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O cenário brasileiro na década de 1990: o planejamento educacional pós Constituição de

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL NO BRASIL

3.1 O cenário brasileiro na década de 1990: o planejamento educacional pós Constituição de

Os anos de 1990 foram de reformulação política, a qual foi realizada através da concepção neoliberal em que as forças hegemônicas buscavam soluções para a superação da crise econômica em articulação com os interesses internacionais prevalecentes, justificadas como o único modo de tirar o Brasil dessa crise que perpassou dos anos de 1970 a 1980. Em suma, o período dos anos 1990 é de reformulação na vida da população brasileira, tendo em vista as várias reformas que afetaram diretamente as políticas públicas, sobretudo as de corte social, pondo em xeque as conquistas que tinham sido registradas nesse campo na Constituição de 1988. Foi nesse quadro que ocorreram as reformas educacionais que foram desencadeadas através das transformações ocorridas em diversas esferas da sociedade, tendo por base as orientações neoliberais na economia, nas instituições sociais, culturais e políticas (OLIVEIRA, 2004).

No campo da educação, as reformas visavam à expansão do ensino com base numa concepção de educação pública vinculada diretamente aos interesses do mercado e que vinham ocorrendo em escala planetária, no contexto do fenômeno da globalização, da internalização dos mercados e dos novos padrões de sociabilidade impostos pela nova fase do capitalismo (BALL, 2001; HARVEY, 1993; DALE, 2004). No que diz respeito ao planejamento educacional, este passou a seguir as orientações dos organismos internacionais e, todas as políticas públicas formuladas seguiram vieses que visavam estreitar, ainda mais, a relação entre a educação e a economia.

Lembramos que, com a Constituição de 1988, o planejamento da educação voltou a ser enfatizado. No seu texto está registrada a necessidade de criação do Plano Nacional de Educação, tendo a participação da sociedade civil na formulação das políticas públicas, uma vez que “passou a representar a pluralidade das vozes articuladas por meio das entidades da

sociedade civil organizada. É o sujeito no coletivo, como ator social da cidadania” (BORDIGNON, 2011, p. 17).

Dessa forma, a Constituição de 1988 ressalta que:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

I – erradicação do analfabetismo;

II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho;

V – promoção humanística, científica e tecnológica do País;

VI – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como promoção do produto interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (BRASIL, 1988).

A concepção de planejamento presente na CF/1988 consiste, segundo Sanches (1996), em um planejamento democrático-participativo, uma vez que a Carta de 1988 possibilitou um processo mais aberto de elaboração das leis orçamentárias, das políticas públicas, o que se diferencia dos períodos de 1964 a 1988. Para o autor, a nova Constituição ampliou “o âmbito de atuação do Legislativo nos processos de formulação e implementação de políticas públicas, e, por conseqüência, a intervenção das instituições da sociedade” (SANCHES, 1996, p. 1). Desse modo, no que concerne aos processos de planejamento governamental, de alocação de recursos e de avaliação de desempenho dos órgãos públicos, a CF de 1988 garantiu a participação dos sujeitos na elaboração, no monitoramento e na avaliação das políticas públicas.

Após a Conferência Mundial de Educação para Todos em Jontiem, na Tailândia, entre 1993 e 1994 e por exigência das políticas internacionalmente adotadas pelo país, foi criado o Plano Decenal de Educação para Todos para o período de 1993 a 2003 (CALAZANS, 2001). O referido Plano Decenal tinha como objetivo “assegurar, até o ano de 2003, a crianças, jovens e adultos, conteúdos mínimos de aprendizagem que atendam a necessidades elementares da vida contemporânea” (BRASIL, 1993, p. 12). O plano definia, ainda, as “estratégias para a universalização do ensino fundamental e erradicação do analfabetismo e as medidas e instrumentos de implementação” (BRASIL, 1993, p. 14).

Regulamentando o que determinou o texto constitucional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelece em seus artigos 9º e 87que:

Art. 9º - A União incumbir-se á de: I – elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o distrito Federal e os Municípios; [...] Art. 87 - É

instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta lei: § 1º - A União, no prazo de um ano, a partir da publicação desta Lei, encaminhará ao Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação, diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 1996).

A Lei 9.394/96 contribuiu para a discussão do planejamento da educação, pois previu a elaboração de um Plano Nacional de Educação traçando metas e estratégias no intuito de melhorar o sistema educacional e a qualidade da educação dando força e legitimidade ao planejamento. Outra questão interessante a destacar na LDB é a determinação de cada ente da federação (União, estados, Distrito Federal e municípios), em regime de colaboração, na elaboração do PNE, tendo em vista que esta tarefa era de responsabilidade do Conselho Federal ou Nacional de Educação, como também do Ministério da Educação (MEC).

A LDB estabelece que: “Na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei” (§ 1º, art.9), mas não atribui competências ao CNE. A lei do CNE (lei nº 9.131/95) situa-o como órgão colaborador do MEC e, no que diz respeito ao PNE, tem a competência de “subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação” (Art. 7º, §1º, letra a).

Dessa forma, a partir da Constituição de 1988 estabelecendo a criação do Plano Nacional de Educação e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determinando que fosse elaborado um PNE após um ano de publicação da lei, foi aprovado em 2001, o primeiro PNE que passou a vigorar entre os anos de 2001 a 2010.

Contextualizando o processo de elaboração do PNE (2001-2010), Bordignon (2011) destaca que duas propostas de Plano Nacional de Educação foram enviadas ao Congresso Nacional em 1998: uma denominada de “Proposta da Sociedade Brasileira” elaborada pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), e a outra, denominada de “do Executivo ao Congresso Nacional” elaborada pelo MEC. O processo de tramitação do PNE (2001-2010) durou cerca de três anos, sendo instituído em janeiro de 2001 pela Lei nº 10.172, com vigência de 10 (dez) anos.

Na visão de Bordignon (2011, p. 22), “o PNE – Proposta da Sociedade Brasileira – foi elaborado com visão sistêmica, partindo da organização da educação nacional como um todo”, enquanto que a proposta do Executivo “procurou caracterizar-se como de caráter técnico, de definição de objetivos e metas segmentados por temas, sem a visão de totalidade da educação, nem de projeto da sociedade, embora nela estivesse subjacente a dimensão política do governo que a formulava” (p. 23). As duas propostas caracterizam-se como uma

luta de interesses, envolvendo embates, tensões e conflitos envolvendo os múltiplos interesses presentes na sociedade brasileira.

Em primeiro plano, percebemos uma proposta de planejamento numa perspectiva democrática participativa, pois foi elaborado levando em consideração as “reivindicações de grupos da sociedade civil em busca de uma educação que atenda os seus interesses e necessidades” (CALAZANS, 2001, p. 22). Em um segundo momento, temos o PNE elaborado pelo Executivo, o qual se configura numa perspectiva tecnicista, através de princípios do neoliberalismo que se expressa na centralização do poder, na busca de resultados imediatos, na eficiência e eficácia, entre outras.

Conforme Romano e Valente (2002, p. 98):

As duas propostas de PNE materializam mais do que a existência de dois projetos de escola ou duas perspectivas opostas de política educacional. Elas traduzem dois projetos conflitantes de país. De um lado tínhamos o projeto democrático e popular, expresso na proposta da sociedade. De outro, enfrentávamos um plano que expressava a política do capital financeiro internacional e a ideologia das classes dominantes, devidamente refletido nas diretrizes e metas do governo. O PNE da Sociedade Brasileira reivindicava o fortalecimento da escola pública estatal e a plena democratização da gestão educacional, como eixo do esforço para universalizar a educação básica. Isso implicaria propor objetivos, metas e meios audaciosos, incluindo a ampliação do gasto público total para a manutenção e o desenvolvimento do ensino público. O custo seria mudar o dispêndio, equivalente a menos de 4% do PIB nos anos de 1990, para 10% do PIB, ao fim dos 10 anos do PNE. A proposta da sociedade retomava, visando organizar a gestão educacional, o embate histórico pelo efetivo Sistema Nacional de Educação, contraposto e antagônico ao expediente governista do Sistema Nacional de Avaliação. O PNE do governo insistia na permanência da atual política educacional e nos seus dois pilares fundamentais: máxima centralização, particularmente na esfera federal, da formulação e da gestão da política educacional, com o progressivo abandono, pelo Estado, das tarefas de manter e desenvolver o ensino, transferindo-as, sempre que possível, para a sociedade.

É nesse contexto de conflitos e de lutas de interesses de classes que o deputado Nelson Marchezan elaborou o substitutivo tendo como base a “Proposta do Executivo” e incorporando algumas metas da “Proposta da Sociedade”. Depois de várias discussões em audiências públicas, que duraram todo o ano de 1999, o texto do PNE (2001-2010) foi aprovado mantendo a mesma estrutura da “Proposta do Executivo”.

Cabe destacar que a Lei 10.172/2001 foi originada através da pressão feita pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e não de um projeto que passou por tramitação no parlamento federal, como apontam Valente e Romano (2002, p. 97):

As inúmeras entidades ali presentes forçaram o governo a se mover ao darem entrada, na Câmara dos Deputados, em 10 de fevereiro de 1998, no Plano Nacional de Educação, elaborado coletivamente por educadores, profissionais da educação, estudantes, pais de alunos etc, nos I e II Congressos Nacionais de Educação (CONEDS). O plano conhecido como PNE da Sociedade Brasileira, consubstanciou-se no Projeto de Lei nº. 4.155/98, encabeçado pelo deputado Ivan

Valente e subscrito por mais de 70 parlamentares e todos os líderes dos partidos de oposição da Câmara dos Deputados.

Valente e Romano (2002) apresentam que a elaboração e a aprovação do PNE (2001- 2011) foram realizadas através de manifestações e pressões das diversas entidades, da sociedade e do governo, o que resultou, em certa medida, no atendimento a várias das reivindicações de demandas populares que foram registradas no PNE Várias audiências públicas aconteceram na Câmara dos Deputados, com a participação de diversos parlamentares de vários partidos e de vários setores da sociedade, como Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior (ANDIFES), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa na Educação (ANPED), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED) e União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) para discutir o PL nº 4.155/98.

Nesse sentido, o plano aprovado não foi exatamente o da sociedade reivindicado pelos profissionais da educação e militantes dos diversos movimentos educacionais, integrantes do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e depois no Congresso Nacional. O plano aprovado foi o elaborado pelo Poder Executivo, com algumas propostas da sociedade. No quadro abaixo, podemos verificar as propostas apresentadas no plano da sociedade e o que ficou estabelecido por definição do Poder Executivo no PNE (2001-2011):

Quadro 11: Reivindicações PNE da Sociedade Brasileira x PNE Aprovado PNE da sociedade brasileira – Diretrizes

Gerais

PNE aprovado/Lei 10.172/2001 – item 2, objetivos e prioridades

Consolidar um Sistema Nacional de Educação. Não trata do tema (na verdade opõe-se a este instrumento).

Assegurar os recursos públicos necessários à superação do atraso educacional e ao pagamento da dívida social, bem como à manutenção e ao desenvolvimento da educação escolar em todos os níveis e modalidades, em todos os sistemas de educação. Assegurar a autonomia das escolas e universidades na elaboração do projeto político pedagógico de acordo com as características e necessidades da comunidade, com financiamento público e gestão democrática, na perspectiva da consolidação do Sistema Nacional de Educação.

Redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública.

Garantir a educação pública, gratuita e de qualidade para crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais, aparelhando as unidades escolares, adequando-lhes os espaços, alocando-lhes recursos humanos suficientes e devidamente

qualificados, em todos os sistemas públicos regulares de educação e em todos os níveis e modalidades de ensino.

Definir a erradicação do analfabetismo como política permanente – e não como conjunto de ações pontuais, esporádicas, de caráter compensatório – utilizando, para tanto, todos os recursos disponíveis do Poder Público, das universidades, das entidades e organizações da sociedade civil.

Garantia de Ensino Fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram. A erradicação do analfabetismo faz parte dessa prioridade, considerando-se a educação de jovens e adultos como ponto de partida e parte intrínseca desse nível de ensino.

Garantir a organização de currículos que assegurem a identidade do povo brasileiro, o desenvolvimento da cidadania, as diversidades regionais, étnicas, culturais, articuladas pelo Sistema Nacional de Educação. Incluindo, nos currículos, temas específicos da história, da cultura, das manifestações artísticas, científicas, religiosas e de resistência da raça negra, dos povos indígenas, e dos trabalhadores rurais e suas influências e contribuições para a sociedade e a educação brasileiras.

Não trata do tema em nível de prioridade.

Fonte: VALENTE; ROMANO (2002, p.105-106).

De acordo com o que apresenta Valente e Romano (2002), podemos perceber que o Projeto da Sociedade Brasileira apresentou propostas bem mais elaboradas do que o que foi aprovado pelo Poder Executivo, como, por exemplo, a construção de um Sistema Nacional de Educação o que não aparece como prioridade no plano aprovado. Assim como esta, várias propostas elaboradas pela sociedade não foram levadas em consideração pelos parlamentares, inclusive, as propostas que tratavam do financiamento da educação.

Outra questão para a reflexão, a partir do quadro 1 (um), é que a proposta da sociedade civil poderia possibilitar a construção de uma educação que contribuísse para a concretização de uma educação pública, democrática, inclusiva e referenciada socialmente. Propostas essas que foram defendidas pelos Pioneiros da Educação da Escola Nova na década de 1932.

O PNE aprovado foi sancionado com 9 (nove) metas vetadas, todas relacionadas à área econômica, ou seja, ao financiamento da educação. Isso significa dizer que os meios de financiamento para a educação não ficaram previstos, impossibilitando o investimento na educação, ficando o planejamento fragilizado, uma vez que “um plano deve sempre ser dotado de verbas para viabilizar as diretrizes e metas propostas” (VALENTE; ROMANO, 2002, p. 106).

Sobre o I PNE aprovado, Azevedo (2014, p. 272) destaca que:

Apesar de todas as limitações, sem dúvida, o I PNE representou um documento importante para a educação brasileira ao se considerar que sistematizou um conjunto de diretrizes, metas e estratégias para todos os níveis e modalidades de ensino, mesmo marcado pelos postulados conservadores do grupo no poder.

Como mencionado pela autora, o I PNE foi relevante para a educação brasileira, uma vez que foram planejadas diretrizes, metas e estratégias para a educação nacional, pois se trata de um planejamento que visa contribuir para a educação, mesmo com suas limitações e vetos presidenciais. Sendo assim, o PNE (2001-2010) apresentou mudanças importantes na conjuntura educacional do país com a inserção de um planejamento que articulava metas da educação infantil ao ensino superior. Essas metas foram construídas na tentativa de contribuir para a melhoria da educação brasileira.

Fazendo uma avaliação do PNE (2001-2011), Cury (2014, p. 3) destaca que:

O plano nasceu de uma duplicidade: uma proposta do governo e outra da sociedade civil. Aí houve uma negociação que deixou determinadas coisas bem ajustadas. Por exemplo, o PNE tem uma boa radiografia da nossa Educação, com algumas metas e objetivos claros. A versão que saiu do Congresso previa recursos, mas o presidente Fernando Henrique vetou os valores. Com isso, o documento se tornou um mero plano de intenções. Sem verba, como cumpri-lo? Essa foi a razão do fracasso. Além disso, o PNE pecou pelo excesso de metas: 295. Se fossem em menor número e mais claras, talvez tivéssemos conseguido os recursos junto à área econômica do governo. Desse modo, percebemos as tensões que existem no processo de desenvolvimento de planejamento das políticas. No âmbito da educação diferentes interesses perpetuam no contexto das decisões macro e micro, gerando impactos na escola, principal agência das políticas educacionais. Para Cury (2014), a falta de objetividade no PNE (2001-2011) configurou-se em um dos motivos para a não concretização das metas apresentadas, bem como a dificuldade no financiamento da educação.