• Nenhum resultado encontrado

O benefício de prestação continuada como aliado da inclusão

2. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL

2.1. Iniciando uma construção mais humana sobre o tema: o modelo social de deficiência

2.1.2. O benefício de prestação continuada como aliado da inclusão

O BPC é um benefício da Assistência Social previsto no artigo 203, inciso V, da CF/88, e garante um salário mínimo mensal a pessoa com deficiência e a idoso que comprove não possuir meios de prover própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família. A Lei 8.742/93, o Decreto 1.744/95 e o Decreto 6.214/07 também dispõem sobre esse benefício, estabelecendo os critérios para sua concessão.

Este último decreto, assinado pelo Presidente da República em 26 de setembro de 2007, substitui o Decreto 1.744/95, que estava defasado em virtude de alterações ocorridas no artigo 20 da Lei 8.742/93. Com essa decisão, a avaliação da deficiência é feita não apenas por médicos, mas também por assistentes sociais. Esse novo

122 LORENTZ, Lutiana Nacur. A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: LTr, 2006, p. 347.

modelo de avaliação está baseado na CIF, que considerada também os fatores ambientais ou pessoais para a avaliação da deficiência.

Além disso, o Decreto 6.214/07 possibilita a reaquisição do BPC na hipótese de desemprego da pessoa com deficiência. De fato, a reaquisição do benefício é um aliado na luta pela inclusão. Isso porque muitos receiam o ingresso no mercado de trabalho, já que, ao receber sua remuneração, o trabalhador com deficiência deixa de ser beneficiário da Assistência Social.

Há diversas notícias123 no sentido de que o BPC impede a entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pois pode levar tais pessoas, e suas famílias, a se acomodarem com o dinheiro vindo da assistência, ou a temerem que o salário a ser recebido pelo futuro trabalho seja menor do que o valor do benefício. Colaciona-se abaixo uma dessas notícias, recentemente divulgada (negrito nosso):

De janeiro a outubro de 2009, 12.403 pessoas com deficiência haviam se inscrito no Padef (Programa de Apoio à Pessoa com Deficiência) para conquistar um emprego. Dessas, 1.210 foram admitidas. Para a coordenadora do programa,

Marinalva Cruz, dois fatores impedem que esse índice seja maior. O primeiro é o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social, pago

a pessoas com deficiência com renda per capita familiar inferior a 25% do salário mínimo e suspenso quando o profissional obtém emprego. "Muitos se inscrevem, mas procuram vagas que não gerem vínculo empregatício, o que não é oferecido pelo programa", diz. Outra é o salário oferecido, que, segundo Cruz, pode

estar abaixo do pleiteado pelo candidato ou da média de mercado. Por vezes,

completa, a falta de qualificação do profissional ou de interesse da empresa em promover adaptações no local está entre os motivos.124

A esse respeito, afirma o entrevistado, Dr. Ricardo Tadeu, que certamente essa pessoa será um “cidadão de segunda categoria”:

Eu não sei, no fundo eu não sei, se as da pessoa com deficiência realmente querem abdicar do assistencialismo, isso é uma coisa que me preocupa. Ninguém pode obrigá-las a trabalhar, é o princípio da liberdade do trabalho. Só que se a pessoa com deficiência não quiser trabalhar e preferir ficar recebendo o benefício, ela vai continuar como um cidadão de segunda categoria. Porque na verdade ela recebe do Estado um benefício sem contrapartida contributiva e não assume os seus compromissos, e o Estado também deixa efetivamente de desenvolver uma política de cidadania. Eu não acho que um cidadão que é assistido é um cidadão pleno. Ele é um sujeito da assistência social, mas não é

123 Por exemplo, vide a matéria intitulada “Regra de benefício para pessoa com deficiência inibe entrada no mercado de trabalho, diz presidente de federação”, disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/09/26/materia.2007-09-26.0745640284/view>. Acesso em: 12.01.09.

124 Notícia disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce2911200901.htm>. Acesso em: 30.11.09.

um cidadão pleno, não exerce trabalho, não exerce sexualidade, não exerce coisa nenhuma, ele recebe um salário para não incomodar, essa que é a verdade.125

Outra entrevistada, a Dra. Linamara, toca num ponto chave sobre a opção de não trabalhar:

A grande questão é que o trabalho também evita que a pessoa adoeça, o trabalho começa a desenvolver uma outra esfera de relacionamento que te coloca em contato de verdade com o mundo. Então, mesmo quando você tem um emprego apoiado, ainda é útil para a sociedade. O que está faltando é talvez a gente ensinar para a sociedade que é melhor a gente pagar por esse indivíduo estar trabalhando, do que pagar pela doença desse indivíduo, porque certamente nós vamos pagar, sempre será a sociedade, porque o mundo é assim, é uma grande cooperativa. E se nós não soubermos de que maneira nós vamos aplicar o nosso recurso, e eu tenho convicção que o melhor recurso ainda é o indivíduo trabalhando, ainda que no emprego apoiado, nós vamos acabar exaurindo as nossas reservas. Então, pagar é uma coisa que nós não vamos escapar, ou nós vamos pagar pelo emprego apoiado ou nós vamos pagar pela questão do indivíduo com deficiência que adoeceu pela falta de pertencer a um grupo, de se sentir parte de uma sociedade.126

Por sua vez, a entrevistada, Sra. Mina Regen, traz um exemplo de autogestão em relação ao BPC:

Então, eu ouvi, por exemplo, no último Congresso que eu estive lá em Minas, quando foi lançado isso aí, um rapaz cego que levantou e disse assim, que desde pequeno ele recebia o BPC e depois que ele entrou na APAE que ele começou a estudar um pouco, ele percebeu que tudo que ele precisava, ele tinha que fazer biscate para comprar. Por quê? Porque o BPC mantinha a família. Então, ele começou a criar consciência fazendo parte do grupo de autodefensores, de que o BPC estava beneficiando a família, mas não a ele. Ele começou a namorar, ele queria casar, ele conseguiu um emprego e o que ele fez? Ele foi espontaneamente, sozinho, até o INSS, abriu mão do BPC e assumiu o emprego. Então, isso é para você ver como esses grupos, quando bem trabalhados, realmente dão uma autonomia, uma independência, dão voz às pessoas e é isso que as APAE‟s estão fazendo.127

Para mitigar o problema apontado, a Norma Oitava do Documento da ONU intitulado Normas sobre a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência dispõe sobre a manutenção da renda e seguro social. Essa norma assegura que “o suporte de renda deve ser mantido enquanto durarem as condições incapacitantes de modo a não desestimular a procura de emprego por parte das pessoas com deficiência”128. A citada

125 Transcrição dessa entrevista na íntegra nos Anexos da presente dissertação. 126 Transcrição dessa entrevista na íntegra nos Anexos da presente dissertação. 127 Transcrição dessa entrevista na íntegra nos Anexos da presente dissertação.

128 APADE – Associação de Pais e Amigos de Portadores de Deficiência da Eletropaulo; CVI-AN – Centro de Vida Independente Araci Nallin. Normas sobre equiparação de oportunidades para pessoas com

norma afirma ainda que “ele [o suporte de renda] só deve ser reduzido ou eliminado quando estas pessoas atingirem renda adequada e segura”129.

Dessa forma, para além da reaquisição do BPC, poder-se-ia pensar na acumulação do mesmo com o salário, ainda que temporariamente. As Normas sobre a

equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência permitem essa interpretação.

Ora, devido à exclusão histórica, supracitada, grande parte das pessoas com deficiência vive na pobreza. Segundo o entrevistado, Dr. Gracia:

Eu vejo que a solução da sociedade é compreender os deficientes, não como um ser que viva à margem da sociedade, mas como um ser que está incluído dentro da sociedade e que tem muito a oferecer a essa sociedade. Porque se nós formos visitar os deficientes da periferia desse Brasil é uma verdadeira tragédia. Porque existe a posição da família, existe a posição dos vizinhos, existe a posição da sociedade e existe até a posição do Estado em querer formar cidadãos. E a quantidade de deficientes situados abaixo da linha de pobreza chega a 80%, é um número altamente significativo. É um número que tem que ser pensado e esses 80% são brasileiros como qualquer outro. Então, nós não podemos fechar os olhos para essa realidade, que é uma realidade muito mais sofrida, de um vilipêndio muito maior do que a do negro, do que a da mulher, do que a dos GLBTS, e assim por diante. Então, nós precisamos hoje, a sociedade precisa ser mais organizada, as pessoas mais comprometidas com o bem estar social, caminharmos em sentido à periferia e resgatarmos esses brasileiros que vivem um processo de sofrimento atroz. E isso não se faz com caridade, nem com piedade, mas se faz com políticas públicas efetivas, no sentido de se cumprir o arcabouço legislativo, no sentido de se legitimar a sociedade de que ela precisa através de medidas judiciais, principalmente fazer com que eles tenham pelo menos direito à utopia. A única coisa que eu peço é que possamos fazer uma grande frente, não só em defesa do deficiente, mas em defesa das chamadas minorias, para que a gente possa construir um país que não viva mais de joelhos, um país que não dependa mais dos exemplos que vem de fora, mesmo que sejam bons exemplos. O que nós queremos fazer com essa grande frente é que a sociedade entenda que há uma periferia, que hoje vive sob a égide da ditadura do crime e que se nós não levarmos políticas públicas, se nós não levarmos os ramos mais organizados da sociedade, amanhã corremos o risco de sermos refém dessa nossa missão.130

É de se estimar como solução a inclusão no trabalho. Entretanto, não há como falar em inclusão laboral, com todas as exigências profissionais de um mercado competitivo, sem falar em acesso prévio à alimentação, moradia, vestuário, educação, ou seja, sem falar em um nível adequado de vida.

O artigo 28 da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência trata da questão do padrão de vida e proteção social adequados. Referido artigo

afirma que um nível adequado de vida inclui remuneração adequada no trabalho.

129 APADE – Associação de Pais e Amigos de Portadores de Deficiência da Eletropaulo; CVI-AN – Centro de Vida Independente Araci Nallin. Normas sobre equiparação de oportunidades para pessoas com

deficiência – Nações Unidas. São Paulo: Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, 1996, p. 33.

É sabida a discriminação salarial entre trabalhadores sem deficiência e trabalhadores com deficiência, inclusive entre os próprios trabalhadores com deficiência, sendo as pessoas com deficiência intelectual e as mulheres com deficiência os mais prejudicados131. Cientes dessa injustiça, é de se pleitear a acumulação do BPC com o salário como solução temporária, até que as oportunidades sejam de fato iguais.

2.2. A qualificação profissional das pessoas com deficiência intelectual: o