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1. Introdução

2.4. Aspectos comportamentais relacionados à implantação de sistemas

2.4.1. O conceito de cultura organizacional

O conceito da cultura é originário da Antropologia. O pioneiro no uso do vocábulo foi Edward Tylor, que conceituou cultura como: “conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”(RUSSO, 2010 p.15). O conceito é hoje utilizado, no senso comum, como a capacidade de reter e comunicar as ideias entre gerações, segundo Russo (2010, p. 15).

Há grandes correntes na antropologia que discutem o que seja cultura. O que elas têm em comum é que(1) trabalham com as sociedades humanas; (2) têm uma história evolutiva e são concebidas em torno do que caracteriza a vida humana, como proteção ao grupo, luta contra os elementos, nascimento e morte, relações entre os sujeitos; (3)têm como material de trabalho o comportamento, os ritos, a linguagem, ou seja, manifestações do ser humano na sua relação com o meio ambiente social e físico; (4) buscam na cultura o que caracteriza a sociedade humana; (5) explicam a relação entre o indivíduo e a sociedade (THÉVENET, 1993, p.35). A visão das organizações como sociedades humanas, com culturas que as identificam, está na base da transposição dos conceitos de antropologia cultural para a análise do ambiente organizacional (CESAR, 1999).

Estudos sobre cultura organizacional consideram que a cultura assuma dois papéis: (1) como variável independente, supondo-se que sua modificação leve a mudanças no desempenho da organização; (2) como variável dependente, supondo-se que as modificações estruturais ou processuais em busca de desempenho levem à modificação da cultura organizacional (WRIGHT, 1999, apud CESAR, 1999).

Em termos de pressupostos filosóficos, a corrente mais comumente utilizada no ambiente organizacional é a funcionalista, segundo a qual a cultura é uma variável independente e, como tal, pode ser gerenciada. Um dos defensores dessa abordagem é Cameron (1999). Ao discutir o sucesso de grandes companhias cujos indicadores de desempenho estavam fora dos parâmetros clássicos para análise de competitividade (como Wal-Mart e Southest Airlines, nos anos 90), atribuiu à “forte” cultura organizacional dessas empresas a razão de seu sucesso (CAMERON, 1999, p. 3-4).

Dentro dessa mesma abordagem funcionalista, Hofstede (2003) é um dos autores mais conhecidos na área organizacional. Para esse autor, a cultura é a programação coletiva da mente que distingue os membros de uma organização dos de outra. É de Hofstede (2003) a afirmação de que

todos somos como os ingleses Hume ou Goring, observamos o mundo através das janelas de uma casa cultural e agimos como se as pessoas de outros países tivessem alguma característica especial (caráter nacional), enquanto a nossa casa é normal. Infelizmente não existe norma em matéria de cultura. Esta mensagem é incomoda, tão incomoda como foi a afirmação de Galileu Galilei no século dezessete de que a Terra não é o centro do universo (p. 271).

Ainda dentro da abordagem funcionalista, Denison, Hooijberg, Lane e Lief (2013, p.3) apontam que as pesquisas realizadas nas últimas décadas demonstram que a cultura da organização tem impacto nos negócios de quatro formas: (1) cria o sentido de missão e direção; (2) constrói um alto nível de adaptabilidade e flexibilidade; (3) nutre o envolvimento e o engajamento de seu pessoal; (4) fornece uma consistência que está fortemente enraizada em um conjunto de valores essenciais. Assim, o futuro de uma empresa está alicerçado em seu passado quando o que se discute são os aspectos culturais. Esse é o forte argumento para que a cultura da organização seja identificada e monitorada.

Outro representante da abordagem funcionalista é Schein (2009 p.22), que afirma: “ou a empresa gerencia a cultura ou a cultura gerencia a empresa”. Para Schein (2009, p. 24), a cultura pode ser analisada em três níveis: (1) nível das suposições básicas: crenças e os pressupostos adjacentes que são subconscientes, invisíveis e raramente questionáveis; (2) nível das crenças e valores expostos: os valores e as atitudes pessoais que são menos visíveis, mas podem ser comentados; (3) nível dos artefatos, comportamentos e normas que são visíveis e tangíveis, definidos como as estruturas e processos organizacionais, coisas visíveis mas difíceis de decifrar.

Pode-se dizer que todas as organizações têm elementos culturais que as distinguem, sejam elas pequenas empresas familiares, sejam empresas globais. Em todas, há influência de nacionalidade; todas têm pressupostos acerca da natureza humana, do tempo e do trabalho; todas têm crenças e valores que regem os comportamentos e determinam as regras/normas de conduta e de trabalho; todas têm

artefatos como móveis, equipamentos e outros, cuja disposição e cujo uso são influenciados pelos pressupostos assumidos.

Uma questão importante a ser considerada é o fato de muitas organizações terem bases geograficamente dispersas, frequentemente em diferentes países. A cultura nacional exerce influência sobre a cultura local de uma organização e, independente dessa cultura,os aspectos nos quais as bases nacionais mais frequentemente diferem estão relacionados aos valores, à estrutura de poder, à igualdade/desigualdade social e aos valores individuais e grupais (HOFSTEDE; NEUIJEN; OHAVY;SANDERS, 1990).

Do ponto de vista de diferenças culturais nacionais,Hofstede (1998) aponta que estudos dessa natureza devem considerar quatro dimensões principais2:

1) Distância do poder (pequena ou grande); 2) Aversão à incerteza (forte ou fraca); 3) Individualismo ou coletivismo;

4) Masculinidade ou feminilidade (papéis sociais assumidos pelos gêneros).

Seus estudos foram fortemente criticados ao longo do tempo com alegações de que não se pode medir cultura usando survey (metodologia que usa instrumentos de pesquisa quantitativos);de que nações não são unidades de análise apropriadas; de que o estudo de subsidiárias de uma empresa não prove informação sobre o pais; de que os dados usados para validar seu modelo teórico são obsoletos, porque foram coletados na década de 1970 (HOFSTEDE, 1998, p. 480-481).

Recentemente Hofstede apresentou a evolução do que denomina sua “doutrina”, rebatendo as críticas que lhe foram feitas ao longo do tempo (MANKOV; HOFSTEDE, 2011). Nesse texto, suas argumentações são:

1) constructos, como cultura e suas dimensões, são ideias complexas que refletem fenômenos existentes. Assim, não são a realidade em si e, como tal, são apenas uma forma de se organizar os impressões que se tem acerca de uma realidade;

2 Mais recentemente foi incluída uma dimensão ligada ao confucionismo, para diferenciar culturas

2) Não há uma “melhor maneira” de se construir dimensões, sejam elas culturais, sejam psicológicas sejam de outra natureza.assim, não se pergunta se elas são verdadeiras ou não, mas sim se são ou não coerentes entre si;

3) Modelos diferentes e suas dimensões terão diferentes méritos, dependendo do que os pesquisadores buscam explicar;

4) Validade de face (baseada na semântica das palavras usadas em um questionário) não pode ser uma exigência rigorosa em uma análise intercultural de culturas nacionais;

5) Há uma grande discussão na área de Ciências Sociais acerca dos méritos de pesquisas dedutivas ou indutivas. A escolha de Hofstede é por pesquisa indutiva, que começa com dados empíricos e, a partir daí, busca construir modelos e teorias;

6) O uso de métodos quantitativos para a análise de culturas vêm sendo criticado porque se alega que esse tipo de metodologia não capta a riqueza dos aspectos culturais.Os autores não contradizem a afirmação, mas apontam que gerar números exige a interpretação dos dados, e esse é um aspecto subjetivo considerado por eles (MINKOV e HOFSTEDE, 2011, p. 17-18).