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Das falas dos responsáveis legais pela fiscalização da lei, por políticas públicas sobre a temática e de renomados profissionais da área da inclusão

3. ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA EMPÍRICA

3.3. Das falas dos responsáveis legais pela fiscalização da lei, por políticas públicas sobre a temática e de renomados profissionais da área da inclusão

Todas as entrevistas, sem exceção, mesmo que não analisadas de forma integral ou minuciosa, formaram a base deste trabalho, orientando suas reflexões e escolhas. Em vista disso, cabe ainda destacar tópicos de algumas entrevistas.

Da fala do Dr. José Carlos do Carmo destaca-se a criação pelo MTE do programa estadual para a garantia do cumprimento da Lei de Cotas que, compreendendo a diferença entre fiscalizar a falta de uma cadeira e fiscalizar a falta de uma pessoa, decidiu chamar as empresas para dialogar. Nesse diálogo ofereceram um prazo maior que o legal para elas cumprirem as cotas, ao invés de multar de imediato como manda a lei, exigindo algumas contrapartidas. Afirmou o entrevistado que a multa não é o objetivo do MTE, mas que ele não tem dúvidas de que se não fosse ela, não haveria efetividade da lei. Como

198 Transcrição dessa entrevista na íntegra nos Anexos da presente dissertação. 199 Transcrição dessa entrevista na íntegra nos Anexos da presente dissertação.

contrapartidas exigidas pelo programa, o entrevistado ressaltou a capacitação das pessoas com deficiência, a criação de espaços de divulgação de currículos, além de políticas voltadas para a acessibilidade. Quanto à acessibilidade, o entrevistado explicou que o princípio da ergonomia é que o posto de trabalho deve ser adaptado às características do trabalhador e não vice-versa. Importante essa observação, haja vista que ela vai completamente ao encontro do paradigma da inclusão. Aliás, o entrevistado salientou que, na verdade, essas são questões ou preocupações que as empresas devem ter para com todos os trabalhadores e não apenas com os trabalhadores com deficiência. Outra questão abordada, que merece destaque, é a da dificuldade de definição do que, para os fins da legislação, seja pessoa com deficiência. O entrevistado afirma que o conceito de pessoa com deficiência intelectual tem um problema que é o fato dele exigir que a manifestação da deficiência ocorra antes dos 18 anos de idade. Isso porque teoricamente existe a possibilidade desta deficiência ocorrer tardiamente, após os 18 anos, até em decorrência de acidente laboral. O entrevistado defende que, apesar de ser uma “transgressão do que está literalmente na literatura”, uma interpretação mais ampla não contraria o espírito da legislação, pois atende a sua finalidade. Do mesmo modo que o MTE fez o programa com a intenção de dar um prazo maior do que o legal, esse mesmo raciocínio vale para a definição mais ampla que o entrevistado dá para a deficiência intelectual. Ainda, como bem salientou o entrevistado, não há nenhum dispositivo legal que permita exigir a contratação de pessoas com este ou aquele tipo de deficiência; porém, os princípios inclusivistas, que direcionam a interpretação da lei, encontrando sua finalidade, estão aí justamente para que se trabalhe essa questão de Justiça, que, neste caso, é efetivar a diversidade. E isso poderia ocorrer também dentro de um programa do MTE, que conhece a finalidade da lei.

Da fala do Dr. Renato Corrêa Baena destaca-se a questão da “barreira sistêmica”. Esse entrevistado foi diretamente ao ponto chave de pesquisa, que é a necessidade da modificação do meio e não da pessoa. Para ele, a modificação do ambiente inclui mudança na cultura organizacional da empresa. O entrevistado aponta, como principais questões da exclusão, o desconhecimento do comportamento do indivíduo, a falta de estruturação dos processos de trabalho, a falta de sensibilidade dos recursos humanos para organizar a força de trabalho de modo que se atenda a diversidade humana,. O entrevistado menciona, também, a questão não só da acessibilidade, mas da usabilidade dos ambientes, dos equipamentos e da própria comunicação, como ferramentas importantes para a efetivação da inclusão. Além disso, merece destaque a questão da valorização do

ambiente interno e externo da empresa, mencionada tanto por este entrevistado quanto pelo Dr. José Carlos do Carmo. Segundo o Dr. Renato, os recursos humanos devem atentar para valores novos, percebendo que a inclusão, além de ser boa para a produtividade da empresa, uma vez que melhora a imagem frente aos clientes, aumentando as vendas, também faz com que a empresa contribua de diversas formas para o bem comum, não só com os serviços ou produtos que ela comercializa, mas também com o valor que ela multiplica. E segundo o Dr. José Carlos, a inclusão melhora os ambientes internos das empresas porque muitas vezes as pessoas com deficiência contribuem para que os outros colegas de trabalho tenham mudança de comportamento, por exemplo, aumentando a assiduidade, pois os colegas veem muitas vezes os esforços que essas pessoas fazem para poderem desempenhar as suas atividades e acabam se motivando ao trabalho.

Da fala do Dr. Frederico Antônio Gracia destaca-se o seu desejo de ver, na grade curricular das Faculdades de Direito, uma disciplina sobre os direitos das pessoas com deficiência o que, segundo ele, é um tema que interessa a todos, uma vez que vivemos numa sociedade imprevisível no sentido de que a qualquer um a qualquer momento pode tornar-se uma pessoa com deficiência, devido a uma doença ou acidente. É possível que haja polêmica sobre essa questão, diante da possibilidade de disciplinas como Direito Constitucional ou Direitos Humanos abarcarem a temática da deficiência.

Da fala da Sra. Lia Crespo destaca-se a questão do aconselhamento de pares. Ela diz que não acha que aconselhamento seja um nome muito correto para esse tipo de atividade do CVI. O melhor seria troca entre pares, para enfatizar que não é coisa de mão única, mas sim de mão dupla. Não substitui o atendimento por psicólogos, ou psiquiatras, ou terapeutas ocupacionais, justamente por se tratar de mão dupla; trata-se de uma oportunidade oferecida pelos centros para que pessoas com deficiência, ou famílias de pessoas com deficiência, compartilhem experiências. Por meio dessa atividade, a pessoa com deficiência passa algumas dicas para que outra pessoa com deficiência possa pular etapas, porque as famílias geralmente não sabem o que fazer “quando de repente a deficiência se instala”. A entrevistada enfatiza também que a procura pelo aconselhamento deve ser de iniciativa da própria pessoa, quando se sentir preparada para esse fim. A relevância do aconselhamento reside na diferença entre ele e um tratamento com um profissional de saúde. Importante também nos casos de pobres com deficiência, sem acesso aos serviços públicos da saúde, devido, em muitos casos, à superlotação, ou seja, quando o sistema único não suporta a quantidade de usuários.