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CAPÍTULO 02 – A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E O FORNECIMENTO PÚBLICO

2.4 O ativismo judicial

253 BUCCI, Maria Paula Dallari. Contribuição para a redução da judicialização da saúde: Um estratégia jurídico-

institucional baseada na abordagem de direito e políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari; DUARTE, Clarice Seixas (coord.). Judicialização da saúde: A visão do Poder Executivo. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 35.

254 CANOTILHO, J. J. Gomes. O direito dos Pobres no Activismo Judiciário. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA; Érica Paula Barcha (org.). Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 33-34.

Barroso afirma que a “judicialização e o ativismo judicial são primos”256, porém tais fenômenos não detêm as mesmas origens e causas imediatas. Para o autor, a judicialização perpassa pelo modelo constitucional que permite o direito subjetivo de ação em face de uma pretensão resistida por parte da administração, competindo ao Judiciário decidir diante do caso concreto257. Por outro lado, o ativismo judicial é atrelado à “escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”258, resultante de uma omissão legislativa passível de impedir “que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva”259.

Segundo Grinover260, o controle da constitucionalidade das políticas públicas por intermédio do Poder Judiciário, representa o ativismo judicial que se mostra como um fenômeno jurídico contemporâneo que visa à efetivação não apenas dos direitos declarados, mas também a adequação dos atos do Poder Público e das políticas públicas aos fins do Estado, descritos no artigo 3º da Constituição.

Sobre o ativismo judicial, Moura261 afirma se referir ao fenômeno em que ocorre uma atuação intensa e ativa do Poder Judiciário em questões políticas e sociais que caberiam precipuamente aos demais poderes, com a finalidade fundamental de garantir a concretização dos valores e fins da carta constitucional, além de preservar a supremacia axiológica e formal da Constituição Federal.

No que se refere ao ativismo dos magistrados, Barroso afirma que

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas262.

256 BARROSO, 2017. p. 06. 257 BARROSO, 2017, loc. cit. 258 BARROSO, 2017, loc. cit. 259 BARROSO, 2017, loc. cit.

260 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário: O processo – Estudos e

pareceres. 2. ed. São Paulo: DPJ, 2009. p. 39.

261 MOURA, 2014, p. 232. 262 BARROSO, op. cit., p. 06.

Boa parte da crítica acadêmica aponta que o ativismo no Brasil encontra-se relacionado com a crise de legitimidade e representatividade democrática, o “que gera um deslocamento entre os órgãos representativos e a sociedade, e a capacidade ou desinteresse em atender as demandas sociais, produzindo um deslocamento do exercício da cidadania para o âmbito do Poder judiciário”263.

Segundo Cappelletti264, é inerente à atividade dos magistrados serem também criadores do direito, uma vez que ao serem acionados e, devido ao dever legal de julgar, passam a interpretar de modo a esclarecer, integrar, transformar, o que acaba deflagrando um novo direito, o que não significa que sejam legisladores.

Até porque, é cediço que existem diferenças entre o processo legislativo e o processo judiciário. Sobre o tema Cappelletti dispõe que:

do ponto de vista substancial, tanto o processo judiciário quanto o legislativo resultam em criação do direito, ambos são “law-making processes”. Mas diverso é o modo, ou se prefere o procedimento ou estrutura, desses dois procedimentos de formação do direito, e cuida-se de perigosos. O bom juiz bem pode ser criativo, dinâmico e “ativista” e como tal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e as modalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse deixaria simplesmente de ser juiz265.

Não há como negar a existência do fenômeno do ativismo judicial nas ações de saúde em que se pretendem prestações materiais em face dos entes públicos, já que existe uma ampla jurisprudência apontando para o exercício de uma hermenêutica constitucional em que os magistrados atuam ampliando o sentido da norma e, até mesmo, desconsiderando diretrizes impostas pelo legislador.

Conforme tratado no capítulo anterior, a legislação infraconstitucional que versa sobre o fornecimento público de medicamentos, estipula uma série de regras a serem seguidas pela administração na execução das políticas públicas de dispensação dos fármacos, tais como: a inclusão das drogas em listagens oficiais, como a RENAME, e a exigência de registro do produto perante a ANVISA. No entanto, não são raras as decisões judiciais que contrariam tais diretrizes legais, utilizando-se de uma interpretação constitucional que, de certa forma, inova nos precedentes legislativos.

263 MOURA, 2014, p. 234.

264 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 74.

Neste momento não se discute se são ou não corretas tais decisões judiciais, questão que será mais bem analisada doravante, mas sim a verificação de uma postura ativista dos magistrados diante de questões afetas a judicialização da saúde.

Conforme será tratado nos tópicos subsequentes da pesquisa, não são raras as situações em que o magistrado determina o fornecimento de medicamentos que sequer foram incluídos nos protocolos do Sistema Único de Saúde, agindo na contramão da legislação específica com o ânimo de concretizar o direito social e fundamental à saúde, interpretando-o de modo a integrar e ampliar o alcance da norma, o que denota ativismo judicial.