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Capítulo 3 A escola, os alunos e os textos: considerações sobre o contexto particular de

2. O contexto mais imediato da produção textual

2.2. O cenário de produção

A proposta de redação foi aplicada pela pesquisadora entre abril e junho de 2015, quando esta trabalhava como professora em módulo18 na escola desde fevereiro do mesmo ano. Os alunos foram informados de que seus textos não seriam avaliados com o intuito de atribuição de nota, mas sim, que fariam parte de uma pesquisa de mestrado que tinha por objetivo, resumidamente, “entender como os alunos escrevem, identificando quais seriam suas maiores dificuldades e facilidades, o que poderia ser importante para ajudar os professores, incluindo a própria pesquisadora, a melhorarem as práticas de ensino de português, principalmente no que diz respeito à escrita”.

Antes da apresentação das instruções, foi feita uma discussão sobre os poderes executivo, legislativo e judiciário, para que os alunos compreendessem qual a função de um secretário municipal, cargo desconhecido pela maioria deles e que seria o papel social do enunciador fictício do texto que produziriam. Grande parte dos jovens de todos os anos desconhecia ou não se lembrava da função dos legisladores, responsabilizando o poder executivo, mais especificamente o cargo de Presidente da República, por tudo o que acontecia no país, em cada cidade ou estado. De fato, todos sabiam o nome da presidente do momento (Dilma Rousseff - PT), mas nem todos conheciam o prefeito da cidade de São Paulo (Fernando Haddad - PT) e pouquíssimos conheciam o governador do estado (Geraldo Alckmin – PSDB). Após essa discussão, cada um recebeu uma folha com as instruções, cuja leitura em voz alta foi realizada em parte pela professora e em parte por alguns estudantes que assim desejaram. Terminada a leitura, as instruções foram retomadas, e a professora, para reforçar o caráter argumentativo do texto, perguntou quem era “bom em convencer os outros”, ao que muitos se manifestaram positivamente, inclusive dando exemplos de situações, em geral familiares, em que se consideraram bastante persuasivos. A professora disse então que, por meio das redações, gostaria de ver quem era bom mesmo em convencer os outros. De maneira

18 O professor em módulo vai todos os dias para a escola, cumprindo a jornada básica de 25 aulas por semana mais 5 aulas para preparação de atividades. No entanto, ele não é regente de turma, assumindo diferentes classes apenas na ausência dos professores regentes; ou seja, é um professor substituto. Ele também pode acompanhar as aulas do professor regente, mas em geral, sua rotina é marcada pela substituição de professores ausentes.

103 geral, os alunos mostraram-se interessados em escrever tal texto, ao menos, não houve nenhuma recusa ou reclamação (embora nem todos tenham seguido a sugestão oral dada pela professora relativa à quantidade mínima de 15 linhas). A atividade durou cerca de duas aulas em cada turma.

No capítulo anterior, vimos que a produção de textos na escola apresenta algumas rupturas em relação à produção escrita típica da cultura impressa (cf. PIETRI, 2010a). Isso ocorre, por exemplo, quando os alunos são orientados a escrever um texto sem o tempo necessário para preparação e reflexão, quando poderiam, eventualmente, pesquisar e consultar outros textos; além disso, muitas vezes também não têm a chance de reescreverem seus textos, ou, até mesmo, de direcioná-los ao suposto leitor, pois nem sempre ele é identificado nas propostas de redação, ausência que rompe com uma condição fundamental da produção de qualquer texto, não só escrito como também oral. Diante disso, concluímos que o desconhecimento das condições de produção da escrita pelos alunos, apontado por Pécora (2011[1983]) como um dos fatores que justificava muitos dos problemas de redação por ele analisados, talvez seja realmente esperado, afinal, como podemos esperar que os alunos considerem o leitor se eles dificilmente são levados a refletir sobre isso? Ou como podemos esperar que estabeleçam diálogos e relações interessantes entre textos se eles também pouco são levados a refletir sobre o caráter dialógico da linguagem, tantas vezes identificando escrita com cópia, como mostraram os questionários respondidos pelos alunos cujos textos analisamos nesta dissertação?

A atividade de escrita que orienta as produções analisadas nesta dissertação procura definir o autor, o leitor e a finalidade do texto a ser produzido, criando até mesmo um contexto relativamente desenvolvido, em que o produtor do texto tem acesso a várias informações sobre os problemas da cidade; seria muito diferente de instruções que apenas propusessem uma carta de solicitação de verba para o prefeito, sem definir o destinador e/ou sem mencionar os problemas das diferentes áreas. Destacamos, ainda, que a leitura coletiva e integral das instruções garantiu que todos os alunos conhecessem todos os problemas, o que poderia não acontecer caso eles decidissem ler somente a respeito da área que escolhessem. O conhecimento dos textos referentes a cada uma das cinco secretarias poderia permitir um diálogo intertextual, em que um secretário se referisse às demandas de outras secretarias para, por exemplo, explicar por que as suas demandas seriam mais urgentes, o que, aliás, é incentivado pelas próprias instruções: “E atenção: como forma de tentar convencê-lo, procure demonstrar que seu projeto também beneficiará as áreas ligadas às outras secretarias”. Já a questão da autoria destes textos

104 sobre cada secretaria municipal não é discutida, não havendo nenhum tipo de explicação sobre as fontes das precisas informações sobre os problemas da cidade: essas informações foram obtidas por meio de pesquisas? Quem as descobriu? Ainda que fictícios, estes dados poderiam ser melhor contextualizados. A pouca preocupação com a autoria dos textos disponibilizados para os alunos é outra ruptura instaurada pelo trabalho com a escrita e com a leitura na escola (cf. PIETRI, 2010a).

Nesse sentido, podemos dizer que há algum incentivo para que os alunos proponham diálogos e relações entre textos, embora reconheçamos que este estímulo poderia ser potencializado se houvesse, por exemplo, uma maior discussão sobre a divisão dos poderes no Brasil, a função dos secretários municipais e a organização de políticas públicas. Essa discussão poderia ser feita em uma sequência didática que previsse, como propõem Dolz e Pasquier (1996), uma produção inicial seguida por uma série de atividades que instigassem reflexões sobre a primeira produção, trazendo à tona aspectos relativos à estrutura formal do gênero em questão e também ao assunto tratado, afinal, como relembramos no primeiro capítulo, o trabalho com textos deveria implicar o ensino não somente de estratégias linguísticas, mas de modos de produção de sentido em uma cultura (cf. MARCUSCHI, 2008).

Como descrito, foi feita uma discussão prévia com os alunos sobre estes elementos pertinentes à produção textual, a qual, contudo, foi bastante breve, tal como orientada pelos próprios materiais didáticos que traziam a proposta de redação em questão. Esta opção metodológica de analisar a primeira versão de um texto, escrito por alunos que não haviam passado por um processo maior de reflexão sobre as condições de produção do discurso escrito que fariam, deve-se ao nosso objetivo de realizar um diagnóstico da escrita destes alunos, para entendermos como eles constroem seus objetos de discurso diante da menor interferência possível da professora-pesquisadora. Acreditamos que este diagnóstico seja fundamental para, posteriormente, embora não neste trabalho, propormos sequências didáticas para o ensino de estratégias referenciais em textos argumentativos, analisando seus resultados.

Este trabalho, portanto, debruça-se sobre produções iniciais de alunos, estando interessado em observar o que estes sujeitos já sabem e como agem, relacionando esta produção ao contexto escolar em que estão, e não às interferências pontuais de uma sequência didática, embora fosse certamente interessante comparar as produções iniciais com as produções finais, após a mediação do professor e dos materiais didáticos19.

19 Agradecemos à Professora Anna Christina Bentes e ao Professor Sandoval Nonato Gomes-Santos por terem chamado nossa atenção para a importância de problematizarmos a proposta de redação aplicada aos alunos.

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3. Visão geral do corpus: relação com as instruções, construções recorrentes do destinador

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