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2. AGILIDADE NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS

2.3 O conceito agilidade versus flexibilidade

Durante a revisão sistemática ficou evidente a ocorrência de definições de agilidade e de flexibilidade ora como sinônimos e ora como termos independentes e complementares. Optou-se então, por estudar os dois conceitos de maneira independente, a fim de verificar as diferenças e semelhanças entre eles. O resultado foi a identificação de evidências relevantes sobre quatro aspectos: a origem dos conceitos; a evolução; o foco de aplicação; e a relação entre eles.

Em relação à sua origem, a hipótese é de que o conceito flexibilidade é mais antigo. Tal hipótese é sustentada por meio de trabalhos publicados desde a década de 1970, conforme ilustrado no Gráfico 1.

23 Elementos definitórios são as palavras, “termos” que compõe uma definição do conceito “agilidade”

ou “flexibilidade” e que expressam um sentido semântico específico de acordo com a técnica utilizada para análise, a Semântica de Frames (FILLMORE, 1982, 1985; PETRUCK, 1995;1996; FILLMORE, 2003).

O gráfico ilustra a distribuição de um conjunto24 de 47 definições para o conceito “flexibilidade” e 61 definições para o conceito “agilidade”, ordenados segundo o ano de publicação dos artigos fonte.

O conceito “flexibilidade”, portanto, é mais antigo, com exemplos de trabalhos publicados desde a década de 1970 e 1980 (MANDELBAUM, 1978; MASCARENHAS, 1981; GERWIN, 1983). Em se tratando do conceito “agilidade”, as evidências apontam para o seu surgimento e difusão a partir do relatório apresentado em 1991 pelo Instituto Iacocca da Universidade de Lehigh nos Estados Unidos, confirmada a partir da citação encontrada em diversos trabalhos (YUSUF; SARHADI; GUNASEKRAN, 1999; KATAYAMA; BENNETT, 1999; JIN-HAI; ANDERSON; HARRISON, 2003; GANGULY; NILCHIANI; FARR, 2009).

Gráfico 1. Distribuição dos artigos por ano de publicação (agilidade versus flexibilidade). Fonte: elaborado pelo autor com base no conjunto de artigos identificados na literatura.

Uma característica comum observada em ambos os conceitos é a área de origem. Em trabalhos das décadas de 70, 80 e 90 observa-se o enfoque do conceito flexibilidade em

24 Este conjunto preliminar de definições para os conceitos “agilidade” e “flexibilidade” é considerado o

corpus original das definições. Isso por que até este momento do texto não foi apresentada nenhuma análise semântica das definições contidas no corpus. As análises são fruto da aplicação da técnica de semântica de

frames, explicada na etapa 4, seção 4.3.4. O primeiro resultado dessa análise indicou definições repetidas,

citadas por mais de um autor. Após a análise de semântica de frames, o corpus original foi atualizado e passou a ter 59 definições para o termo agilidade e 38 para o termo flexibilidade, conforme apêndices 6 e 7.

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 1978 1981 1983 1986 1987 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2009 Qu an tidad e d e d e fi n õ e s Ano de publicação Flexibilidade Agilidade

aspectos predominantes da manufatura, como é o caso dos estudos de Mandelbaum (1978), Mascarenhas (1981), Gerwin (1983, 1987), Garrett (1986), Cox (1989), Sethi e Sethi (1990) e Ramesesh e Maliyakal (1991).

O conceito agilidade, por sua vez, foi descrito como um novo paradigma da manufatura em resposta às críticas ao modelo de produção em massa. Pautava-se em um conjunto de princípios, como mudança contínua, respostas rápidas, melhoria na qualidade e responsabilidade social (JIN-HAI; ANDERSON; HARRISON, 2003). Tais evidências reforçam a hipótese de que ambos tem como origem uma área comum, a manufatura.

Com base nas evidências ilustradas no Gráfico 1 e nos textos analisados, em tese, o conceito flexibilidade pode ser considerado o precursor do conceito agilidade. Isso porque ambos compartilham da mesma área de origem e possuem elementos definitórios comuns, conforme indícios apresentados nos trabalhos de Vokurka e Fliedner (1998) e Bernardes e Hanna (2009).

Em relação ao segundo e terceiro aspectos, a evolução dos conceitos e o foco de aplicação, este estudo demonstrou que ambos podem estar relacionados. Explica-se. O estudo de Vokurka e Fliedner (1998) faz referência a trabalhos como Skinner (1969; 1974), Wheelwright (1978) e Hayes e Wheelwright (1979), cujos indícios apontam para os primeiros trabalhos relacionando o conceito flexibilidade e manufatura, e que, de acordo com Miller e Roth (1988), este conceito se configuraria como o novo paradigma para as empresas competirem no futuro (VOKURKA; FLIEDNER, 1998).

Esta evidência foi discutida por Vokurka e Fliedner (1998) que descreveram a intensificação da competição global, aumento da demanda para produtos customizados, e a redução do ciclo de vida dos produtos, durante a década de 1980, onde a flexibilidade emergiu como competência estratégica para as empresas se manterem competitivas, por meio do aprimoramento de seus sistemas produtivos.

Embora tenha havido autores que utilizaram o conceito flexibilidade em um nível amplo de aplicação, considerando toda a organização (SMALL; CHEN, 1997; VOKURKA; FLIEDNER, 1998; ZHANG; VONDEREMBSE; LIM, 2003), os textos mais relevantes e que o adotaram como conceito central são da área de processo de desenvolvimento de produtos, e o processo produtivo ou manufatura (SETHI; SETHI, 1990; RAMESESH; MALIYAKAL, 1991). Também há autores que discutem a “flexibilidade” do projeto do produto, conceito, tecnologia ou protótipo (CLAUSING, 1994; THOMKE, 1997; ZHANG; VONDEREMBSE; CAO, 2009).

Em relação à evolução do termo flexibilidade para a aplicação em desenvolvimento de produtos, foram identificados trabalhos a partir de 1991, como exemplo dos autores Dixon (1992), Iansiti (1995), Upton (1995), Suarez, Cusumano e Fine (1995), Thomke (1997), Iansiti e MacCormack (1997). Essa tendência foi confirmada posteriormente nos trabalhos de Verganti (1999), MacCormack, Verganti e Iansiti (2001), MacCormack e Verganti (2003).

O uso do conceito flexibilidade na área de desenvolvimento de produtos apresenta uma relação com o conceito preconizado na área de manufatura. Isso porque, no trabalho de Thomke (1997), por exemplo, encontra-se textos da área de manufatura como Upton (1994, 1995) e Gerwin (1987). Demonstra uma evolução do conceito a partir da manufatura, pois compartilha de elementos “definitórios”25 comuns.

Em relação ao conceito agilidade, este foi inicialmente descrito por meio do termo “agile manufacturing”, disseminado e adaptado para outras áreas do conhecimento, como por exemplo gestão organizacional (GOLDMAN; NAGEL; PREISS, 1995; DOVE, 1999; GORANSON, 1999; GUNASEKARAN, 1999; YUSUF; SARHADI; GUNASEKRAN, 1999). Porém, mais recentemente, o conceito agilidade tem sido adotado e disseminado na área de desenvolvimento de software (HIGHSMITH, 2004; MAFAKHERI; NASIRI;

25 Elementos definitórios é tratado neste estudo como as palavras e termos que compõe uma definição,

descrição textual de um conceito. Nesse caso, faz referência às palavras utilizadas nas definições de agilidade e flexibilidade.

MOUSAVI, 2008; QUMER; HENDERSON-SELLERS, 2008; CONBOY, 2009; SHEFFIELD; LEMÉTAYER, 2012). Nesse contexto, está associado aos métodos e práticas gerenciais relacionadas a projetos de desenvolvimento de software.

Apesar do enfoque na manufatura e desenvolvimento de software, foi identificado um maior número de trabalhos com enfoque na organização, tratando o conceito agilidade em um nível estratégico, o que corrobora com as evidências identificadas por Bernardes e Hanna (2009), que descrevem um maior uso do conceito agilidade com foco em toda a organização, o que pode ser comprovado em diversos trabalhos (GOLDMAN; NAGEL; PREISS, 1995; SHARIF; ZHANG, 2001; NAGEL; DOVE, 1991;2001; GUNASEKARAN, 1999).

Os diferentes focos de aplicação dos conceitos estão ilustrados na Figura 6.

Figura 6. Comparação das áreas de aplicação das definições dos conceitos “agilidade” e “flexibilidade”. Fonte: elaborado pelo autor com base no conjunto de artigos identificados na literatura.

A figura apresenta o resultado da contagem das definições de agilidade e flexibilidade encontradas no conjunto de artigos extraídos da literatura. Ao todo foram 108 definições classificadas segundo a área de conhecimento de aplicação da definição. Foram identificadas quatro áreas: a organização em seu todo, manufatura, processo de desenvolvimento de

produtos (incluindo o desenvolvimento de software), e o projeto (produto). O tamanho do círculo ilustra a maior concentração de trabalhos na área e no centro está o número de definições identificadas.

A Figura 6 revela uma evidência importante. As definições não contém distinções claras entre agilidade e flexibilidade, porque os seus elementos definitórios são semelhantes. Mas, por outro lado, há uma preferência no uso dos termos conforme a área do conhecimento. Os teóricos da área de organizações preferem “agilidade”. Os teóricos de desenvolvimento de produtos preferem o uso de flexibilidade.

Já os teóricos de manufatura preferem utilizar os dois termos, uma vez que estabelecem uma relação entre eles, tal que a flexibilidade seria uma capacidade necessária para a empresa aplicar a agilidade. Argumentam que o aumento da competitividade global, a demanda por produtos customizados e de maior qualidade, maior variedade de produtos, melhor prestação de serviço, e respostas rápidas, requerem uma habilidade além da flexibilidade.

Isso representa uma evidência importante sobre o quarto aspecto identificado neste estudo, a relação entre os conceitos. Esta evidência pôde ser observada no trabalho de Agarwal, Shankar e Tiwari (2006). Os autores escrevem que a origem do termo agilidade como um conceito de negócio, em parte, deve-se ao conceito de “sistemas flexíveis de manufatura”. Os autores citam o trabalho de Vickery et al. (1999) no qual argumentam que uma característica das organizações ágeis é a flexibilidade, o que indica a agilidade como um conceito de negócio (toda a organização), e a flexibilidade com foco em processos como manufatura e desenvolvimento de produtos.

Inicialmente, a flexibilidade na manufatura poderia ser alcançada por meio da automação que possibilitava rápidos setups e mudanças na linha de produção para produzir diferentes tipos de produtos em diferentes volumes (AGARWAL; SHANKAR; TIWARI,

2006). Essa proposta, mais tarde, foi expandida para todo o contexto do negócio, e assim emergiu o conceito agilidade como uma estratégia organizacional (AGARWAL; SHANKAR; TIWARI, 2006).

Bernardes e Hanna (2009), por exemplo, argumentam no mesmo sentido, em que o conceito agilidade pressupõe haver flexibilidade, ou seja, seriam conceitos complementares. Ambos os conceitos estão relacionados com a mudança, a diferença está em mudanças previsíveis, ou previstas (onde a flexibilidade é pertinente), ou mudanças imprevistas, novas oportunidades (onde a agilidade é mais apropriada). Isso requer habilidades complementares àquelas difundidas nos textos de manufatura que tratam de flexibilidade, argumentam Bernardes e Hanna (2009).

Outra perspectiva identificada no trabalho de Bernardes e Hanna (2009) é a de que o conceito flexibilidade é comumente associado com uma propriedade inerente de sistemas que permitem responder às mudanças segundo um conjunto pré-determinado de parâmetros, ou seja, existe o conhecimento sobre os processos necessários para a mudança (WADHWA; RAO, 2003 apud BERNARDES; HANNA, 2009). Trata-se de uma outra concepção em que agilidade e flexibilidade seriam distintos. Flexibilidade seria o potencial de mudar e a agilidade o uso deste potencial.

No conceito “agilidade” não existiria a pressuposição do conhecimento sobre o sistema ou mesmo sobre a mudança, por isso este conceito seria mais apropriado para ambientes dinâmicos que requerem rápida reconfiguração frente às mudanças inesperadas (RICHARDS, 1996; BACKHOUSE; BURNS, 1999; SANCHEZ; NAGI, 2001 apud BERNARDES; HANNA, 2009).

Embora tenham sido trabalhados e explorados sob diferentes focos de aplicação, pode- se dizer que, de alguma forma, os conceitos flexibilidade e agilidade estão relacionados. Esse indício pôde ser observado em outros trabalhos em que a organização assume a posição de

agente principal afetado pela mudança. Assim, por sua vez, a organização precisa ter flexibilidade para mudar e a habilidade para rapidamente responder às mudanças (KIDD, 1994; GOLDMAN; NAGEL; PREISS, 1995; AMOS, 1996; GUNNESON, 1997; GORANSON, 1999; NAYLOR; NAIM; BERRY, 1999; HOOPER; STEEPLE; WINTERS, 2001; JAIN; JAIN, 2001).

A partir da fundamentação teórica apresentada conclui-se que não há, portanto, uma definição que se possa dizer consensual para agilidade e flexibilidade em gestão de projetos. Tal conclusão é discutida e reforçada na próxima seção.

2.4 O conceito agilidade no gerenciamento de projetos