• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4. A FARSA DO REVEILLON

4.1. O CASO VEM A PÚBLICO

No dia 1º de janeiro de 2015, a cidade de São Paulo registrava seu primeiro caso anual de abordagem policial com resultado morte. Eram 9h13 da manhã de uma quinta-feira, quando o Portal G1, edição de São Paulo, estampava a manchete “Dois são mortos pela PM após explosão de caixa eletrônico em SP”65. A reportagem destacava que uma das agências do Banco do Brasil, situada na esquina das ruas Pires do Rio e Entrudo, em São Paulo, havia sido “atacada” por “bandidos” e narrava, a partir da versão dos policiais, a ocorrência de duas mortes decorrentes de intervenção policial: “Segundo a PM, policiais militares de dois batalhões foram acionados, por volta da 0h30. Cada uma das equipes se deparou com parte da quadrilha em fuga. Dois criminosos que seguiam a pé trocaram tiros com os policiais e acabaram mortos. Outros oito suspeitos conseguiram fugir”. Às 11h08, o jornal digital Último Segundo informava em menos de dez linhas, na matéria intitulada “Dois suspeitos são mortos pela PM após explosão de caixa eletrônico em SP66”, que a Polícia Militar de São Paulo havia frustrado um roubo de caixa eletrônico em uma agência do Banco do Brasil de São Miguel Paulista, cujos suspeitos formavam um grupo de cerca dez homens, armados com fuzis e outros dispositivos de grosso calibre. Segundo a reportagem, “durante a fuga, os bandidos foram surpreendidos por equipes da PM e no confronto na Avenida Pires do Rio, esquina com Rua Entrudo, dois suspeitos foram baleados e mortos. Nenhum policial se feriu com gravidade”. Até então, as narrativas pareciam dar conta de uma ocorrência comum no dia-a-dia de policiais.

65Informação acessada em 10 de março de 2017, através do Portal de Notícias da Rede Globo, G1, às 15h20, em

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/01/dois-suspeitos-sao-mortos-pela-pm-apos-explodirem-caixas-em- sp.html

66Informação acessada em 15 de abril de 2017, através do site IG, mais precisamente na edição do Último Segundo,

às 21h, em http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2015-01-01/dois-suspeitos-sao-mortos-pela-pm-apos- explosao-de-caixa-eletronico-em-sp.html

80 Destacavam uma tentativa de roubo que foi interrompida pela ação de policiais, os quais provocaram duas mortes em consequência do exercício da função.

Essas duas primeiras reportagens foram publicadas no mesmo dia da ocorrência, sem indicação de fontes primárias. Nenhum dos dois veículos de comunicação, que têm alcance nacional, informara com maior clareza as circunstâncias da morte, os policiais que efetuaram os disparos e os nomes das vítimas.

No dia 25 de janeiro de 2015, a Ponte Jornalismo publica a primeira reportagem a respeito dos fatos que se sucederam na madrugada do dia 1º de janeiro de 2015, na qual constam informações como o nome, idade e profissão das vítimas da abordagem policial que resultou em duas mortes, e o mais importante, uma nova versão a respeito das circunstâncias das mortes. Em “A farsa da PM de SP no Réveillon de 2015”, a Ponte informa que um morador da zona leste da capital paulista havia sido “executado” por policiais, quando já estava dominado e desarmado.

Nessa versão, narrada quase um mês após as mortes e replicada posteriormente por pelo menos três67 outros veículos de comunicação, a Ponte Jornalismo informa que “o pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de 32 anos” e “Vitor Lofte Barbosa, 22 anos” haviam sido mortos por policiais da Força Tática da Polícia Militar de São Paulo. O texto afirma que o primeiro caso de “morte sob intervenção policial” ou “resistência seguida de morte” de 2015 “começou a mudar três dias depois (04/01) quando o sargento Akira procurou um pastor evangélico para revelar que a morte de Ribeiro havia sido a execução de um homem desarmado e já rendido”.

A matéria apresenta assim a outra versão:

Primeira hora de 1º de janeiro de 2015. Rua Erva de Ovelha, Vila Jacuí, periferia da zona leste de São Paulo. O pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de 32 anos, vestindo camiseta regata de uma torcida uniformizada do Palmeiras, está em pânico.

Acuado, atrás de uma cama de casal em um quarto escuro, Lápis, como é conhecido desde a infância nas ruas do bairro, implora para não ser

67 Matéria assinada pelo mesmo jornalista foi publicada dia 26 de janeiro de 2015, pelo Brasil de Fato, em

https://www.brasildefato.com.br/node/31132/ e dia 27 de janeiro de 2015, no Pragmatismo Político, em https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/01/pedreiro-negro-e-executado-pela-pm-farsa-de-um-crime- revelada.html. Em 08 de fevereiro de 2015, o El País Brasil publica uma reportagem que tem como uma das fontes

a Ponte Jornalismo, a matéria está disponível em:

81 morto por dois policiais do 2º Batalhão da Polícia Militar que, a pouco mais de dois metros de distância, o têm sob a mira de suas armas. Os PMs gritam para que o pedreiro saia de trás da cama e, com as mãos para o alto, se renda. Ribeiro reluta, grita não estar armado e implora para que os PMs não atirem. Quando decide deixar o escudo da cama, Ribeiro é jogado ao chão por dois tiros de uma submetralhadora Famae, calibre .40.

Após breve silêncio, Ribeiro recebe mais quatro disparos. Dessa vez eles partem de uma carabina CT, calibre .30. O cheiro da pólvora se mistura ao do sangue que escorre do corpo do pedreiro enquanto o sargento da PM Marcos Akira Rodrigues Teixeira, 35 anos, responsável pelos dois primeiros tiros, se aproxima do homem estirado. A luz do quarto é acesa quando o soldado Djalma Aparecido do Nascimento Junior, 25 anos, autor dos outros quatro tiros contra Ribeiro, os de carabina .30, se aproxima do seu superior imediato, o sargento Akira, e entrega para ele um revólver calibre 32.

Assim que pega o revólver da mão do soldado Djalma, o sargento Akira dá três tiros com a arma. Dois acertam as paredes do quarto onde Ribeiro já está morto e o terceiro, a porta. Em seguida, a arma é colocada perto do corpo do pedreiro.

Simultaneamente à morte de Ribeiro, a 170 metros de distância, na rua Erva de Carpinteiro, outra equipe de PMs cerca Vitor Lofte Barbosa, 22 anos. Moradores do lugar ouvem quando Barbosa grita “pelo amor de Deus” para não ser morto e, em seguida, sete tiros são ouvidos. Quatro dos sete tiros contra Barbosa são disparados pelo sargento Antonio Eduardo Prado, 46 anos. Os outros três são dados pelo cabo Luis Alberto Almeida Lima, 49. Os dois PMs são da Força Tática (suposta tropa de elite de cada batalhão da PM paulista) do 29º Batalhão.

Levado para o Hospital Santa Marcelina, Barbosa morre. O corpo de Ribeiro fica no quarto onde foi baleado, à espera da perícia. Logo após as mortes, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, é acionado para investigá-las.

A farsa sobre a morte de Ribeiro continua quando os PMs Akira e Djalma prestam depoimento ao delegado Manoel Fernandes Soares, do DHPP. Eles inventam uma versão fantasiosa para a morte de Ribeiro: ele estava armado, atirou [várias] vezes contra os PMs e morreu no revide.

Os PMs afirmam que Ribeiro e Barbosa, vizinhos na Vila Jacuí, integravam uma quadrilha de ladrões que, no Reveillon de 2014 para 2015, usou explosivos para atacar os caixas eletrônicos de uma agência do Banco do Brasil, distante cerca de 500 metros das casas de ambos (Ponte Jornalismo, matéria publicada em 25/01/2015, assinada por André Caramante e intitulada: A farsa da PM de SP no Réveillon de 2015).

82 As mortes de Vagner de Sousa Ribeiro e Vitor Lotfer Barbosa são construídas assim, com pelo menos duas versões, pouco se sabendo o que exatamente ocorreu naquela madrugada festiva na cidade de São Paulo, afinal de contas apenas os policiais e as vítimas mortas presenciaram o ocorrido.