigi Ferrajoli (2006, p. 427) indica o princípio da intervenção mínima quando aduz que

Se o direito penal responde somente ao objetivo de tutelar os cidadãos e de minimizar a violência, as únicas proibições penais justificadas por sua “absoluta necessidade” são, por sua vez, as proibições mínimas necessárias, isto é, as estabelecidas para impedir condutas lesivas que, acrescentadas à reação informal que comportam, suporiam uma maior violência e uma mais grave lesão de direitos do que geradas institucionalmente pelo direito penal.

No entanto, a utilização da violência – real ou simbólica – nem sempre é sinônimo de extinção das dificuldades enfrentadas pela sociedade. O mundo, na atualidade, pede novas perguntas. As questões do século XXI (ROMÃO, 2003) são abordadas de forma diferente. A religião, o trabalho, a cultura e o ambiente39 são revisitados porque a maneira de atuar dos seres humanos, perante eles, mudou. A hodiernidade demonstra, através da vivência coletiva, que determinados bens jurídicos, e pessoas específicas, não podem ser tutelados pela violência estatal. Dessarte, algumas dificuldades convivenciais não são resolvíveis através da tutela penal, conforme argumentado nos próximos capítulos.

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A questão ambiental é crucial para a humanidade, no entanto, ainda não fomenta políticas públicas vigorosas. Neste concernente, de importância do tema Alessandra Prado (1997, p. 06-07), quando pondera, citando Cuello Contreras, “A discussão em torno da necessidade de se tutelar o meio ambiente através do Direito Penal é importante, na medida em que, como bem ressalta Cuello Contreras, a destruição do meio ambiente seria a do próprio gênero humano.”

2.3 O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA COMO UM PRINCÍPIO IMPLÍCITO