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O Ano de 1995: marco para o estabelecimento das normas internacionais de

O ano de 1995 foi particularmente importante na definição do curso das normas internacionais de contabilidade em razão de dois eventos decisivos:

• O Acordo IOSCO-IASC de 1995;

• A comunicação da Comissão Europeia de 1995, denominada “Harmonização Contábil: uma Nova Estratégia vis-à-vis a Harmonização Internacional”.

O Acordo IOSCO-IASC de julho de 1995 anunciou o plano de trabalho para o desenvolvimento de um conjunto de normas internacionais de contabilidade abrangente que, uma vez alcançado, pudesse ser recomendado para a adoção pelos países-membro da IOSCO no levantamento de capital além das fronteiras e para a listagem de empresas nos mercados internacionais, como uma alternativa aos padrões contábeis nacionais. Anunciou ainda que uma série de 15 normas IAS já atenderiam aos critérios do Comitê Técnico da IOSCO e poderiam ser utilizadas, desde que o conjunto principal fosse alcançado.58

56 International Organisation of Securities Regulators (IOSCO), Resolutions of the Presidents’

Committee on Harmonization of Accounting and Auditing Standards, 1988, 1.

57 Ibid.

58 International Accounting Standards Committee (IASC) e International Organization of Securities Commissions (IOSCO), “A Joint Press Release”, 1995.

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A Comissão Europeia emitiu, em novembro de 1995, a comunicação

“Harmonização Contábil: uma Nova Estratégia vis-à-vis a Hamonização Internacional” (Accounting Harmonisation: a New Strategy vis-à-vis International Harmonisation), dando curso ao plano de ação para que as empresas da UE pudessem adotar as normas internacionais de contabilidade, especificamente as International Accounting Standards (IAS), emitidas pelo IASC, na elaboração de suas demonstrações contábeis, para afastar a obrigatoriedade da elaboração de mais de um conjunto de demonstrações contábeis quando da mobilização de capitais nos mercados internacionais, contribuindo adicionalmente para melhorar a comparabilidade das informações em diferentes Estados-Membros.59

A Comissão tinha ciência da importância estratégica de sua decisão e influiu decisivamente no processo de harmonização das normas internacionais de contabilidade, quando expressou:

“A abordagem proposta na presente comunicação consiste em colocar o peso da União no processo de harmonização internacional já em curso no International Accounting Standards Committee (IASC). O objetivo desse processo é estabelecer um conjunto de padrões que serão aceitos nos mercados de capitais em todo o mundo. A União deve, ao mesmo tempo, preservar as suas próprias conquistas no sentido da harmonização, parte fundamental do direito do mercado interno. ”60 (Grifos nossos)

A Comissão declara estar determinada a alcançar este objetivo sem recorrer a uma nova legislação comunitária em matéria de informações financeiras e sem criar novas exigências administrativas. No lugar de elaborar um novo conjunto de normas contábeis europeias, sobrepostas às já existentes em nível nacional e internacional, ou de criar um organismo europeu de normatização contábil, após examinar várias alternativas avaliadas como impraticáveis, citando o Acordo IOSCO-IASC de 1995, a Comissão traz a proposta de promover a associação da UE aos trabalhos conduzidos pela IOSCO e pelo IASC.61

59 European Union, Commission of the European Communities, “Commission Proposes a New Strategy”, 1

60 European Union, Commission of the European Communities, “Accounting Harmonization”, 2.

61 European Union, Commission of the European Communities, “Commission Proposes a New Strategy”, 1

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As várias alternativas foram avaliadas em consulta aos estados-membros e à comunidade empresarial, sendo elas:

• Estabelecer um acordo de mútuo reconhecimento das demonstrações contábeis com os EUA: não havia interesse dos americanos, porque, na prática, as demonstrações contábeis elaboradas com base nos USGAAP já contavam com reconhecimento em toda a UE e as demonstrações contábeis elaboradas com base nas diretivas, além de inferiores, não atendiam aos requerimentos americanos;

• Excluir as empresas europeias globais da obrigatoriedade de cumprir com as diretivas, ficando livres para seguir outras regras: esta opção era inadequada por desmontar o avanço já alcançado com a harmonização, além de criar outros problemas, como definir qual seria o escopo da exclusão e quais seriam as regras que as empresas excluídas deveriam observar (IAS, US GAAP ou outro GAAP);

• Atualizar as diretivas contabilísticas: este processo seria muito complicado, lento e possivelmente ineficaz; além disso, novos problemas poderiam emergir enquanto uma solução para o conjunto ainda estivesse em discussão;

• Criar um órgão europeu de emissão de normas contábeis: trazia a possibilidade de desenvolver soluções comuns para os muitos problemas técnicos; contudo, tal desenvolvimento demandaria muito tempo, com o risco de resultar meramente numa camada adicional entre as normas nacionais e as internacionais.62

A Comissão Europeia declarou que a nova estratégia oferecia oportunidade para que as empresas continuassem dentro do enquadramento contábil da UE, ao mesmo tempo em oferecia alternativa às normas contábeis americanas, sobre as quais nem os governos nem as empresas poderiam exercer qualquer influência.63

A preferência da Comissão pelas IAS era justificada, na visão de Hulle, porque apenas o IASC oferecia uma clara perspectiva de reconhecimento nos

62 Gornik-Tomaszewski, 80-81.

63 European Union, Commission of the European Communities, “Commission Proposes a New Strategy”, 3.

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mercados internacionais de capitais em prazo que correspondia à urgência do problema – referindo-se ao recente acordo IOSCO-IASC de 1995. A Comissão teria prestado atenção à segurança jurídica, especialmente aos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade consagrados no Tratado de Maastricht64, ao traçar a nova estratégica, evitando nova legislação ou alterações à legislação existente a nível da UE. Desnecessário seria desenvolver normas europeias se havia outras soluções igualmente satisfatórias. Era evidente a necessidade de uma estrutura mais flexível, com respostas rápidas aos desenvolvimentos atuais e futuros, incompatível com a rigidez de uma resposta legislativa. “Se o quadro adotado a nível europeu não pudesse ser alterado sem demasiadas dificuldades (...) se essas soluções não correspondessem mais às necessidades de hoje, seria difícil justificar sua existência.”65

Para encadeamento dos fatos, consideramos importante destacar a motivação da Comissão Europeia para a harmonização contábil relacionada ao desenvolvimento do mercado de capitais europeu, considerado a peça do quebra-cabeças para a plena realização do mercado único europeu, como será demonstrado adiante.

Igualmente no ano de 1995, a Comissão Europeia passou a apresentar um relatório dirigido ao Conselho Europeu sobre a realização do mercado único, para acompanhamento das principais realizações, considerando a conclusão do mercado único como de máxima importância para a UE, dadas as suas potencialidades em termos de contribuição para o crescimento e para a criação de emprego na Europa.66

O documento “O Mercado Único em 1995 - Relatório da Comissão de Acompanhamento do Progresso” (The Single Market in 1995 – Commission Report

64O princípio da subsidiariedade (art. 5.° do Tratado da União Europeia), “visa garantir uma tomada de decisões tão próxima quanto possível do cidadão, mediante a verificação constante de que a ação a empreender a nível da União Europeia (UE) se justifica à luz das possibilidades oferecidas a nível nacional, regional ou local. Concretamente, trata-se de um princípio segundo o qual a UE só deve atuar quando a sua ação for mais eficaz do que uma ação desenvolvida a nível nacional, regional ou local (exceto quando se trate de domínios da sua competência exclusiva). Este princípio está intimamente relacionado com o princípio da proporcionalidade, que prevê que a ação da UE não deve exceder o que seja necessário para alcançar os objetivos dos Tratados.” https://eur-lex.europa.eu/summary/glossary/subsidiarity.html (Acessado em 07 de dezembro de 2021).

65 Hulle, 358.

66 União Europeia, Comissão Europeia, “O Mercado Único em 1995”, 1.

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Reviews Progress) foi o primeiro da série, relatando progressos consideráveis em 1995 para tornar o mercado único totalmente operacional. Descrevia que muitas medidas importantes para completar o quadro legislativo foram adotadas ou propostas e lançadas consultas sobre novas políticas e que existiam persistentes barreiras para o livre movimento de pessoas, produtos, serviços e capital no mercado único, os quais a Comissão estava determinada a enfrentar. Dentre os desenvolvimentos listados como chave no relatório, sob o título “Contabilidade”

(Accounting), mencionou a nova estratégia lançada pela Comissão em novembro de 1995.67

Em 1996, o conselheiro da Comissão Europeia para o Mercado Comum, Mario Conti, realizou o discurso “A Nova Estratégia Contábil” (The New Accounting Strategy) no plenário da EFFEI – European Federation of Financial Executives Institutes, em Paris, como parte do plano de ação da Comissão e em linha com a sua estratégia, comunicada à imprensa em 1995. O discurso reafirmaria o conteúdo da comunicação, acrescentando detalhes explicativos, justificativas para determinadas opções e uma clara orientação de como a Comissão esperava que os interessados se posicionassem e contribuíssem para o processo, com foco na coordenação e na cooperação.68

Informou que sua posição em relação à harmonização das informações contábeis e das normas de contabilidade era consistente com a abordagem do mercado único, onde a simplificação seria a prioridade número um. A Nova Estratégia Contábil visava fazer com que as regras existentes funcionassem, alcançando a comparabilidade das informações e adequando-as ao contexto internacional, com a particular preocupação de assegurar a possibilidade de utilização de um único conjunto de demonstrações contábeis consolidadas com aceitação internacional:69

“Como eu disse na última Conferência da IOSCO em Paris, a Comissão Europeia apoia a iniciativa da IOSCO e nós continuaremos a dar o nosso suporte no futuro”, não havendo dúvida que “devemos”

dar uma clara preferência à solução baseada nas IAS, desde que

67 European Union, European Commission, “The Single Market in 1995”, 1-3.

68 European Union, European Commission, “The New Accounting”, 2.

69 Ibid.

35 essas normas sejam verdadeiramente internacionais e que os interesses europeus sejam representados no processo internacional de harmonização.70

Salientou que a legislação dos Estados-Membro precisaria permanecer consistente com as Diretivas Contábeis da UE e não seria possível à legislação nacional (pelas contradições jurídicas implícitas) autorizar a aplicação das regras contábeis americanas. Saudou o ingresso do EFFEI como membro no Conselho do IASC, contando com a sua contribuição para assegurar que o ponto de vista dos preparadores europeus fosse melhor representado no Conselho, informando que a Comissão Europeia era membro do Grupo Consultivo e um observador no Conselho do IASC desde 1990. Sinalizou claramente apoio ao processo internacional de normatização.71