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Em 23 e 24 de março de 2000, ocorreu a reunião extraordinária do Conselho Europeu em Lisboa, considerada a pedra fundamental para a adesão da UE às normas IAS. A reunião foi destinada a “acordar num novo objetivo estratégico para a União tendo em vista reforçar o emprego, a reforma econômica e a coesão social no âmbito de uma economia baseada no conhecimento.”87

Este objetivo foi colocado diante de “uma enorme mutação resultante da globalização e dos desafios de uma nova economia baseada no conhecimento”, com grande impacto na vida das pessoas, requerendo “uma transformação radical da economia europeia”, conduzida em conformidade com os valores e modelos de sociedade da UE e considerando o seu “alargamento”. O Conselho considerava urgente a ação da UE para o aproveitamento pleno das vantagens e oportunidades oferecidas diante da velocidade destas mudanças. Reconheceu existir as melhores perspectivas macroeconômicas em uma geração, fruto das medidas econômicas saneadoras, enfatizando o sucesso da introdução do Euro, a realização do mercado interno, com benefícios para consumidores e para as empresas, a qualidade da mão-de-obra e dos sistemas de proteção social, o crescimento, a criação de empregos e as perspectivas de “alargamento” da UE. Como aspectos negativos,

86 Ibid., 4.

87 Conselho Europeu, “Conselho Europeu de Lisboa”, 2.

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reconheceriam a elevada taxa de desemprego (15 milhões, especialmente entre mulheres e idosos), com acentuados desequilíbrios regionais, o baixo desenvolvimento do setor de serviços, com destaque para telecomunicações e internet, e a inadequação das qualificações em tecnológica da informação.88

A reunião gerou um documento de 17 páginas denominado “Conclusões da Presidência – Conselho Europeu de Lisboa 23-24 de março de 2000”, traduzido oficialmente para as 27 línguas oficiais do bloco, com o seguinte sumário:

I. EMPREGO, REFORMA ECONÔMICA E COESÃO SOCIAL II. POLÍTICA EUROPEIA COMUM DE SEGURANÇA E DEFESA III. BALCÃS OCIDENTAIS

IV. RÚSSIA

V. CONFERÊNCIA INTERGOVERNAMENTAL VI. REGIÕES ULTRAPERIFÉRICAS

ANEXOS89

O capítulo de especial interesse para esta tese é o primeiro “I. Emprego, Reforma Econômica e Coesão Social”, onde são apontadas recomendações que colimarão na decisão de adotar as International Standards Accounting, editadas pelo IASC, como de uso obrigatório para as empresas que participam dos mercados de capitais europeus, a partir de 2005.

É interessante destacar a ambição do Conselho na proposição à UE:

“Tornar-se o espaço econômico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento econômico sustentável, com mais e melhores empregos e com coesão social.” 90

O Conselho reconheceria mercados financeiros eficientes e transparentes como essenciais para a promoção do crescimento econômico e do emprego, por meio de uma melhor repartição do capital e da redução do seu custo. Considerou que eles desempenhavam papel crucial na promoção de novas ideias, no suporte à cultura empresarial, no fomento ao acesso e na utilização de novas tecnologias e no apoio a pequenas e médias empresas inovadoras e de alto crescimento. Frisou

88 Ibid.

89 Ibid., 3.

90 Ibid.

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ainda como essencial o aproveitamento do potencial proporcionado pelo Euro na integração dos mercados financeiros da UE. Dentre uma série de medidas para acelerar a concretização do mercado interno de serviços financeiros, o Conselho determinou:

• Que o Plano de Ação dos Serviços Financeiros (FSPA) seja executado até 2005;

• Enfatiza a necessidade de melhorar a comparabilidade das demonstrações contábeis das empresas;

• Amplia a cooperação entre os reguladores dos mercados financeiros da UE.91

Em junho de 2000, como resposta às recomendações do Conselho Europeu de Lisboa, a Comissão Europeia reuniu-se e produziu o documento “Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Estratégia da UE para o Futuro em Matéria de Informações Financeiras a Prestar pelas Empresas”, contendo 11 páginas.92

O conteúdo do documento distribui-se de acordo com o que indica o sumário:

SÍNTESE INTRODUÇÃO

EVOLUÇÃO CONTABILÍSTICA INTERNACIONAL A ESTRATÉGIA DA UE

AS INFORMAÇÕES FINANCEIRAS A PRESTAR PELAS EMPRESAS NA UE

UM NOVO RUMO

Um conjunto único de normas em matéria de informações financeiras a prestar pelas empresas

Âmbito de aplicação das normas IAS

Prospectos de referência

A INFRAESTRUTURA NECESSÁRIA PARA A NOVA ESTRATÉGIA CONTABILÍSTICA

Acompanhamento

Infraestrutura de aplicação

APLICAÇÃO, CALENDARIZAÇÃO E PERÍODO DE TRANSIÇÃO CONCLUSÕES93

91 Ibid., 8.

92 União Europeia, Comissão Europeia, “Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento”.

93 Ibid.

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O conteúdo apresentado sob o título “Síntese” é parcialmente reproduzido como segue:

“As conclusões do Conselho Europeu de Lisboa sublinharam a importância de um mercado de capitais eficiente e transparente para promover o crescimento e o emprego na UE. A evolução em termos de globalização e tecnologia da informação criou uma dinâmica singular para a realização de um mercado único de valores mobiliários na UE, eficiente e competitivo. No intuito de acelerar a conclusão do mercado único de valores mobiliários, é urgente a adoção de medidas no domínio da apresentação de informações financeiras pelas empresas a fim de reforçar a comparabilidade dos mapas financeiros, conforme solicitado pelo Conselho Europeu em Lisboa. A presente Comunicação inclui as seguintes ações fundamentais. (Grifos nossos)

• Até ao final de 2000, a Comissão apresentará uma proposta formal que exigirá que todas as sociedades cotadas na UE elaborem as suas contas consolidadas em conformidade com um conjunto único de normas contabilísticas, designadamente, as normas contabilísticas internacionais (IAS). Este requisito produzirá efeitos, o mais tardar, a partir de 2005. (...)

• O desenvolvimento de uma infraestrutura que velará pela aplicação rigorosa, por parte das sociedades cotadas na UE, das normas contabilísticas internacionais que tenham sido confirmadas pelo sistema de aprovação.

(...)

A Comissão solicita que o Conselho e o Parlamento Europeu aprovem urgentemente a sua abordagem global relativamente a esta estratégia.”94

Ressaltamos a importância que as autoridades europeias atribuem ao desenvolvimento de um mercado de capitais europeu eficiente e transparente, no mesmo nível como o mercado comum europeu de bens e serviços, para a promoção do crescimento e do emprego na UE, bem como o papel fundamental de informações contábeis de qualidade, padronizadas e comparáveis neste contexto.

Segundo a Comunicação, as normas formariam a base para criar o potencial necessário para a expansão dos mercados de capitais na UE, cuja dimensão era, à época, equivalente à metade do mercado norte-americano.95

94 Ibid., 2.

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Em reunião de 17 de junho 2000, o conselho de ministros de Economia e Finanças da União Europeia (European Union’s Economic and Finance Ministers (ECOFIN))96 determinaram e especificaram a criação de um comitê para tratar dos desafios regulatórios inerentes à implantação do Plano de Ação (Financial Services ActionPlan (FSAP)). Como resultado do trabalho do comitê, foram produzidos dois relatórios denominados, respectivamente, “Relatório Inicial do Comitê de Sábios sobre a Regulamentação dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários” (Initial Report of The Committee of Wise Menon the Regulation of European Securities Markets), de 09 de novembro de 2000, e “Relatório Final do Comitê de Sábios sobre a Regulamentação dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários” (Final Report of The Committee of Wise Menon the Regulation of European Securities Markets), de 15 de fevereiro de 2001, ambos objeto de abrangentes consultas públicas, visando superar os inúmeros obstáculos à efetiva implantação do mercado único de capitais europeu. O relatório final contém 42 páginas e 5 anexos, compondo um total de 117 páginas. O relatório inicial de 49 páginas é apresentado como o anexo 5 do relatório final.97

O Relatório Inicial destacou a importância da consolidação e desenvolvimento do mercado de capitais para a UE em paralelo aos desafios de um ambiente em profunda transformação, afetado pela globalização, pelo rápido progresso em tecnologias de informação e de comunicação, redução nos custos de transação, impulsionando a inovação e a colocação de novos produtos financeiros, quase diariamente, acrescido pelo enorme impacto da introdução do euro.98

De fato, mudanças dessa magnitude teriam colocado significativos desafios aos organismos reguladores e à regulação no contexto de construção de um mercado de capitais integrado europeu. Os obstáculos iriam de diferenças entre as jurisdições, promovendo a segmentação do mercado, até as dificuldades da regulamentação acompanhar os impactos dinâmicos da competição e de inovações

95 Ibid., 3.

96A configuração do Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros (ECOFIN) é composta pelos Ministros (ou Secretários de Estado) dos Assuntos Econômicos dos Estados-Membros da UE. Os Estados-Membros que têm o euro como moeda formam um subgrupo conhecido como Eurogrupo.

https://www.eumonitor.eu/9353000/1/j9vvik7m1c3gyxp/vg9xfqxheqvs (Acessado em 03 de agosto de 2021).

97 The Committee of Wise Men, “Final Report”.

98 Ibid., 71.

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tecnológicas no mercado; e, ao mesmo tempo, garantir segurança ao investidor, a estabilidade do sistema, o livre desenvolvimento do mercado e a neutralidade na concorrência entre os diversos fornecedores de serviços financeiros. Uma regulação efetiva, tempestivamente implementada e aplicada, enfatizava o relatório, seria condição sine qua non para que os mercados europeus funcionassem melhor e alcançassem um elevado nível de integração. Um dos maiores desafios seria alcançar um sistema regulatório flexível, dotado de um ajuste contínuo e rápido em responder à necessidade de futuros desenvolvimentos. A integração dos serviços financeiros seria considerada o principal desafio econômico, juntamente com a construção da economia da informação.99

O relatório apresentava ainda um diagnóstico da situação, os desafios a serem enfrentados, pela perspectiva de mercado e regulatória e as opiniões preliminares do Comitê sobre os encaminhamentos possíveis. Salientava a necessidade de agir agora: “demora significa atrasar ou arriscar nenhum benefício, a continuação da fragmentação do mercado financeiro europeu, com custos desnecessários e um desempenho econômico abaixo do ideal”.100

O Relatório Final foi apresentado no contexto em que o Relatório Inicial recebeu ampla aprovação na reunião do Conselho de Ministros (ECOFIN) de 26 e 27 de novembro de 2000, com a requisição para que o Comitê refinasse as propostas regulatórias e trouxesse recomendações operacionais a serem levadas para o Conselho Europeu de Stockholm em 23 e 24 de março de 2001.

Dentre diversas recomendações, o sumário traz em destaque as prioridades do Plano de Ação (FSAP), onde figurava a necessidade de adoção das normas internacionais de contabilidade até o final de 2003.101

Evitando ingressar em minudências técnicas, colocamos foco no ponto-chave para o objeto desta pesquisa. Destacamos que a solução recomendada para a UE:

• Foi alcançar um sistema regulatório flexível, dotado de um ajuste contínuo e rápido em responder à necessidade de futuros desenvolvimentos;

• O processo europeu da convergência às normas internacionais de contabilidade foi desenhado para atender aos requisitos acima, oferecendo o

99 Ibid.

100 Ibid., 72.

101 Ibid., 3.

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laboratório experimental para o desenvolvimento do modelo que viria a ser adotado pela própria UE e pelo restante do mundo.

As normas internacionais de contabilidade derivadas do projeto IOSCO-IASC estavam aderentes a esses requisitos e com o conceito de comitologia (este conceito é detalhado no tópico seguinte), além de se afinarem à experiência da UE na solução das diversas disputas regulatórias no âmbito do mercado único.

Em julho de 2002, o Regulamento (CE) Nº 1606/2002 foi promulgado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, determinando a adoção das normas internacionais de contabilidade pela UE. O Regulamento IAS, como o documento ficou conhecido, contém 4 páginas e foi publicado em Bruxelas, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em 11 de setembro de 2002, p. L243/1 a L243/4, nas 27 línguas oficiais da UE. Utilizamos a versão em português.102

O Regulamento IAS determinou e especificou a adoção das Normas Internacionais de Contabilidade elaboradas pela IASC que, após a reestruturação, em 2001, passou a denominar-se IASB, descrevendo os objetivos, definições, a aplicação às contas consolidadas das sociedades cujos títulos são negociados publicamente, opções relativas às contas anuais e às sociedades cujos títulos não são negociados publicamente, comitê de regulação, disposições transitórias, entrada em vigor, e outros detalhes.103