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2. AGILIDADE NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS

2.2 Origem e definição do conceito agilidade

Uma das primeiras definições do termo “agilidade”, como um conceito, foi observada na área de manufatura, disseminado como “agile manufacturing”, antes, portanto, do próprio conceito de gerenciamento ágil de projetos. Este termo foi difundido a partir do relatório intitulado 21st Century Manufacturing Enterprise Strategy: An Industry-Led View20 (NAGEL; DOVE, 1991). Este relatório é resultado de um esforço conjunto de 15 executivos de 13 empresas em parceria com pesquisadores do Iaccoca Institute, da Universidade de Lehigh nos Estados Unidos na década de 1990, coordenado pelos pesquisadores Roger Nagel, Rick Dove, Steven Goldman e Kenneth Preiss.

20 O primeiro volume deste relatório contém uma introdução sobre o estudo, oportunidades,

justificativas e uma síntese das etapas e tarefas a serem executadas. Foi publicado em 1991, e pode ser consultado no link do “Google Books”, disponível para leitura em:

http://books.google.com.br/books?id=dSjsn_ECSSsC&printsec=frontcover&hl=pt- BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false.

O relatório foi publicado em dois volumes e descreveu os novos rumos para a manufatura em resposta aos desafios e limitações do modelo predominante de produção em massa, cuja abordagem não estaria atendendo as demandas e desafios do ambiente dinâmico de negócios da indústria norte-americana. O levantamento com executivos de 200 empresas apontou a necessidade de desenvolver um novo modelo de organização, intitulado como “Enterprise Agility”. Tal modelo foi construído com base nos conceitos de “concorrência dinâmica” e “organizações virtuais”, com foco no desenvolvimento da agilidade na manufatura.

Segundo a visão de Nagel e Dove (1991), uma empresa com uma “manufatura ágil” seria capaz de entregar novos produtos rapidamente, assimilar as experiências de mercado e inovações tecnológicas facilmente, e continuamente, modificar seus produtos para incorporar tais experiências e novas tecnologias no processo de desenvolvimento de produtos e fabricação.

Desde então, o termo “agile manufacturing enterprise” foi tratado como o novo paradigma da manufatura, caracterizado como “uma habilidade para mudar a configuração de um sistema em resposta às mudanças imprevistas e inesperadas do mercado” (GOLDMAN; NAGEL; PREISS, 1995; VOKURKA; FLIEDNER, 1998; GUNASEKARAN, 1999; ZHANG; SHARIFI, 2000). Consequentemente, uma organização que possuía uma “manufatura ágil”, seria uma “organização ágil”, capaz de operar de forma lucrativa em um ambiente competitivo, dinâmico, regido por mudanças contínuas e imprevisíveis” (GOLDMAN; NAGEL; PREISS, 1995).

A disseminação do relatório, bem como o “conceito agilidade”, ganhou adeptos e passou a ser explorado sob diferentes perspectivas. Uma dessas perspectivas explora o conceito no nível de processo, em específico, o processo de manufatura (KIDD, 1994; NARASIMHAN; SWINK; KIM, 2006; VÁZQUEZ-BUSTELO; AVELLA; FERNANDEZ,

2007; DEVOR; GRAVES; MILLS, 1997; YUSUF; SARHADI; GUNASEKARAN, 1999). As definições desses autores referem-se à agilidade como uma “habilidade” ou “capacidade” do processo de produção (manufatura) para responder rapidamente às oscilações de demanda dos clientes e mudanças no mercado.

Segundo esta perspectiva, a empresa deveria ser capaz de produzir diferentes tipos de produtos, no que tange a diversidade de itens e diferentes quantidades. Nessa capacidade inclui-se também o desenvolvimento de produtos. Os autores reconhecem o entendimento das necessidades e demandas de mercado, e o desenvolvimento e entrega dos produtos para o cliente final como parte dessa agilidade, como no processo de manufatura e logística.

A segunda perspectiva refere-se ao nível organizacional e estratégico. O “conceito agilidade” é abordado de forma ampla, considerando toda a organização. Entende-se que a empresa deve ter habilidade para responder rapidamente às mudanças do mercado e clientes, e ainda ser capaz de competir e ser lucrativa. Em geral, as definições remetem à organização “ágil”, ou seja, empresas que operam em um ambiente dinâmico de negócios (GOLDMAN; NAGEL; PREISS, 1995; SHARIF; ZHANG, 2001; NAGEL; DOVE, 1991; 2001; GUNASEKARAN, 1999).

A terceira perspectiva a fazer uso do termo é mais recente. Trata-se da disseminação do termo na área de gerenciamento de projetos, com maior proeminência em métodos de gestão e desenvolvimento de software. Autores como Williams e Cockburn (2003), Highsmith (2004), Ericksson et al. (2005), Qumer e Henderson-Sellers (2006) e Conboy (2009), exploram o conceito “agilidade” segundo esta perspectiva.

Na acepção de Highsmith (2004), agilidade no contexto de desenvolvimento ágil e adaptável significa que a equipe de projeto possui a habilidade para criar e responder às mudanças inerentes dos projetos. Já Augustine (2005) declara que é preciso encontrar um equilíbrio entre flexibilidade e estabilidade para absorver as mudanças do projeto, buscando a

constante entrega de valor para o cliente, frente à imprevisibilidade e o dinamismo inerente aos projetos de desenvolvimento de novos produtos21. Balancear flexibilidade e estabilidade em ambientes de inovação requer a dedicação das pessoas, o desenvolvimento de competências para a improvisação – habilidade para lidar efetivamente com ambiguidade e paradoxo, reforça Highsmith (2004).

A partir da compilação de definições22 para o termo “agilidade”, resumem-se as diferentes perspectivas de aplicação, conforme exemplos disponíveis no Quadro 1.

Quadro 1. Perspectivas de aplicação do conceito de “agilidade”.

Perspectiva Exemplo: Definição (Autor, ano)

Agilidade na

organização Capability of an organization to operate profitably in an competitive environment comprised of continually changing customer habits (GOLDMAN; NAGEL; PREISS, 1995, p.3); Capability of an organization, by proactively establishing virtual manufacturing with an efficient product development system, to meet the changing market requirements, maximize customer service level, and minimize the cost of goods; ability of a company to effect changes in its systems, structure and organization (GUNASEKARAN; YUSUF, 2002, p. 1.362)

Agilidade no processo (manufatura)

Production is agile if it efficiently changes operating states in response to uncertain and changing demands placed upon it (NARASIMHAN; SWINK; KIM, 2006, p. 443);

A system that shifts quickly (speed and responsiveness) among product models or between product lines (flexibility), ideally in real-time response to customer demand (customer needs and wants) (YUSUF; SARHADI; GUNASEKARAN, 1999, p. 36).

Agilidade no gerenciamento de projetos de desenvolvimento de software

The continual readiness of an ISD method to rapidly or inherently create change, proactively or reactively embrace change, and learn from change while contributing to perceived customer value (economy, quality, and simplicity), through its collective components and relationships with its environment (CONBOY, 2009, p. 340); Agility is a persistent behavior or ability of a sensitive entity that exhibits flexibility to accommodate expected or unexpected changes rapidly, follows the shortest time span, uses economical, simple and quality instruments in a dynamic environment and applies updated prior knowledge and experience to learn from the internal and external environment. (QUMER; HENDERSON-SELLERS, 2006, 281);

It is the ability to both create and respond to change in order to profit in a turbulent business environment (HIGHSMITH, 2004, p. 16).

Fonte: elaborado pelo autor com base no conjunto de artigos identificados na literatura.

A análise das definições, sobretudo a forma como o conceito agilidade é empregado, indica uma série de problemas. O primeiro está relacionado com o entendimento do conceito devido à quantidade de definições encontradas na literatura. Nesse estudo, foram identificadas ao menos 61 ocorrências para o termo “agilidade” (veja lista completa no apêndice 4).

21 Conforme discutido em Conforto (2009).

22 As definições para os termos “agilidade” e “flexibilidade” foram mantidas no idioma original

(inglês). A análise semântica e todos os resultados deste trabalho são apresentados no idioma inglês para manter a rastreabilidade e robustez dos resultados. Isso foi necessário para se manter o rigor dos termos definitórios e palavras utilizadas em cada definição, que formam a base da análise e dos resultados da pesquisa. Traduzir as definições implicaria no uso de palavras que podem não refletir a realidade e intenção do autor do trabalho, pois muitas das palavras não possuem similar de igual teor semântico no idioma português.

Outro problema é a subjetividade das definições, o que dificulta seu entendimento de tal forma que seja possível definir construtos, hipóteses e variáveis, que possam ser utilizadas para mensuração e avaliação em campo. Existem definições muito genéricas como: “[...] a habilidade de criar e responder às mudanças a fim de ser lucrativo em um ambiente turbulento de negócios” (HIGHSMITH, 2004, p.16), ou “a habilidade de uma organização para responder rapidamente e com sucesso às mudanças” (MCGAUGHEY, 1999, p.7).

Há definições que citam outros termos, que podem ser considerados conceitos subjacentes ou complementares da agilidade e que precisariam ser investigados para que tais definições fossem esclarecidas. É o caso do termo “flexibilidade” citado no exemplo da definição de Yusuf, Sarhadi e Gunasekaran (1999, p. 37), descrita a seguir:

“[...] a exploração bem sucedida de bases competitivas (velocidade, flexibilidade, inovação, proatividade, qualidade e rentabilidade) por meio da integração de recursos reconfiguráveis e gestão do conhecimento para fornecer produtos e serviços customizados (orientados ao cliente), em um ambiente de negócios regido por rápidas mudanças”.

Note que os autores se referem a um conjunto de características de diferencial competitivo, como velocidade, flexibilidade, inovação, como um resultado da agilidade, da manufatura ágil, que não são evidentes, tornando a própria definição inconclusiva.

Por fim, existem ainda, definições muito complexas, que tratam agilidade de forma ampla, o que dificulta a elaboração de construtos, variáveis e hipóteses para teste em campo, por exemplo, conforme citado em Amos (1996) apud Vázquez-Bustelo e Avella (2006, p. 1.156):

“Agilidade se refere à habilidade da empresa de rapidamente integrar tecnologia, força de trabalho e gestão por meio de uma infraestrutura de informação e comunicação que resulte em respostas deliberadas e eficazes para demandas dos clientes, em um ambiente de negócios orientado aos clientes, e sob a influência de mudanças contínuas e imprevisíveis”.

Em sua maioria, os textos analisados não discutem os elementos definitórios23 do conceito agilidade e o relacionamento com outros termos, como é o caso do termo “flexibilidade”, conforme discutido em Bernardes e Hanna (2009) e Conboy (2009). Este, por si só, poderia ser considerado como um conceito independente. Há, por exemplo, outros autores da área de gestão de organizações e manufatura que empregam o termo “flexibilidade” e o relacionam com o conceito “agilidade” (GOULD, 1997; YUSUF; SARHADI; GUNASEKARAN, 1999; MENOR; ROTH; MASON, 2001; CROCITTO; YOUSSEF, 2003; VÁZQUEZ-BUSTELO; AVELLA; FERNANDEZ, 2007).

Em síntese, fica evidente a necessidade de uma definição objetiva, robusta e ao mesmo tempo concisa, do que é agilidade, incluindo a diferenciação e relacionamento entre agilidade e flexibilidade. Para isso, um passo importante é a investigação sobre a existência ou não de sobreposição entre estes conceitos.