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1.1 Plano Geral: A Televisão

1.1.1 O Caso da TV Pública

Discutidas, embora não esgotadas, as questões relacionais entre as artes e as mídias eletrônicas, bem como o universo da televisão, o estudo partiu para um olhar direcionado à produção da televisão pública universitária, na qual também reverberam esses novos meios de produção audiovisual.

A TV pública universitária vem conquistando cada vez mais espaço no universo televisivo, reflexo do seu crescimento em mais de 700% nos últimos 20 anos. De acordo com Ramalho (2011), no Mapa da TV Universitária Brasileira versão 3.0, lançado pela Associação Brasileira de Televisão Universitárias (ABTU), existiam em 2011 cerca de 34 televisões universitárias só no nordeste brasileiro, dentre aproximadamente 151 brasileiras.

Com relação à produção de conteúdo destas TVs, os estudos demonstraram que, mesmo estando ligadas majoritariamente aos órgãos máximos das administrações universitárias, há um forte predomínio do viés acadêmico na produção de conteúdo (RAMALHO, 2011, p. 37), sendo em sua maioria produzidos por funcionários, professores e estudantes.

Na questão dos formatos de programas produzidos pelas TVs universitárias, considerando a categorização feita a partir do modelo de programação das redes comerciais que operam no sistema aberto – entretenimento, informativo, educativo e publicitário – foi detectado nas sinopses oferecidas que os programas classificados na categoria de “entretenimento” tem um forte viés educativo, e mesmo no restante das categorias, a multiplicidade de experimentos televisivos leva a um hibridismo de formatos (RAMALHO, 2011, p. 58).

No Nordeste, quatro programas (16,66%) dos 24 listados se encaixam na categoria “entretenimento”, divididos entre filme e variedades; na categoria “informativo” está a maioria das produções, nove delas (37,5%), entre entrevista, telejornal, documentário, mesa- redonda, reportagens especiais, notícias/enquete/reportagens/dicas, laboratoriais, debate e entrevista com enfoque em divulgação científica; já na categoria “educativo” são três produções (12,5%), entre teleaula, dramatização/literatura e palestra/painel; na categoria “outros” são sete registros (29,16%), entre revista eletrônica institucional, produção

independente, agenda cultural, revista temática e eventos; por último, na categoria “publicidade” foi registrado apenas um programa (4,16%), identificado como político.

Percebeu-se que a ficção televisiva, ou a teledramaturgia, ainda possui uma produção tímida nas TVs universitárias, assim como na TV pública em geral, se comparada com a produção de conteúdos jornalísticos, informativos, documentais, esportivos e outros. Mas ela é de grande interesse para a esta mídia, pois é uma ferramenta de grande alcance de público, assim como comprova os grandes sucessos da teledramaturgia nas televisões comerciais e privadas.

O que há de se observar, porém, é que nestas televisões comerciais a maioria das produções de teledramaturgia não possuem a responsabilidade com a formação educacional e cultural da população, embora possuam quase que o monopólio desta mídia. Sendo assim, cabe à TV pública gerar produtos de forma inovadora, observando o compromisso com o desenvolvimento cultural e social do país, oferecendo conteúdos que contribuam para a democratização da informação, numa busca pela renovação dessa linguagem.

Considerando o crescimento apontado por Ramalho (2011), associado às facilidades trazidas pelas tecnologias digitais e aos conteúdos das multiplataformas, é possível vislumbrar uma transformação sócio-cultural, seja no contexto local ou nacional, na medida em que essas malhas de comunicação se consolidem. Sobre isso, Maria Heloisa Machado (2009) afirma:

Já que a televisão pública ou a rede pública de televisão, convergente e digitalizada, tem como objetivo social a abertura de um novo espaço não comprometido com questões de audiência e comércio, publicidade paga e empresários interessados em vender para um cada vez maior número de espectadores, abre-se, então, um espaço crítico para a experimentação, pesquisa e inovação. Nesse caso, a ficção televisiva poderia, então, encontrar, na TV Pública, um espaço de excelência para afirmar seu papel crítico, educativo e cultural.

Ela defende como possibilidade da ficção televisiva digital, para além da expressão do mundo atual, a sua transformação. Para ela, no modelo vigente de ficção nas televisões privadas e comerciais: “crianças e adultos manipulados, sem singularidades, refletem os mesmos valores da classe dominante, numa escalada de cobiça, onde máquinas desejantes almejam uma materialidade capaz de violência social, desta mesma que aí está, sem proposta de transformação” (MACHADO, 2009). Sendo assim, defende uma perspectiva antropológica da produção audiovisual, a qual ela classifica como tão abrangente quanto a perspectiva brechtiana da dramaturgia: “Ambas, apontam para a significação cultural do drama-ficção e sua transformação como reflexo e materialidade em si do corpo e da subjetividade do social”.

A televisão da Universidade Federal da Paraíba, TV UFPB, seguindo o perfil geral traçado pelo Mapa da TV Universitária Brasileira versão 3.0, possui a maior parte de sua produção em programas informativos, mas tanto estes como a maioria das demais produções podem ser identificadas também como educativas. Os programas de teledramaturgia, ou que dela se utilizam, são recentes na TV UFPB, mas sua produção vem crescendo bastante nos últimos anos, seja em produções informativas, educativas e/ou de entretenimento.

Desde 2010 a TV UFPB vem desenvolvendo, a partir de projetos de extensão do PROEXT, subsidiados pelo MEC, programas que fazem uso da teledramaturgia, a exemplo dos: De Portas Abertas, Ciência Aberta, Teleteatro, Quem Souber Que Conte Outra, Estórias Encenadas, Alecrim e Canal de Histórias.

Essas novas produções demandaram a inserção de novos profissionais no quadro de pessoal, incluindo diretores de artes cênicas, roteiristas, figurinistas, músicos e, claro, atores e atrizes. Estes últimos, em sua maioria, são alunos do curso de Teatro da UFPB, vinculados como bolsistas de extensão ou profissionais convidados.

Com relação ao modo de produção na TV UFPB, pode-se aproximá-lo ao fazer cinematográfico, especificamente no tocante ao tempo destinado à pré-produção, uma vez que a urgência temporal é muito menor do que àquela que normalmente caracteriza a produção televisiva comercial, por exemplo. Porém, devido à escassez de recursos direcionados a produções deste tipo, há a necessidade de improvisar diante das demandas técnicas. Muitas vezes se trabalha em esquema de colaboração, onde são estabelecidas parcerias com escolas, grupos de teatro e artistas independentes, o que interfere diretamente em todos os aspectos da produção dos programas, uma vez que é preciso lidar com a disponibilidade de cada parceiro.

Valeska Picado (2016), sobre a TV UFPB, destacou que este é um espaço onde se tem liberdade para trabalhar: “a gente não tem dinheiro mas a gente pode escolher e ficar firme no nosso ideal, que a gente acredita que é melhor, ter esse compromisso com a responsabilidade social”.

Sobre esse aspecto, o ator David Muniz (informação verbal)26 acrescentou:

Mesmo diante de todas as dificuldades que a gente tem aqui na universidade, de espaço pra poder ensaiar, de espaço pra poder gravar mesmo, de todas as dificuldades que a gente tem, num país que não valoriza cultura, que não valoriza educação, pra poder gravar um material que tenha um sentido pra sociedade [...] E o que a gente mais vê em termos de audiovisual, principalmente na TV aberta é a coisa que não tem um valor pra sociedade que seja positivo. [...] E o Ciência Aberta pra mim foi um trabalho muito legal, assim como foi o Geração Saúde, porque você

26

Entrevista concedida por MUNIZ, David. Entrevista IV. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kátia Celyane Farias Schmitt. João Pessoa, 2016. 6 arquivos AVCHD (55 min.). A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação. Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/7R41NpU-DrU>

tá trazendo informação de forma acessível, num formato que as pessoas estão acostumadas, que é dramaturgia, mas com espaço também pra o jornalismo (MUNIZ, 2016).

Ao propor novas formas de se produzir, colabora-se com esse espaço proposto pela TV Pública, de questionamento das formas impostas, de desconstrução dos modelos, de formação crítica do público, não apenas nos conteúdos, mas também nos formatos apresentados. Ao mesmo em tempo, busca-se valorizar a descentralização e regionalização da televisão, exibindo conteúdos locais voltados para a cultura do nosso povo. Lúcia Serpa (informação verbal)27 fez uma observação a esse respeito, ao comparar a televisão gaúcha da década de 80 com os grandes monopólios da mídia televisiva:

Eu acho que tem uma coisa muito nociva também que é quando as coisas ficam monopolizadas. E acho que é uma coisa muito chata que acontece, pelo menos eu vi acontecer da década de oitenta pra agora, que existiam coisas produzidas nos seus estados. Então, eu vivi o que o Rio Grande do Sul produzia. E era muito forte, era muita coisa, era bonito, dava emprego e trabalho pra muita gente também. E de construção de uma dramaturgia também, de utilização de textos do Érico Veríssimo, de autores locais também. E no momento que, de repente, São Paulo e Rio de Janeiro eles sempre tiveram um monopólio, assim, uma concentração de que a arte e as coisas saem de lá e que são conhecidas de lá, porque a visibilidade é de lá, as coisas também começaram a ter menos possibilidade de você fazer essa criação regional (SERPA, 2016).

Se há uma televisão que tem a obrigação de exibir conteúdos que valorizem a diversidade cultural do nosso povo, esta é a TV pública, cuja função é promover o desenvolvimento cultural e social do nosso país, contribuindo ainda para a diminuição das diferenças sociais e disparidades econômicas que só aumentam o abismo existente entre as diversas classes da nossa sociedade.

27

Entrevista concedida por SERPA, Lúcia. Entrevista V. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kátia Celyane Farias Schmitt. João Pessoa, 2016. 6 arquivos. AVCHD (68 min.). A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice F desta dissertação. Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/Zjubz5ZR3qo>.

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