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2.1 Flash Back: O Programa Ciência Aberta

2.1.2 Produção

Durante a construção cênica foram experimentadas diferentes técnicas de criação. Utilizaram-se técnicas tradicionais, baseadas principalmente no Método das Ações Físicas de Stanislavski, que compreenderam o estudo detalhado do roteiro, com análise dos personagens,

Figura 2: Oficina Ator e Câmera Figura 3: Oficina Ator e Câmera

Fonte: Acervo TV UFPB Figura 4: Oficina Ator e Câmera

Fonte: Acervo TV UFPB

das circunstâncias dadas, dos objetivos, subtexto, etc., a exemplo do episódio “Milona” (figura 5).

Também foi possível vivenciar processos de criação mais abertos, com interferências diretas em falas e ações propostas pelo roteiro, adaptando-as às necessidades dos atores, na busca pela organicidade e naturalismo. Um exemplo é o episódio “Pagode Russo” (figura 6), que tratava de uma pesquisa sobre o linguajar sertanejo. Os atores, a maioria natural de cidades do interior, trouxeram suas experiências pessoais em relação à maneira de falar, bem como construíram ativamente partituras coreográficas baseadas em danças populares, interferindo inclusive na escolha da trilha sonora do episódio.

Márcio de Paula, Natan Pedoni, Raquel Ferreira e David Muniz

Fonte: Acervo TV UFPB Figura 5: Episódio Milona

Outros episódios foram completamente construídos a partir de exercícios de improvisação, antes mesmo de se discutir o roteiro, somente a partir das ações sugeridas no texto, que, posteriormente, viriam se sobrepor à camada do texto. Realizou-se esse tipo de construção no episódio “Sisal” (figura 7).

Figura 6: Episódio Pagode Russo

Ingrid Castro, Osvaldo Travassos, Raquel Ferreira, Sandro Régio, Natan Pedoni, Kassandra Brandão e David Muniz

A paródia também foi um recurso bastante utilizado em alguns episódios. Em “Biocombustível” (figura 8) foi realizada uma paródia com a temática de programas televisivos de culinária e comédias teatrais escrachadas, numa combinação que se utilizou basicamente da caricatura e do exagero.

Figura 7: Episódio Sisal

Sandro Régio, Raquel Ferreira, Natan Pedoni, Márcio de Paula e David Muniz

Já em “Engolindo Sapo” (figura 9) a paródia foi feita utilizando-se desenhos animados e musicais da Brodway, que se relacionavam com o tema ou o formato proposto. Neste caso, como o bloco de teledramaturgia do programa se propõe enquanto experimento cênico ficcionalizado, o virtuosismo e a perfeição não são qualidades perseguidas. Ou seja, a teatralização é bem vinda e a escassez de recursos plásticos é parte da proposta estética.

Márcio de Paula, Sandro Régio e Raquel Ferreira

Outra possibilidade experimentada foi a criação livre, sem conhecimento algum do roteiro, apenas a partir de estímulos dados pela diretora, ou temas, os atores criaram livremente as cenas, as quais muitas vezes interferiram de maneira determinante no roteiro, modificando-o completamente. Em “Dança da Vida” (figuras 10 e 11), os exercícios foram propostos pela direção, a partir de estímulos musicais, e resultaram em partituras físicas que, posteriormente, se adequaram ao roteiro. Este também sofreu algumas ressignificações a partir das partituras propostas.

Figura 9: Episódio Engolindo Sapo

Márcio de Paula, David Muniz, Sandro Régio e Natan Pedoni

Figura 10: Episódio Dança da Vida

Figura 11: Episódio Dança da Vida

Sandro Régio, Márcio de Paula, David Muniz, Raquel Ferreira, Natan Pedoni e Cely Farias

Fonte: Acervo TV UFPB

David Muniz, Márcio de Paula, Raquel Ferreira e Natan Pedoni

Um dos episódios, “Planta Mágica” (figura 12), foi construído colaborativamente já no set de gravação. Existia um roteiro base que, na visão da direção, ainda não estava devidamente definido. Foram testadas diversas soluções propostas, tanto pela direção, atores e até mesmo os técnicos (cinegrafistas, iluminadores, técnicos de som, produtora). Foi uma combinação dessas possibilidades apresentadas que constituiu o resultado final do episódio. Tanto as proposições como a escolha da solução foram realizadas pelo coletivo e este foi um fato que provocou a todos, uma vez que foi mantida uma relação de paridade que permitiu atuar criativamente e colaborativamente na construção da cena. Esta foi, possivelmente, a semente que me foi plantada e que hoje floresce como pesquisa de outras possibilidades colaborativas de criação em televisão.

Foram realizados no decorrer dos ensaios diversos procedimentos baseados em diferentes práticas teatrais. Trabalharam-se os elementos do método das ações físicas de Stanislavski, como a análise ativa, a construção de personagem a partir da identificação dos objetivos e da criação do subtexto, etc.

Figura 12: Episódio Planta Mágica

Raquel Ferreira e Sandro Régio

Também foi trabalhada a pré-expressividade dos atores na busca por um corpo extra- cotidiano, como aborda Eugênio Barba na sua Antropologia Teatral. O nível pré-expressivo é definido como um nível básico de organização comum a todos os atores independente da técnica experimentada por eles. A pré-expressividade preocupa-se com a maneira de deixar a energia do ator cenicamente viva, ou seja, de manter no ator uma presença que atraia imediatamente a atenção do espectador. Essa energia cenicamente viva no ator é o denominado nível pré-expressivo. A partir desse princípio, trabalhamos ainda na construção de partituras e desenvolvimento de subpartituras, com foco da codificação corporal.

Neste período, também lançou-se mão dos jogos teatrais e de improvisação desenvolvidos pela americana Viola Spolin, uma das pioneiras do teatro improvisacional. O sistema desenvolvido por ela sistematizou a prática teatral a partir de princípios defendidos por Brecht e Stanislavski, com jogos que focam a criatividade individual, adaptando e focando o conceito de jogo como chave para abrir a capacidade de auto-expressão criativa. Nesses exercícios foram trabalhados os elementos principais da narrativa como “o que”, “onde” e “quem”.

Permitiu-se, desta forma, uma vasta gama de experiências por parte dos atores que, ali, traziam os seus conhecimentos na área de teatro, e tinham a tarefa de, junto com a direção, adaptá-los transpondo-os para a linguagem televisiva.

A fase de gravação do programa compreendeu basicamente a adaptação do espaço da sala de ensaio para o set de gravação, sendo que os personagens e, praticamente, todas as cenas já estavam solidamente construídos, proporcionando, desta forma, grande agilidade e fluidez nas gravações. Ainda assim, algumas modificações foram propostas nesta etapa, tanto pelos atores quanto pela direção, sempre que se perceberam necessárias, em face de novidades como elementos do cenário, disposição das câmeras e microfones, etc.

Durante todas as etapas de produção, os atores participaram ativamente dos processos. Foi feito um laboratório de confecção de cenário, onde os atores puderam acompanhar a pesquisa da diretora de arte, bem como contribuiu para a construção ou reforma dos objetos cênicos. Já o figurino foi concebido inicialmente pela figurinista, que estabeleceu a paleta de cores de cada personagem a partir das suas características e personalidade e, a partir daí, partiu-se para uma “garimpagem” no guarda-roupa da TV UFPB e nos acervos pessoais de cada ator.

Os alunos e alunas foram estimulados ainda a participar de oficinas de produção, roteiro, edição e direção de arte, oferecidas por outras instituições da cidade no mesmo período da produção do programa. Os resultados dessas oficinas reverberavam nos momentos

de planejamento, de ensaio e de estudos teóricos, os quais mantivemos durante a fase de pré- produção a fim de aprofundar nosso conhecimento sobre o universo da televisão.

Trazer a ideia dialógica para a construção cênica no audiovisual, admitindo o ator enquanto criador possibilitou um espaço para que este atuasse de maneira mais ativa, seja em processos mais tradicionais, com roteiro fixo e direção clássica, onde ele pôde propor, alterar e adaptar possibilidades interpretativas para além do sugerido pelo roteiro ou pela direção; seja em processos mais abertos, próximos à performance, por exemplo, onde parte do roteiro foi construída durante o desenvolvimento do episódio, a partir de uma participação efetiva de todos os envolvidos na criação, desde atores, diretores, iluminadores, etc., influenciando-se mutuamente, e em igualdade de condições tanto no processo criativo de sua função específica, quanto na intercomunicação com os demais artistas, à medida em que o processo caminhava.

Os resultados obtidos nessa experiência foram os estímulos iniciais para que fosse realizada uma observação mais cuidadosa, identificando os erros e acertos do processo, e a partir daí assumir-se um comprometimento com uma pesquisa detalhada, a fim de sistematizar os procedimentos experimentados, em diálogo com os praticados no cinema e na televisão contemporânea, numa nova experiência prática.

Os procedimentos utilizados na preparação dos atores durante a primeira temporada do programa Ciência Aberta foram originários de pesquisas e experimentos teatrais anteriores. Apesar de ter havido algumas oficinas na área de audiovisual, o trabalho de construção cênica se deu em sua maior parte sem a presença da câmera, fator que pode ter contribuído para o resultado ter sido mais “teatral”. Existiu uma lacuna entre a criação teatral e a adequação à linguagem audiovisual, o que acabou por “contaminar” em vários trechos o produto final com um tipo de representação menos naturalista. Não se deve considerar este fato algo ruim, pois ele foi condizente ao formato do programa, que se pretendia teatral em alguns momentos. Porém, notou-se que é necessário um treinamento para que, nos momentos em que essa “teatralidade” não seja requerida, o ator possa desempenhar bem sua função de maneira natural e verdadeira, como exigiria uma representação mais convencional no audiovisual.

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