CAPÍTULO 2 PRECEITOS E FUNDAMENTOS DA APATRIDIA NO DIREITO
2.1 Conceito, tipos e pressupostos da apatridia
2.1.1 O conceito de apátridas
O direito à nacionalidade, seja qual for, apresenta-se consolidado como direito
fundamental do próprio homem
1, visto que está firmado no artigo 15 da Declaração de
Direitos Humanos de 1948, reconhecendo perante todos, a nível internacional e nacional, o
seu status de direitos humanos. Contudo, apesar de constituir-se de um pressuposto basilar
para uma convivência pacífica em coletividade, tanto nacional quanto internacionalmente,
nem sempre se observa ao longo da história a extensão e concessão de tal principio a todos
os seres. Infelizmente, este é o quadro atual, e a dura realidade de milhares e milhares de
pessoas, homens, mulheres, crianças e idosos, que num fluxo crescente de migração e de
intensa necessidade, carecem dos seus direitos mais básicos e mínimos, por sua vez,
concedidos e alcançados geralmente apenas pela nacionalidade: objeto de tamanho desejo,
mas que por forças sociais, do direito ou de falta interesses, eles sequer detém. Deste modo,
este é o contexto dos apátridas ao redor do mundo, e o foco central do trabalho, pois como
um problema global, crônico
2e alarmante para a manutenção da própria dignidade humana
3,
faz-se necessário um estudo jurídico-social do caso, já que o Direito apresenta-se como
grande guardião de tal princípio fundamental da dignidade, e por isso, deve servir à
sociedade nacional e internacional por quem foi criado, sob risco de não servir de forma útil
mais exatamente para elas. Assim, ver o número crescente de apátridas e migrantes
internacionais sem qualquer devido amparo estatal é inaceitável nos dias atuais, quando a
dignidade humana e os direitos humanos estão tão sedimentados no plano externo, bastando
1 "Vale observar que já em 1948 a Assembleia Geral das Nações Unidas, [...] trazia a nacionalidade à área dos
direitos fundamentais da pessoa humana, tendo como premissa maior a consideração do desamparo e dos transtornos resultantes da apatria." REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 184.
2 "Os apátridas estavam tão convencidos como as minorias de que a perda de direitos nacionais era idêntica à
perda dos direitos humanos e que a primeira levava à segunda. Quanto mais se lhes negava o direito sob qualquer forma, mais tendiam a procurar a reintegração numa comunidade nacional, na sua própria comunidade nacional." ARENDT, Hannah. O sistema totalitário. Tradução de Roberto Raposo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978. p. 376.
3 "Aquele que foi despojado de sua nacionalidade, sem ser opositor político, pode não encontrar nenhum
Estado disposto a recebê-lo: ele simplesmente deixa de ser considerado uma pessoa humana." COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 230.
a plena efetivação no âmbito interno dos países, a fim de garantir o mínimo para um vida
digna e justa, e não para uma sobrevivência precária, visto que é impossível a um homem
“[...] permanecer, durante toda a vida, completamente estranho a um dos grupos político-sociais
em que a humanidade, desde remotíssimos tempos, se acha dividida."
4Portanto, sob esse
prisma, far-se-á um breve estudo, a partir de uma óptica de vários ramos do direito, em destaque
o Direito Internacional Público
5e Privado e o Direito Constitucional
6, sobre os conceitos e
definições que cercam a apatridia, e demais fatores e ideais que circundam e emanam da própria
pessoa do apátrida.
A apatridia é tema que interessa da diferentes áreas do direito, sendo impossível listar a todas neste curto artigo. O direito internacional privado lida com as questões de lei aplicável nas diferentes situações jurídicas envolvendo os apátridas, o direito internacional público na maneira com que tais indivíduos são (mal)tratados na ordem internacional e o direito constitucional pois o indivíduo nacional é elemento constitutivo do próprio Estado.7
A ideia de apatridia denota a tempos remotos, pois no livro de Gênesis, na
Bíblia cristã, ainda no Éden temos a primeira causa de apatridia quando Deus expulsa
Adão e Eva do Éden, para que eles vagem pelas terras, e jamais entrem no Jardim
novamente, sofrendo as consequências de seus pecados e privando-os de direitos que até
então usufruiam. Contudo a figura do apátrida, como concepção mais próxima da atual,
surge na Antiguidade Clássica, mais especificamente em Roma
8, pois a noção de
nacionalidade já existia, como exposto, apesar de ainda estar em construção, e daí,
também já existia, em oposição à concepção de nacional e cidadão romano, a categoria
94 GONÇALVES, Luis da Cunha. Tratado de direito civil. São Paulo: Max Limonad,. 1955. t. 1. p. 508.
5 "O problema da apatria, isto é, dos sem pátria, não é de Direito Constitucional, mas pertence ao âmbito do
Direito Internacional Público, do mesmo modo que o dos “polipátridas”- indivíduos com mais de uma nacionalidade. [...] Constitui princípio indisputado o de que cada Estado legista soberanamente sobre a sua própria nacionalidade, não podendo impedir que os outros Estados também o façam, seria ingenuidade pretender [...] resolver o assunto por via de Direito interno, pois tais conflitos só podem solucionar-se por meio de convenções internacionais, como as de Haya (1930), a de Montevidéu (1933) e outras, ou tratados entre os interessados, como os que o Brasil já celebrou com a Inglaterra, a Itália e outros países. [...] O apátrida é um adstrito (ressortissant), um justiciável (justiciable), sujeito às leis do país em que se encontrar, e às convenções internacionais à respeito." TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991-B. p. 563-564.
6 Insere-se o estudo na ordem constitucional, pois como visto, nacionalidade se refere a um direito fundamental do
povo, que por sua vez, representa a dimensão pessoal do Estado, e este é formado por meio da institucionalização de uma nação sob uma égide constitucional. Salienta-se, assim, que é essencial o elemento e fator humano como requisito constitutivo e formador do próprio Estado, detentor da soberania e do poder constitucional.
7 ZEN, Cássio Eduardo. A prevenção a apatridia no contexto internacional. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v. 5, n. 5, p. 102, jan./jun., 2007.
8 Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. v. 2. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 999-1000.
9 Cf. MAY, Gaston. Éléments de droit romain a l'usage des étudiants des facultés de droit. Paris: Sirey,
dos "peregrini sine civilitate"
10, composta por estrangeiros que não possuíam qualquer
vinculação com Roma ou outra império, reino ou estado da época; em suma, os
considerados apátridas daquele momento histórico. Havia em Roma ainda outra categoria,
que era formada de pessoas que habitavam e se encontravam no território de domínio
romano, mas que não detinham qualquer proteção com base em lei nacional e nem gozavam
ou tinham reconhecidos seus direitos civil ("jus civile")
11; essas pessoas, sejam nascidas em
Roma ou estrangeiros, se aproximavam muito da noção atual de apátridas por não usufruir
de qualquer benefício, privilégio ou obrigação para com o Estado, já que sequer tinham
como reconhecida de forma oficial sua relação com o ente estatal em si. Já na Idade Média,
como já delineado, houve um esfriamento da concepção de nacionalidade devido ao
feudalismo, e por isso, conjuntamente, a ideia de apatridia desapareceu. Contudo, com as
revoluções burguesas, e refortalecimento do ideal de nacionalidade e seus direitos cidadãos,
sobretudo após o século XVIII, a questão da apatridia volta à tona, ganhando destaque a
partir do século XIX quando começou a ser esboçada em diversas legislações nacionais, em
destaque para o Império Alemão e a valorização exacerbada de seu nacional, gerando na
prática, e através do Direito, as primeiras observâncias de casos de apátrida nos tempos
modernos. Todavia, já no século XX, com o desencadear das duas Guerras Mundiais
12,
principalmente da Segunda Guerra Mundial
13, e posteriormente, com a bipolarização do
10 É o "termo amplo que compreendia todos os indivíduos que não gozavam integralmente do direito de cidade,
portanto, não só os latinos como os estrangeiros das duas primeiras designações mencionadas. Peregrinus foi a expressão pela qual genericamente se designou o estrangeiro ao tempo dos romanos, cujas conquistas abrangeram quase todas as partes do mundo então conhecido. Era o oposto do civis, do cidadão. Com respeito ao apátrida, cabem duas ordens de considerações: primeiramente, temos que considerar a situação do peregrinus sem nacionalidade conhecida, em face do direito romano em geral, e secundariamente, as suas relações privadas com o civis. [...] A condição jurídica do PEREGRINUS sem nacionalidade certa, sem cidade, distinguia-se, de algum modo, da situação do titular de nacionalidade certa, de determinada cidade. [...] A proteção dada pelos romanos ao direito do estrangeiro, em geral, era, como veremos adiante, simile á que hoje vigora, particularmente quando se refere ao estrangeiro sem pátria certa, ao apátrida." GUERIOS, José Farani Mansur. Condição jurídica do
apátrida. 1956. 66 f. Tese (Concurso á cadeira de Direito Internacional Privado) - Faculdade de Direito do Paraná,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1956. p. 18-21-23.
11 Cf. WEISS, André. Droit international privé. 2. ed. Paris: Librairie de la Société du Recueil Général des
Lois et des Arrets, 1908. t. 2. p. 27-28.
12 Cf. GETTELL, Raymond G. Historia de las ideias politicas. Tradução de Teodoro González García,
Barcelona: Labor, 1930. t. 2. p. 300.
13 "As consequências da Segunda Guerra Mundial foram devastadoras. Uma delas foi tornar milhões de pessoas
apátridas. Nesse período, a apatridia passou a ser encarada como um problema universal; daí surgiu a necessidade de enfrentá-la e erradicá-la. " RODRIGUES, Gilberto M. A.; FERNANDES, Mariana. O regime jurídico internacional da apatridia: a América do Sul e o Caribe. Inter Relações, São Paulo, ano 12, n. 36, p. 3, jul./dez. 2012. E ainda: "O problema dos apátridas tornou-se de extrema importância depois da Segunda Grande Guerra. Antes da guerra, existiam leis em alguns países, principalmente nos Estados Unidos, segundo as quais a naturalização podia ser revogada nos casos em que a pessoa naturalizada deixasse de manter uma ligação genuína com o país de adoção. Aqueles que eram desnaturalizados dessa forma tornavam-se apátridas. Durante a guerra, os principais Estados europeus acharam necessário reformar suas leis para poderem cancelar a naturalização." SIMPSON, John Hope. The refugee problem. Oxford: Institute of International Affairs, 1939. p. 231. (tradução nossa).
mundo em capitalismo e socialismo durante a Guerra Fria, a situação se agravou ainda mais,
ganhando proporções mundiais, já que os sistemas políticos, culturais, jurídicos e nacionais
apresentados durante esses conflitos, como o nazismo alemão, o fascismo italiano e o comunismo
soviético previam a perda da nacionalidade
14e a total inoperância e falta de proteção estatal para
aqueles que fugissem e desertassem dos ideais políticos apresentados e sustentados pelos
respectivos regimes
15. A partir daí, com a intensa instabilidade política e institucional na África, e
o surgimento de inúmeros conflitos no Oriente, sobretudo na Ásia, fez a problemática virar uma
bola de neve, e hoje a apatridia apresenta-se como uma questão a nível global, já que não
constitui-se num desafio de apenas um único país, mas do ser humano em si na luta pelos seus
direitos, igualdades e liberdades fundamentais.
Os apátridas – homens e mulheres que não possuem ou lhes foi tirado o direito de uma nacionalidade – são um grupo social com maior ou menor número de pessoas – que por diversas razões pode existir em qualquer país. Mas ainda assim essas pessoas, estes seres humanos existem e clamam por viverem com dignidade e assistidos em suas necessidades fundamentais.16
A expressão
17"apátrida"
18vem do grego "a" como prefixo de privação e de
"patrís" ou "patrídos", que por sua vez, denotam a ideia de pátria
19. Assim, em linhas gerais,
apátrida é toda e qualquer pessoa que não possui uma pátria, uma nação, um Estado, e deles
14 Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. v. 2. p. 938.
15 Cf. MIRKINE-GUETZEVITCH, Boris. Las nuevas constituciones del mundo. 2. ed. Madrid: Editorial
España, 1931. p. 501-502.
16ANDRADE, William Cesar de; FANTAZZINI, Orlando. Dossiê “A Apatridia” - “O direito de se ter um lugar a que
chamamos de Pátria”. Cadernos de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania, Brasília, v. 6, n. 6, p. 33, dez. 2011.
17 Haviam inúmeras outras sugestões de terminlogiaspara se referir às pessoas que não possuíam nacionalidade.
Dentre elas, vale ressaltar: apátrides (Pontes de Miranda), apólides (origem grega), apolitia (Moreira de Azevedo e Rodrigo Otávio), apatria (Ilmar Penna Marinho), statelessness (Inglaterra), apolidi (Itália),
heimatlos (Alemanha), dentre outros. Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito
internacional privado. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935. t. 1. p. 192.
18 "A denominação da apatrídia para as pessoas sem nacionalidade foi criada por Charles Claro, advogado no Tribunal
de Apelação de Paris, em 1918. Na Alemanha, eles eram denominados de “heimatlos”, sem pátria, ou de “staatenlose” (sem Estado). Na Inglaterra, de “statelessness”. Outras denominações foram propostas, como a de “apolidi” (italiana), a de “apolitia” (Moreira de Azevedo), a de apatria (Ilmar Penna Marinho), etc. Entretanto, a de apátrida, e de apatrídia foram as consagradas nas convenções internacionais e por grande parte da doutrina (François, Vichniae, etc.)." MELLO, op. cit., p. 1000. Há ainda quem diga que é criação do jurista francês Pierre- Joseph Proudhon, ainda no século XIX. Cf. PROUDHON, Pierre-Joseph; VALETTE, M. Traite sur l'etat des
personnes. Paris: Lagier : Kessinger Publishing, 2010. Contudo, fato é que "a designação — apátrida —, no
entanto, está a tornar- se mais generalizada por dois precípuos motivos. Primeiramente, porque a definição nominal de — apátrida — mais se aproxima da definição real, isto é, o nome já traz implícitos os elementos componentes da ideia do objeto definido. Alem de mais consentânea com as exigências científicas, secundariamente, o termo tem a seu favor a origem) grega, pelo que é mais adaptável ánossa nomenclatura jurídica do que a expressão "heimatlos". " GUERIOS, José Farani Mansur. Condição jurídica do apátrida. 1956. 66 f. Tese (Concurso á cadeira de Direito Internacional Privado) - Faculdade de Direito do Paraná, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1956. p. 10.
não usufrui dos direitos inerentes da nacionalidade
20. E daí que surge seu sinônimo alemão,
heimatlos
21, que constitui-se na pessoa que não possui nacionalidade
22, ou seja, "[...] são
aquelas pessoas que não possuem pátria, em outras palavras significa aquele indivíduo que se
encontra desprovido de nacionalidade"
23. Na verdade, os apátridas são pessoas que perdem
seu elo de ligação com o Direito Internacional Público, ou seja, a nacionalidade, já que ela é o
nexo tradicional entre o Direito das Gentes e os indivíduos em ceara internacional, e que
confere proteção, tutela e amparo jurídico-político e diplomático pelo Estado frente aos
demais países e organismos globais.
24"[...] Podemos definir a apatridia, juridicamente, como
sendo a condição irregular de indivíduos sem pátria, por desconhecimento de sua origem,
deficiência de legislações ou erros de conduta desses mesmos indivíduos."
25São, na
20 "El término apátrida es complicado de definir. Se pueden realizar interpretaciones lingüísticas de la palabra en
varios idiomas y obtener diferentes significados. De acuerdo a las palabras germánicas stateless, staatenlos (sin Estado) se podría interpretar como una persona que no tiene vínculo con el Estado. Por otro lado, la palabra francesa (apatride) y la palabra española (apátrida), nos dan a entender que el apátrida es una persona sin patria, es decir sin un vínculo emocional hacia un país. Por último, por la palabra italiana (apolide) se puede comprender que es la persona que no tiene vínculo con el polis o comunidad política. La definición jurídica específica la da la Convención del Estatuto de los Apátridas de 1954, que señala que es toda persona que no sea considerada como nacional de ningún Estado conforme a su legislación. Aunque se trata de una definición sencilla, ésta contiene varios elementos problemáticos." HUNGRÍA, Gábor. Gyulai. La apatridia: significado, magnitudes y alcances de la
protección. Aportes Andinos: Revista Electrónica del Programa Andino de Derechos Humanos, Quito, n. 29, p. 1-2, ago. 2011. Disponível em: <http://www.uasb.edu.ec/UserFiles/369/File/PDF/CentrodeReferencia/Temasdeanalisis2/ apatridiaydh/articulos/gyulai.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2014. Tradução nossa: "O termo apátrida é difícil de se definir. Interpretações linguísticas podem ser feitas da palavra em vários idiomas e dai ter significados diferentes. De acordo com as palavras germânicas para apátridas, staatenlos (sem Estado) poderia ser interpretado como uma pessoa que não tem nenhuma ligação ou vínculo com o Estado. Por outro lado, a palavra francesa (apatride) e a palavra espanhola (apátrida) , sugere que o apátrida é uma pessoa sem pátria, ou seja, sem uma ligação emocional com um país. Finalmente, a palavra italiana (apolide) pode entender que uma pessoa que não tem qualquer ligação com a sociedade ou comunidade política. A definição legal específica é dada pela Convenção do Estatuto dos Apátridas de 1954, que afirma que apátrida é toda pessoa que não é considerada como um cidadão ou nacional de nenhum Estado conforme sua legislação nacional. Embora esta seja uma definição simples, contém vários elementos problemáticos."
21 "A denominação mais corrente é a de "heimatlos", vocábulo alemão composto de "lieimat" — domicílio —,
correspondendo no inglês ao "home", e "los" sufixo de ausência, correspondendo no inglês ao "less", isto é, sem domicílio. Foi a legislação suíça que primeiro tomou essa expressão para designar os habitantes sem nacionalidade. Na sua significação originária não corresponde precisamente á ausência de nacionalidade, pois o termo também exprime o vagabundo, que na técnica jurídica é aplicado aos próprios nacionais sem domicílio certo" GUERIOS, José Farani Mansur. Condição jurídica do apátrida. 1956. 66 f. Tese (Concurso á cadeira de Direito Internacional Privado) - Faculdade de Direito do Paraná, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1956. p. 9.
22 "Ser apátrida significa não possuir nacionalidade ou cidadania. É quando o elo legal entre o Estado e um
indivíduo deixa de existir. As pessoas apátridas enfrentam numerosas dificuldades em seu quotidiano: não possuem acesso aos serviços de saúde e educação, direitos de propriedade e direito de deslocar-se livremente. Eles também são suscetíveis a tratamento arbitrário e a crimes como o tráfico de pessoas. Sua marginalização pode criar tensões na sociedade e levar à instabilidade a nível internacional, provocando, em casos extremos, conflitos e deslocamentos." ANDRADE, William Cesar de; FANTAZZINI, Orlando. Dossiê “A Apatridia” - “O direito de se ter um lugar a que chamamos de Pátria”. Cadernos de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania, Brasília, v. 6, n. 6, p. 36, dez. 2011
23 OLIVEIRA, Erival da Silva. Direito constitucional - elementos do direito. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 121.
24 Cf. LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações
internacionais. Barueri: Manole, 2005. p. 146.
realidade, todos os indivíduos que não detém qualquer vínculo jurídico-social
26com um
Estado
27, ou seja, não possui nacionalidade, já que tal concepção de nacionalidade atual nasce
com o advento da figura estatal, e com ela atrela-se de forma íntima e inseparável, com
privilégios e obrigações
28; pois, um apátrida, em suma, é aquele que não está em uma relação
de direitos e deveres com um Estado qualquer
29, visto que, mesmo não detendo uma
identidade estatal, uma pessoa considerada apátrida pode ainda fazer parte de uma nação, já
que essa, como visto, é a comunhão de indivíduos que decidiram conviver coletivamente a
partir de identidades e semelhanças étnicas, religiosas, culturais, dentre outros (aspecto
objetivo), além do intuito de formar uma sociedade comum e desenvolver-se social, política e
juridicamente (aspecto subjetivo). Em outras palavras, "[...] L’apatridie est la situation de la
personne qu’aucun État ne considère comme son ressortissant. Elle se caractérise par
l’absence de protection internationale par un État."
30Essa concepção é ainda mais realçada
quando se leva em consideração a expressão utilizada para se referir aos apátridas no âmbito
internacional: stateless, ou seja, quem não possui um Estado. É ainda a forma como as
organizações responsáveis por sua tutela e amparo internacional se referem, como o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e o Refugees International, que são
organização destinada à proteção dos refugiados,mas diante da ausência de institutos e
organismos específicos, cuidam também dos apátridas. Desta forma, seria impossível alguém
não possuir qualquer identidade ou aproximação, seja objetiva ou subjetivamente, com algum
grupo social, e por sua vez, constituir-se ou fazer parte de algo reconhecido como nação, para
que num futuro, se institucionalizem, e assim, formem um Estado sob a égide atual.
26 A nacionalidade, como já visto, constitui-se no "vínculo jurídico y político que existe entre las personas y el Estado
como origen y garantia de derechos y deberes recíprocos." BUSTAMANTE Y SIRVEN, Antonio Sanchez de.
Derecho internacional privado. Havana: Cultural, 1943. t. 1. p. 224. Tradução nossa: "Vínculo jurídico e político
que existe entre as pessoas e o Estado como origem e garantia de direitos e deveres recíprocos."