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O complexo de Édipo: a terceira modalização

2. A linguagem em Paulo Freire: a trajetória de uma referência

2.9 Modalizações da posição do sujeito diante da linguagem

2.9.4. O complexo de Édipo: a terceira modalização

Finalmente, a importância do singular lembra a diferença sexual e é um aspecto fundamental para entender o que tratarei na Terceira Modalização da Linguagem de Freire. Para esse intento, recupero aqui dos Complexos Familiares, tal como definidos por Lacan e do Complexo de Édipo, de Freud, os delineamentos feitos por esses autores no âmbito das relações psíquicas na família humana.

Inicialmente, o conceito de complexo é absorvido por Lacan de Freud, abstraído de seus estudos sobre análise das neuroses na emergência dos fatos edipianos. De certa forma, o Complexo de Édipo é responsável por definir as relações psíquicas na família humana. Lacan (1938/2003, p. 52) recupera da Psicanálise a responsabilidade por revelar as pulsões genitais na criança que começam a exercer um tipo de puberdade psicológica prematura aos quatro anos de idade. O desejo sexual fixado na criança dirige-se para o objeto mais próximo, ou seja, o genitor do sexo oposto, “essas pulsões dão sua base ao complexo, cujo nó é formado pela frustração delas.” (op. cit., p. 52). Da mesma forma, essas frustrações são também relacionadas com o objeto terceiro que impõe obstáculo a sua satisfação, representado pelo genitor do mesmo sexo.

Em decorrência do triângulo que envolve o pai, a mãe e o filho, no menino, o desejo genital reatualiza a mãe como objeto fundamental do desejo, o objeto como tal e, em compensação, um outro processo diferente da eleição do objeto é posto em cena, ou seja, a identificação com o que obstaculiza a realização desse desejo, o pai. A fantasia de castração evoca imediatamente para ele a dominância da mãe, que é o fator desencadeante, pois não é a

irrupção do desejo genital que motiva o Édipo, mas a reatualização da Imago materna primitiva, dada a angústia que poderá suscitar a presença da mulher, no caso, do sexo oposto como desejo imaginário.

Lacan (1938/2003, p. 66, 67) afirma que, à medida que a família tenha se reduzido a seu grupo biológico ao considerar a cultura, um grande número de efeitos psicológicos estaria associado ao declínio social da Imago paterna, presente contemporaneamente nas coletividades desgastadas por esses efeitos: a concentração de renda e as catástrofes políticas. Dessa forma, “[...] se a psicanálise evidencia nas condições morais da criação um fermento revolucionário que só se pode apreender numa análise concreta, ela reconhece na estrutura familiar, para produzi-lo, um poder que ultrapassa qualquer racionalização educativa.” (op. cit., p. 66).

No Seminário As formações do inconsciente (1957-58), Livro 5, (LACAN 1999, p. 197-200) define três momentos distintos em torno do Complexo de Édipo:

• Quando a criança se identifica com o objeto do desejo da mãe como a primazia do falo, se instaura na ordem da cultura. Ela depende da reação do outro (a mãe) e tudo faz para ser aceita (ser o falo).

• A intervenção do Pai priva duplamente: a mãe, do seu objeto fálico; e a criança, de seu objeto de desejo (intrusão paterna).

• O declínio do complexo ocorre quando o pai intervém como aquele que possui o falo, reinstaurando assim a instância desse como objeto de desejo da mãe. A função paterna representa a lei que chega como simbolização. E essa simbolização da lei tem valor estruturante: a criança percebe o pai como o que tem o falo, e não, como aquele que priva a mãe do objeto de seu desejo, e constata que ela e a mãe não possuem o falo e, então, vai tentar obtê-lo. A menina passará a buscá-lo no pai, estabelecendo assim uma identificação com a mãe; e o menino identifica-se com o pai, que tem o falo. (BASTOS, 2003, p. 106)

A condição de objeto de desejo do Outro que a criança possuía transmuta-se para a situação de sujeito num universo simbólico. Ao interiorizar a lei, o sujeito insere-se na cultura pela linguagem, fazendo a passagem do registro imaginário ao simbólico.

Os complexos familiares são o ambiente familiar, tecido através de palavras, imagens e símbolos que acompanham a criança em todos os lugares. Isto quer dizer que, quando a criança age, ela não o faz ao acaso, mas apresenta as formas de gozar que aprendeu em sua família. São elas que estabelecem a

gênese do processo da criança, isto é, que iniciam o seu processo de constituição de sujeito e não as chamadas etapas de desenvolvimento gerais.

(MRECH, 1999, p. 117).

Por meio da castração simbólica, será estabelecida a condição da diferenciação dos sexos em relação ao falo, posto que o significante fálico tem basicamente a função de simbolizar a própria diferença sexual. A controvérsia em torno da identificação sexual está ligada ao significante fálico.

Essas concepções psicanalíticas brevemente apresentadas aqui fundamentam as reflexões sobre a Terceira Modalização da Linguagem, em que destaco a diferença sexual e a presença da mulher que faz marca na contestação ao discurso freiriano.

A Terceira Modalização caracteriza-se pela forma direta e objetiva como apareceu no discurso de Freire por demonstrar a relação com a diferença sexual e será identificada nas falas que denotam o encontro com o outro sexo, com o outro da diferença sexual. É o momento em que Freire, surpreso pelo seu discurso, vê-se diante de uma crítica à linguagem empregada em seu livro publicado em inglês, Pedagogy of the opressed (1970) que, aos olhos das mulheres norte-americanas, apresentou uma redação machista.

Logo após a mudança da família Freire para os EUA, foi a publicado o referido livro e o conhecimento público da obra provocou uma reação intensa na comunidade feminina, fazendo aparecer pesadas objeções ao texto, recebido como sexista. (FREIRE, 2001b, p. 261). Freire fez o acolhimento da crítica e foi inventariar a própria história, identificando na cultura brasileira as razões que o levaram àquela postura. Após essa retomada do passado, reconhece sua posição sexista e explica que sua não-opção por uma redação de gênero é conseqüência das suas raízes fincadas na cultura machista, dominante na região brasileira do nordeste onde que se educou, e, por isso, a desatenção.

Assim, num primeiro momento, procurou desculpar-se academicamente com a crítica norte-americana. A partir de então, propôs-se a usar uma nova linguagem em seus textos. Adotou radicalmente a linguagem de gênero e quis demarcar pública e corporeamente seu reconhecimento de um novo discurso, no qual, a mulher foi situada em condição equânime à do homem sem, contudo, desenvolver posições fundamentalistas sobre essa questão.

Para Freire, esse encontro com o outro sexo em posição intrusa desloca-o de um lugar não percebido por ele até então, de tal modo que ele poderia ter dito que sua redação era apenas uma questão literária de estilo, mas sua implicação foi tão intensa que ele assumiu a

postura contrária a sua ética. Esse episódio, sob um olhar psicanalítico, pode ser compreendido como o encontro com outro sexo a revelar a diferença radical, assinalando, assim, uma mudança no sujeito e produzindo efeitos nas posturas do educador.

Um dos livros de Freire que muito contribuem para perceber a mudança radical em relação ao gênero foi Pedagogia da esperança (1992), obra em que são expostas as explicações e justificativas da sua redação sexista. Esse livro é apresentado por Freire como um diálogo com a Pedagogia do oprimido (1968/1987).80 E eu me pergunto: não seria esse diálogo entre “dois Freires” a revelação de uma mudança do sujeito na direção de seu desejo? Podemos observar a presença da linguagem de gênero como um assinalamento distintivo nos escritos de Freire depois de 1970.

Uma nova ética em sua redação estará presente em toda a sua produção subseqüente. Para demonstrar como esse fato ocorre nos textos, extraí alguns trechos que retratam os modais que ordenam a questão de gênero em sua linguagem, marcações impressas no texto, assim como, no corpo, por meio da palavra dita, percebidos pelas entrevistas em áudio e vídeos pertencentes ao acervo do Instituto Paulo Freire, aos quais tive acesso e pude ouvir e neles constatar:

Agora, ao escrever esta Pedagogia da esperança, em que repenso a alma e o corpo da Pedagogia do Oprimido, solicitarei das casas editoras que superem a sua linguagem machista. E não se diga que este é um problema menor, porque na verdade, é um problema maior. Não se diga que, sendo o fundamental a mudança do mundo malvado, sua recriação, no sentido de fazê-lo menos perverso, a discussão em torno da superação da fala machista é de menor importância, sobretudo porque mulher não é classe social.

(FREIRE, 1992, p. 67, grifos meus).

Gostariam de me ter com eles e elas nos três dias que dedicariam à avaliação de seu trabalho com diferentes grupos de camponeses. (Idem, p. 71).

Para eles e elas, críticos e críticas, o caminho está na negação impossível da politicidade da educação, da ciência, da tecnologia. (Idem, p. 80)

Não vejo como a educação popular, não importa onde e quando, pudesse ter prescindido ou possa prescindir do esforço crítico a envolver educadores e educadoras, de um lado, e educandos, de outro, na busca da razão de ser dos fatos. (Idem, ibidem, p. 132)

80 Conforme registros dos Arquivos Paulo Freire, no Instituto Paulo Freire, os manuscritos de Pedagogia do

Se milhões de homens e mulheres estão analfabetos, famintos de letras, sedentos de palavras, a palavra deve ser levada a eles e elas para matar a sua fome e sua sede. (FREIRE, 2002b, p. 54, grifos meus)

O grande problema que se coloca ao educador ou à educadora de opção democrática é como trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade.

(FREIRE, 1996, p. 118)

Freire reconhece o que ele chama de “minha grande contradição”, assumindo que teve uma postura autoritária quando escreveu a Pedagogia do oprimido. Diante das críticas, fez uma reflexão sobre o dito, confessando e assumindo a linguagem sexista. Explicou-se depois, dizendo que o engano passara-lhe despercebido e, assim, fora ideologizado pelas palavras, percebendo a sua posição. E ele próprio a confessa, como pode ser notado na citação que se segue:

Ora, quando falo homem, a mulher necessariamente está incluída. Em certo momento de minhas tentativas, puramente ideológicas, de justificar a mim mesmo, a linguagem machista que usava, percebi a mentira ou a ocultação da verdade que havia na afirmação: Quando falo homem, a mulher está incluída. E por que os homens não se acham incluídos quando dizemos: As mulheres estão decididas a mudar o mundo? Nenhum homem se acharia incluído no discurso de nenhum orador ou no texto de nenhum autor que escrevesse: As mulheres estão decididas a mudar o mundo. (FREIRE, 1992, p.67, grifos meus).

Freire explica o erro81 (para ele, uma parte do processo epistemológico para conhecer) como um desdobrar-se em processo decorrente do ato educativo. Kojève (1933-1939/2002, p. 436) afirma: “o erro não é puro nada, pois pode ser corrigido. A experiência mostra que os erros humanos se corrigem de fato no curso do tempo tornam-se verdade”. Por ser ato gnosiológico, admite-o publicamente, tornando-se implicação, para fazer de seu engano uma aprendizagem estendida aos demais. Em entrevista, Lutgardes, seu filho, comenta sobre a mudança do pai, com relação à implicação com a questão de gênero, pois chegara a mudar seus hábitos em casa com a esposa, fazendo tarefas da rotina doméstica: procurou cozer seus alimentos e colaborar nas atividades de Elza de maneira mais efetiva.82

81 Freire, em entrevista ao professor Edson Passetti (1998. p. 26), recupera o erro do ponto de vista

epistemológico: “O erro é o momento da produção do conhecimento, e não, um pecado mortal do cientista.”

82 Conforme depoimento colhido por este pesquisador, em entrevista a Lutgardes Freire, filho de Paulo Freire e

A estética dos textos que se seguiram após essa marca testemunhou a favor da conduta de Paulo Freire e se estabeleceu pela dimensão ética de seus atos. Freire, desde esse encontro com a diferença, com a mulher, faz uma inscrição de corpo, faz ato de sua implicação. A palavra pode ser aqui referenciada, ocupando uma posição complexa, pois, velada ou subtraída ao próprio falante, se fez presente num circuito de identificação imaginária que a recobriu. Ela se acha disfarçada e, para Freire, é corpo ideológico, uma palavra oca, da “[...] qual não se pode esperar a denúncia do mundo, pois não há denúncia verdadeira sem compromisso de transformação” (FREIRE, 1987a, p. 78). É essa disposição para mudar que o choque com o outro da diferença foi capaz de operar na vida do educador, um reconhecimento que o acompanhou até sua morte.

Pela leitura dos textos, destaquei como modais caracterizadores da terceira modalização: os / as; eles / elas (em abundância); sexista / machista; homem / mulher, usados sobejamente em seus livros após os anos de 1970.

A Terceira Modalização da Linguagem de Freire revelou peculiaridades que me permitiram fazer alguns assinalamentos intercorrentes que julguei significativos. Pode-se observar com clareza na primeira modalização: a mãe lutadora, as professoras, o ambiente aconchegante dos amigos, as lembranças de proteção que nos remetem ao seio materno, à ligação ideal que une mãe e filho. Curiosamente, há aí também a presença da mulher nas pessoas da mãe, da professorinha / professoras / como o significante retratado no mundo ideal do cuidado, da proteção, de sua introdução na cultura pela palavra que se aprende com amorosidade.

Na segunda modalização da linguagem de Freire, novamente, volta a presença da mulher na pessoa de Elza, a esposa amada, que o ajuda a enfrentar os efeitos de uma intrusão, primeiro no conflito com o desejo profissional e, depois, na fala do operário contestado na visão romântica da educação. Em também nessas situações, ao verbalizar o inesperado, ele procura ter na mediação desses atos a presença da mulher (Elza) que está no atravessamento da diferença, ajudando-o a nomear e a perceber o que suas idealizações imaginárias não permitiram.

E, finalmente, na Terceira Modalização, a mulher escancaradamente vem demonstrar- se como a diferença sexual, emergindo de uma omissão que o próprio Freire não percebera no seu texto, que falava de opressão, do/as sem voz, e, justamente, o sujeito feminino se apresenta para denunciar a omissão, um sujeito que por século fora relegado a plano menor na

sociedade. Em certo sentido, poder-se-ia pensar em um sintoma no simbólico, demonstrando que o saber traz na incompletude da palavra o sujeito, a incompletude que inúmeras vezes ele confessou presente em si e no sujeito humano. O educador teve uma ligação profunda com a mulher, mas a “esquece” quando escreve o que foi a sua obra maior contra a opressão, pois, no simbólico do texto, ele não a identifica em Pedagogia do oprimido (1970), a ponto de, reconhecendo posteriormente a contradição, retratar-se perante suas leitoras. Seria possível a ele se justificar com a cultura machista da qual estava imerso, como no primeiro momento até o fez, mas isso não o impediu de se deparar com o “buraco”, que se apresenta como um equívoco de sua incompletude. Isso fez marca na sua vida a ponto de confessar que não poderia deixar de reconhecer o seu erro. É a diferença entre o ético e o cognitivo, no cognitivo pode-se encontrar a justificação: as leis, a compreensão, o sentido, a teoria, a cultura mas o ético, a nenhum desses semblantes pode-se recorrer, pois, é o sujeito de fronte para seu real, para sua parada. Por isso, para muitos, a atitude de reconhecer esse “detalhe” menor é mera obra da virtude, mas além da virtude há mais nisso, e só a implicação do sujeito pode demonstrar o que a linearidade não supõe.

A mulher, sua primeira esposa, tem um lugar estruturante na trajetória de Freire, propiciando as mediações para produzir e criar o projeto de educação que era a base de seu desejo, como ele afirma inúmeras vezes: “ter muito de Elza.”, desejo que Elza já identificara bem antes dele. Entre os momentos de sofrimento (ausência) e de prazer (presença), ela propiciou um apoio no qual pôde avançar em sua trajetória.

Trago para a discussão a rememoração da perda de Elza e a relação ausência-presença registrada na lápide do túmulo, um momento de diálogo na transcendência para continuar na vida, conforme Romão (2002, p. 56) registrou essa lembrança póstuma:

“[...] Foi preciso aceitar tua ausência.

Para que ela virasse presença [...]”

Recordar Elza também implica considerar o importante papel de Nita, sua segunda esposa, pois, ela veio reavivar o desejo de Freire (presença) após a perda de sua ponte de mediação (ausência), a mulher Elza (primeira esposa). Nita ressuscita o educador para vida, pois, representou a possibilidade de Freire fazer o luto de Elza e voltar a tecer laço com o mundo, com seu desejo, com a educação. Segundo suas próprias palavras, Nita fora a responsável para “trazê-lo de volta para a vida”.

Assim, percebe-se que a mulher ocupa um lugar fundamental no percurso de Freire: Nita foi a presença-ponte dos seus últimos anos entre nós; Elza fez a ligação na maior parte de sua vida conjugal; e a mãe, Edeltrudes, desde o nascimento até a vida adulta, ligou-o com o mundo e o preparou para a existência.

Finalmente, não se pode deixar em plano menor a presença das mulheres norte- americanas que possibilitaram a Freire se dar conta da sua contradição no discurso, no qual, a palavra omitida revelava justamente a negação de premissas basilares em seu pensamento quanto à justiça e à igualdade. Mas é a diferença que fará com que a palavra omitida se revele como surpresa, o que é atributo da ordem do inominável.

Mais uma vez, a palavra vem se apresentar como um espaço de surpresa e contradição na ordem do discurso. Apesar da intenção ideal de pronunciar uma palavra verdadeira, o cotidiano discursivo revela permanentes ditos contra nas falas que pronunciamos na família, com os filhos, com a companheira de luta, na militância, na associação de moradores, no time de futebol, na sala de aula, no partido etc. Não nos damos conta de quando falamos e de quando somos falados. Estamos permanentemente simbolizando o mundo e algo escapa a essa simbolização, algo que não é marcado pela palavra.

Em Pedagogia do oprimido (1987a), Freire afirma que encontrar a palavra verdadeira é práxis, ou seja, está em permanente devir num processo dialógico. Sendo assim, torna-se imperativo ético na implicação de qualquer sujeito para a leitura de mundo. Essa é sua proposta, pois, apesar de um mundo de certezas provisórias, ele sustenta a possibilidade de uma comunicação, mesmo quando ela se inviabiliza por fatores de alienação ideológica. Ora, como podemos entender uma afirmação que logo se nega? Justamente, essa permanente contradição demonstra que estamos no campo das incertezas submetidas à experiência dos fatos, desde que o sujeito assuma uma lógica que evoca um posicionamento diante daquilo que deseja.

A meu ver, Freire percebeu que havia alguma coisa nessa contradição e, assim, ele escreveu sobre a lógica do inédito-viável, fazendo da responsabilidade sobre o não-saber a possibilidade da liberdade do sujeito, pelo saber um pouco mais, uma liberdade radical que é infindável. Essa constatação me leva a pensar o inédito-viável como de uma ordem não definitiva: Inédito, por ser criação; e viável, porque guarda um caráter provisório ao presente de sua apresentação.

Essas duas perspectivas podem apontar para a dimensão desejante. Retomo a contribuição da Psicanálise que destaca o desejo como fonte de angústia e criação. “Quando você atinge esse ponto de liberdade criativa, está diante de dois elementos: um é a solidão do significante novo; o outro, a rearticulação do significante novo no mundo.” (FORBES, 2003a, p. 122).

O estudo que realizo aqui procura demonstrar que a própria linguagem nos permite recuperar aspectos da Psicanálise verificáveis no discurso; situações que interferiram profundamente no sujeito Paulo Freire, a saber, pelos próprios depoimentos e pelo modo como ele interage com a alteridade e a subjetividade implícita nos fenômenos analisados.

Nessa mesma linha de raciocínio, a Pedagogia da esperança (1992) é uma das obras freirianas que, pelos levantamentos que realizei, podem revelar mais situações apreensíveis pelas lentes da Psicanálise: Freire relata uma visita a áreas de populações marginalizadas, em Nova Iorque, onde ele reconheceu um fenômeno semelhante às nossas realidades latino- americanas: “Vi e ouvi coisas em Nova Iorque que eram traduções não apenas lingüísticas, naturalmente, mas, sobretudo, emocionais de muito do que ouvira no Brasil e, mais recentemente, estava ouvindo no Chile.” (FREIRE, 1992, p. 55).

Esse relato trata de uma experiência educativa, em que uma professora norte- americana havia mostrado uma foto de determinada região pobre, de uma cidade dos Estados Unidos da América, na qual, os educandos foram instados a identificar de qual lugar era a foto. Alguns associaram a imagem com quadros do mundo empobrecido das Américas. A professora introduziu novo dado e argumentou que a linguagem dos anúncios publicitários era