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Capítulo 3 A escola, os alunos e os textos: considerações sobre o contexto particular de

1. Alguns dados contextuais: a escola e os alunos

1.2. Os alunos

O bairro do Jaraguá, onde se localiza a escola, fica a cerca de 45 km do centro da cidade, fazendo divisa com os municípios de Caieiras e Osasco. Para ir ao centro de transporte público, é necessário pegar um trem, em uma viagem que dura cerca de 30 minutos; contudo, é importante destacar que, ao menos de 2013 a 2015, este trem frequentemente não funcionava aos domingos, ou funcionava de modo muito precário, dificultando bastante o lazer dos moradores dessa região aos finais de semana. Talvez essa seja uma das razões pelas quais 38 alunos (43,67%) tenham afirmado não conhecer a Praça da Sé e 21 (24,13%) tenham dito nunca ter ido à Avenida Paulista15. Como esses dois lugares e seus arredores concentram grande número de serviços e equipamentos culturais da cidade, podemos dizer que esses dados indiciam que há uma porcentagem significativa de alunos desta escola que provavelmente sai pouco do próprio bairro.

As entrevistas, por meio dos questionários, indicaram que, quando não estavam na escola, estes alunos passavam boa parte do tempo navegando na internet: 30,76% deles ficavam entre 1 e 4 horas por dia, e 50,54%, mais de 4 horas por dia. Somente 1 aluno disse não usar a internet, e 5,49% (5 alunos) declararam não a utilizar todos os dias. A televisão também consumia parte do tempo deles, embora menos do que a internet: 30,76% afirmaram passar entre 1 e 4 horas por dia assistindo a programas televisivos, e 36,26% afirmaram passar mais de 4 horas por dia nesta atividade. 14,28% dos alunos não assistiam à televisão ou não a assistiam todos os dias. A distribuição por anos revela que os alunos do 7º e do 9º ano eram os que mais assistiam à televisão e utilizavam a internet:

Tabela 1 - Tempo diário destinado à televisão e à internet: distribuição por anos do Ensino Fundamental II da escola analisada

6º ano 7º ano 8º ano 9º ano

Mais de 4h por dia assistindo à televisão 30,8% 54,5% 20% 51,9%

Mais de 4 horas por dia navegando na internet

30,8% 61,5% 48% 66,7%

Em relação às atividades extracurriculares, 48 alunos (52,74% dos respondentes) declararam realizar alguma: em todas as turmas, havia pelo menos 1 aluno que tocava um

15 Como dissemos, esses dados foram obtidos a partir da análise de questionários, em que 91 alunos responderam. Especificamente a esta questão, há 4 casos de não respostas, o que faz com que o total de alunos que a responderam, a partir do que foram calculadas as porcentagens, tenha sido de 87.

94 instrumento musical, praticava um esporte ou estudava um idioma. A maioria dessas atividades era gratuita, sendo que algumas, como o curso de violão e de dança, eram oferecidas pela própria escola, no contraturno, em projetos integrantes do Programa Mais Educação. Além destes, havia ainda alguns outros, integrantes do mesmo programa, como aulas de inglês, italiano, jardinagem e alguns esportes16. Outros alunos realizavam tais atividades extracurriculares gratuitamente em igrejas ou projetos sociais. Somente 14 alunos (29,16% dos que afirmaram realizar alguma atividade extracurricular e 15,38% do total de respondentes) faziam cursos pagos, como inglês, espanhol, violão, esportes, computação e cursinho para a ETEC (Escolas Técnicas Estaduais de Ensino Médio, cujo ingresso está condicionado à aprovação em um vestibulinho). No 8º ano havia a maior concentração de alunos que participavam de alguma atividade extracurricular: 60% da turma. No 6º ano, este índice caía para 44%, no 7º, 47%, e no 9º, 55,6%.

Quando perguntados sobre os hábitos de leitura, 56,04% dos respondentes declarou ler com pouca frequência, mas a distribuição por anos não é equilibrada:

Tabela 2 – Hábitos de leitura: distribuição por anos do Ensino Fundamental II da escola analisada

6º ano 7º ano 8º ano 9º ano

Leem com muita frequência 30,8% -- 44% 18,5%

Leem com pouca frequência 57,7% 83,3% 44% 55,6%

Leem eventualmente 11,5% 8,3% 4% 14,8%

Nunca leem -- 8,3% 8% 11,1%

Chama-nos a atenção a grande quantidade de alunos que avaliam ler com pouca frequência no 7º ano, quantidade muito superior se comparada com os outros anos. Além disso, esta é a única turma em que nenhum aluno julgou ler com muita frequência. Nas outras turmas, encontramos um pouco mais de heterogeneidade, sobretudo no 8º ano, em que há uma distribuição equitativa entre pessoas que leem muito e pessoas que leem pouco. De fato, a turma do 7º ano tem uma formação particular, pois foi constituída em 2011 buscando-se exatamente uma homogeneidade a partir do agrupamento de alunos da 3ª série com os piores rendimentos

16 O Programa Mais Educação, de abrangência nacional, tinha por objetivo aumentar o tempo de permanência do aluno na escola, para o que financiava projetos culturais, científicos e esportivos, como os citados. Cada escola propunha seus próprios projetos, de acordo com a disponibilidade e formação de seus professores, que passavam a trabalhar no contraturno. O programa, contudo, não previa a contratação de profissionais para atender as demandas das escolas; assim, se uma escola tivesse a sorte de ter um professor com formação e disponibilidade para lecionar violão, como a escola em questão, poderia ter um projeto como este.

95 escolares, principalmente no que tange à alfabetização. Em 2012, inclusive, estes alunos ficaram retidos na 4ª série.

Formar classes homogêneas de crianças com dificuldades era um procedimento do chamado Projeto Intensivo no Ciclo I (PIC), implantado pela Secretaria Municipal de Educação em 2006 com o objetivo de oferecer um ensino diferenciado para estes alunos; o que aconteceu, no entanto, foi um processo de estigmatização, em que se formaram turmas com grandes problemas de indisciplina, com baixa autoestima e grande resistência às atividades escolares, resultados para os quais os estudos sobre rotulação escolar sempre alertaram.

Isso pode ser verificado em inúmeras escolas, e é o caso também deste 7º ano. Felizmente, este projeto não existe mais, mas há classes remanescentes que não podem ser desfeitas porque, ao terem reprovado em 2012, os alunos foram transferidos para o 5º ano, enquanto os colegas da mesma série que foram promovidos foram para o 6º ano (a mudança de nomenclatura devia-se à adequação ao ensino fundamental de 9 anos). Assim, eram da única turma de 5º ano em 2013, depois, a única de 6º, e assim sucessivamente, de modo que não têm para onde ser remanejados.

É também nesta turma onde mais alunos afirmaram não ter lido nenhum livro de literatura ao longo do ano de 2015 (o questionário foi aplicado em meados de setembro): 30,8% da turma. Na contagem geral com todos os respondentes, 21,97% dos alunos disseram ter lido entre 3 e 5 livros no período, 17,58% afirmaram ter lido mais de 5 livros e 15,38% afirmaram não ter lido nenhum livro. Quando perguntados sobre outros materiais que costumavam ler, os alunos indicaram, em sua maioria, as redes sociais (58,24%), o que condiz com os dados sobre o tempo diário que passam na internet. Em todas as turmas, havia também uma quantidade significativa de leitores de histórias em quadrinhos, gênero que estava sempre entre os três tipos de materiais mais lidos, sobretudo no 6º ano. No 8º e no 9º ano, havia maior diversidade de materiais lidos e aumentava a porcentagem de leitores de notícias. Destacando os três materiais mais lidos em cada ano, temos o seguinte: 6º ano - HQs (64%), mangás e redes sociais (52% cada); 7º ano – HQs, mangás e redes sociais (38,5% cada); 8º ano – redes sociais (72,7%), sites de notícias (50%) e HQs (45,5%); 9º ano – redes sociais (70,4%), HQs (44,4%) e sites de notícias (33,3%). Vemos, assim, que o interesse pelas redes sociais é maior nos anos finais, e que a leitura de notícias substitui a de mangás.

Diferentemente da leitura, quando se trata de escrita, a maioria dos alunos avaliou que escrevia muito: 59,34%. Provavelmente, essa percepção decorra de um tipo de exercício muito comum nesta escola: a cópia de textos. Alguns professores costumam passar textos na lousa

96 para que os alunos copiem, ou solicitar a cópia do livro didático. Muitas vezes, este exercício dura aulas inteiras ou grande parte delas, pois os textos são imensos, ocupando a lousa inteira com letras de tamanho pequeno. Frequentemente, os alunos também relatam atividades para serem realizadas em casa envolvendo a cópia de livros didáticos. Quando perguntados sobre textos que escreviam além dos solicitados pela escola, os alunos de todos os anos, em sua maioria, apontaram mensagens em redes sociais.

Por fim, algumas questões que buscavam investigar as expectativas acadêmicas desses alunos mostraram que a maior parte deles tinha interesse em fazer ensino médio em uma ETEC, sendo novamente no 8º ano que encontramos o maior número de interessados: 83% da turma. No 6º ano, esse índice cai para 60,9%, no 7º, 58,3%, e no 9º, 61,5%. Portanto, ao todo, 62,63% dos alunos tinham essa intenção. Provavelmente, esse interesse pela ETEC esteja relacionado ao incentivo de alguns professores e ao fato de haver uma ETEC bem próxima da escola. Em reuniões de pais, foi possível perceber que nem todos conheciam a proposta da ETEC, de modo que, mesmo morando relativamente próximos a uma unidade, não sabiam sobre a excelência educacional dessas escolas públicas de ensino médio e tampouco sobre o vestibulinho. Já o IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo) é ainda menos conhecido destes alunos: somente 6, dos 91 alunos, disseram ter interesse em estudar lá.

O interesse em fazer um curso superior foi maior, atingindo 92,3% dos estudantes. Quando perguntados em qual instituição gostariam de estudar, a maioria disse não saber (33,3%). Somente 14 alunos (16,6% dos que desejam fazer um curso superior) indicaram uma universidade pública como a instituição em que gostariam de estudar futuramente (USP e FATEC). Alguns citaram universidades privadas, outros, o próprio ENEM ou a ETEC, acreditando que essas siglas fossem relativas a nomes de universidades. Em geral, eles explicaram ter ouvido falar das instituições que indicaram pela televisão ou por meio de amigos e parentes.

É possível que o baixo interesse por instituições públicas de ensino superior esteja relacionado ao desconhecimento em relação a elas17, o que pode ocorrer não somente devido à pouca idade e à distância do período do vestibular, mas também, ao baixo capital cultural. Uma

17 Em estágio realizado em 2011, durante a licenciatura, acompanhamos as aulas de Português de uma escola de Ensino Médio situada no Butantã, mesmo bairro onde se localiza a USP, e nos chamou a atenção o fato de muitos alunos não conhecerem a USP ou não saberem que se tratava de uma instituição pública e gratuita. Uma aluna, apesar de saber que a USP era pública, disse não querer estudar lá, pois pretendia trabalhar e, assim, pagar por uma boa universidade, ou seja, ela acreditava que as universidades particulares, assim como as escolas particulares, ofereciam um ensino considerado de maior qualidade, o que reforça os indícios de que muitos alunos desconhecem o sistema universitário brasileiro.

97 análise da escolaridade dos pais mostra que 23,07% das mães e 21,97% dos pais não concluíram o ensino fundamental. Quanto ao ensino médio, 25,27% tanto das mães quanto dos pais o concluíram. No 7º ano é onde se concentra o maior conjunto de alunos cujos pais não concluíram o ensino fundamental: 40% das mães e 42,9% dos pais. Esta também é a única turma onde não há nenhuma mãe ou pai com ensino superior (ao todo, há 10 mães e 10 pais que concluíram um curso de nível superior, distribuídos entre as turmas de 6º, 8º e 9º anos).

Uma questão emerge quando nos deparamos com a informação de que 92,3% dos alunos desejam cursar uma faculdade (embora não saibam qual) e apenas 62,63% desejam cursar o Ensino Médio em uma ETEC: por que não há mais alunos interessados na ETEC? Se eles desejam prosseguir com os estudos e ingressar em uma faculdade, por que não desejariam estudar em uma ETEC, onde teriam um ensino de maior qualidade, aumentando suas chances de passar nos vestibulares? Talvez, isso ocorra porque nem todos conheçam a ETEC ou nem todos vejam uma relação entre um bom Ensino Médio e as chances de ingressar em uma boa faculdade - ainda que mais da metade deseje estudar lá – o que reforça os indícios de baixo capital cultural desse público, pois sugere uma baixa compreensão das trajetórias escolares possíveis, inclusive em termos de melhores instituições educacionais na rede pública, como é o caso da ETEC.

Além disso, podemos associar essa preocupação menor com o Ensino Médio à veiculação mais intensiva de publicidade vinculada ao Ensino Superior, sobretudo privado. Já no 9º ano, talvez a razão não seja só desconhecimento, já que os professores costumam abordar mais esse assunto neste momento, fazer revisões e promover inclusive simulados para que os alunos tenham a experiência de realizar uma prova ao estilo de um concurso; talvez, justamente por conhecerem melhor o funcionamento da ETEC, esses alunos desistam de pleitear uma vaga, acreditando “não terem chance”, como alguns chegaram a dizer à professora. A despeito disso, é preciso comentar que muitos se inscrevem no vestibulinho, e que, no ano de 2015, 9 alunos dos 9º anos foram aprovados, mesma quantidade de 2016.

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