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CAPÍTULO 1 A NACIONALIDADE COMO DIREITO UNIVERSAL

1.3 Soberania dos Estados versus direito internacional dos apátridas à nacionalidade

1.3.3 O fortalecimento do direito internacional e a nova postura intervencionista das

Até aqui foi visto a construção do ideal de Estado e sua noção de soberania, além de

como toda esta estrutura se levantou contra a afirmação de direitos fundamentais do homem,

como o direito de nacionalidade. Outrossim, foi salientado algumas propostas de flexibilização

da soberania estatal, o que por sua vez, afirmaria, ou pelo menos abriria o caminho, para uma

maior garantia e extensão da nacionalidade a todos, sem distinção de raça, cor, língua, cultura e

nem discussão se há ou não vínculo com um Estado para que se faça jus aos seus direitos

inerentes. Neste capítulo, ver-se-á o surgimento das organizações internacionais

institucionalizadas e seu papel desempenhado na defesa do próprio homem e suas

liberdades/bens jurídicos fundamentais

390

, reconhecidos e resguardados internacionalmente

após muitos episódios de fracassos e atrocidades entre os próprios seres humanos, já que "[...]

‘como será’ o direito – até mesmo o direito internacional – dependem em parte também de

nós, enquanto pessoas e enquanto filósofos ou juristas."

391

Como já foi dito, a construção de organizações internacionais que exerceriam uma

função cosmopolita na luta pela paz entre Estados e pelo direito de nacionalidade a todos, como a

própria Organização das Nações Unidas, o Tribunal Penal Internacional, dentre outros, surgiram a

partir dos esforços e evolução do pensamento de Immanuel Kant, da sua visão de cosmopolitismo

político e jurídico e do seu conceito se confederação universal de Estados livres.

Na evolução da filosofia federalista de Kant, é explicado de que um Estado federativo seria apenas uma república cosmopolita sob um chefe, isto é, um super- Estado que imporia a todos os Estados por ele englobados normas jurídicas, aniquilando, pura e simplesmente, a soberania deles; poderia até, a fim de reduzir os deferentes Estados à uniformidade, esforçar-se para apagar suas particularidades nacionais. [...] Ao passo que um federação de Estados livres deve repousar em pactos e tratados que permitam aos Estados selar entre si alianças voluntárias, em cujos termos eles se comprometem mutuamente. 'Federação' essa que em linguagem jurídica atual designa uma confederação.392

Como tudo isto já foi abordado e estudado no capítulo anterior, não aprofundar-

se-á mais ainda neste tema, mas importante destacar seu papel desempenhado na construção

da postura das organizações internacionais a partir daí. É certo que as normas impostas pelas

390 Surge também a partir de Hans Kelsen a proposta de limitar a soberania dos Estados através da inserção de

garantias jurisdicionais, como normas de direitos humanos e outros princípios internacionais, que combateriam a violação da paz e afirmariam liberdade fundamentais. Cf. KELSEN, Hans. Peace through law. Chapel Hill: The Lawbook Exchange, 2008.

391 FERRAJOLI, Luigi. A soberania do mundo moderno. Tradução de Carlo Coccioli e Márcio Lauria Filho.

São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 58.

392 CAMPOS, Maria da Conceição Oliveira. O princípio das nacionalidades nas relações internacionais. Belo

organizações internacionais, como a ONU, o TPI, e à própria União Europeia, só adquirem

caráter jurídico e status obrigatório a ser seguido a partir do momento que um Estado adere e

ratifica ao seus acordos constitutivos, e mais, o faz ganhar validade em seu plano interno com

a devida incorporação em sua Constituição nacional ou como outra lei respeitando o correto

processo legislativo para tal. Por isso, o fim almejado por Kant e sua proposta cosmopolita de

confederação universal ainda se apresenta em construção, já que a principal norma emanada

de tais organizações, os direitos humanos, ainda detém uma postura fortemente mais moral do

que jurídica em relação aos Estados soberanos

393

.

Contudo, a própria evolução e construção do ideal de organização internacional

foi obtida após muitos fracassos e esforços conjuntos da humanidade, que diante de quadros

pavorosos e degradantes, resultados da ação desenfreada das soberanias dos Estados

394

, se viu

como a única alternativa para a garantia da vida em coletividade no plano internacional

395

.

Expor-se-á de forma breve sua evolução a partir dos principais pontos históricos.

Do Estado Clássico surgido do constitucionalismo moderno, após as Revoluções Americana e Francesa, para o Estado Plurinacional, que adentrará o século XXI, há um abismo profundo. [...] em outras palavras, o Estado Moderno está, em sua formulação clássica de soberania absoluta, falido, devendo ceder campo a um Estado diferente no futuro. [...] na União Europeia, o Direito comunitário prevalece sobre o Direito local e os poderes comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas, criando uma autêntica Federação de países. [...] nada obstante as dificuldades, é o primeiro passo para a universalização do Estado, que deve ser "Mínimo e Universal". [...] a universalização do Estado, em nível de poderes decisórios, seria compatível com a autonomia dos Estados locais, aceitando-

393 Sobre o processo de judicialização das normas de direitos fundamentais, sobretudo, do papel a ser

desempenhado pelas organizações internacionais, como a ONU: "Se quisermos que tais cartas sejam levadas à sério, como normas e não como declarações retóricas, faz-se necessário que essa falta de garantias seja reconhecida, pela cultura jurídica e política, como uma lacuna, cujo preenchimento é obrigação da ONU e, portanto, dos Estados que a esta aderem." FERRAJOLI, Luigi. A soberania do mundo moderno. Tradução de Carlo Coccioli e Márcio Lauria Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 54.

394 "As unidades políticas deveriam, antes de mais nada, deixar de ambicionar a extensão da sua soberania a

territórios ou populações estrangeiros – condição que não e absurda ou irrealizável. Se admitirmos que os homens têm ciência da sua nacionalidade, isto é, da comunidade política e cultural à qual desejam pertencer, por que razão os Estados deveriam integrar pela força grupos que se consideram estrangeiros, impedindo-os de se unir à nação da sua escolha? [...] Além da satisfação, nascida do respeito por um princípio de legitimidade, deve haver a suspensão da rivalidade em termos de terras e de homens, de forças, de ideias e de amor próprio. Não há hipóteses irrealizáveis. (Mas) a almejada satisfação só será durável e segura se for geral. De fato, se um dos atores for ambicioso, ou parecê-lo, os outros não abandonarão o ciclo infernal da competição. [...] uma paz de satisfação supõe que haja confiança generalizada [...] se as unidades políticas encontrarem uma base para a sua segurança que não seja a força." ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Tradução de Sérgio Bath. Brasília, DF: Ed. Universidade de Brasília, 1979. (Pensamento político). p. 231-232.

395 "Se não for possível uma Sociedade dos Povos razoavelmente justa, cujos membros subordinam o seu poder a

objetivos razoáveis, e se os seres humanos forem, em boa parte, amorais, quando não incuravelmente descrentes e egoístas, poderemos perguntar, com Kant, se vale a pena os seres humanos viverem na terra." RAWLS, John. O

se a Federação Universal de países e eliminando-se a Federação de cada país, que cria um poder intermediário que, muitas vezes, se torna pesado e inútil.396

Apesar da ideia de aproximações internacionais com fim de formar sociedades

políticas seja antiga, já datadas desde à época da Grécia Antiga, e cujas quais pode-se afirmar

serem as ancestrais da noção atual de organizações internacionais, estas apenas surgem dos

esforços conjuntos a partir do século XX

397

, quando os problemas ganharam proporções

globais, alcançando e atingindo praticamente todos os povos e Estados, o que, por sua vez,

obrigaram atuações também em âmbito global

398

. Assim, em virtude do intenso traumatismo,

das profundas perdas e da grandiosa destruição e degradação humana observados durante a

Primeira Guerra Mundial, observa-se os primórdios da institucionalização em cerne

internacional para o surgimento de uma organização global, a fim de sanar os anseios e os

gritos de necessidade dos homens da época: deste modo, surge a Liga das Nações em 1919

como instituição criada sob a luz dos tratados de paz do mesmo ano, em destaque o Tratado

de Versalhes que pôs fim à Guerra. Criada sob a óptica de uma organização com vocação

universal, estabeleceu uma estrutura complexa e ponderou o equilíbrio dos interesses das

grandes e das pequenas potências da época; contudo, surgiu já destinada ao fracasso, pois

apesar de emanar dos 14 pontos do presidente norte-americano Wilson

399

, da célebre

Mensagem ao Congresso de 1918, o próprio Estados Unidos da América não aderiram ao

396 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 13-28.

397 Antes disso, houveram várias organizações que esboçavam ideias e esforços em prol de uma estruturação

internacional comum a vários povos e nações, como a própria Santa Aliança e o Concerto Europeu, já que não era institucionalizadas e nem se apresentavam como substitutos no âmbito internacional, ainda que parcialmente e de apenas uma parcela, da própria soberania dos Estados. No entanto, já no século XIX, devido ao grande período de paz que se observou no mundo após a queda de Napoleão, observou-se dois tipos de organizações internacionais, mais próximos da concepção a ser desenvolvida no século XX: as Comissões Fluviais e as Uniões Administrativas. Foram duas as Comissões Fluviais de destaque: a Comissão Fluvial do Reno, emanada como Ato final do Congresso de Viena e criada pela Convenção de Mayence de 1831; e a Comissão Fluvial do Danúbio, surgida do Tratado de Paria de 1856. Já as Uniões Administrativas foram criadas com o fim de facilitar a cooperação internacional no domínio da técnica, destacando-se: a União Telegráfica Internacional de 1865; o Departamento Internacional de Pesos e Medidas de 1875; a União Postal Universal de 1878; a União para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas de 1883; dentre várias outras. Cf. CAMPOS, Maria da Conceição Oliveira. O princípio das

nacionalidades nas relações internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 189-190.; Cf. DAILLIER,

Patrick; PELLET, Alain. Droit international public. 5. ed. Paris: LGDJ, 1994. p. 400-410.; Cf. ABERASTURY, Marcelo. Política mundial contemporanea: estructura y dinámica de las relaciones internacionales. Buenos Aires: Paidos, 1970. p. 50-55.

398 "A história nos ensina que os direitos não caem do céu, e um sistema de garantias efetivas não nasce numa

prancheta, não se constrói em poucos anos, nem tampouco em algumas décadas. Assim foi com o estado de direito e com nossas democracias ainda frágeis, que só se afirmaram à custa de longas batalhas no campo das ideias e de lutas sangrentas. Seria irracional pensar que o mesmo não acontecerá com o direito internacional e não nos empenharmos na parte que nos cabe." FERRAJOLI, Luigi. A soberania do mundo moderno. Tradução de Carlo Coccioli e Márcio Lauria Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 63.

399 Destacando os pontos 1, 2, 3 e principalmente o 14. Nesse sentido, Pontos 1, 2, 3 e 14, da Mensagem ao Congresso

de 1918, in verbis: "1) "acordos públicos, negociados publicamente", ou seja a abolição da diplomacia secreta; 2) liberdade dos mares; 3) eliminação das barriras econômicas entre as nações; 14) uma Liga das Nações, órgão internacional que evitaria novos conflitos atuando como árbitro nas contendas entre os países."

acordo, o que enfraqueceu a instituição em si

400

, o que favoreceu cair no esquecimento os

motivos que ensejaram sua criação

401

, e assim, tornando-a frágil para os eventos que

sucederiam e provocariam a próxima Grande Guerra.

Deste modo, com o advento da Segunda Guerra Mundial, tornou-se oficial a derrota

da Liga das Nações, declarando-se seu fim com o estopim bélico. Contudo, os eventos produzidos

durante o período, o mal ativo e passivo em evidência

402

e as atrocidades extremas observadas na

Guerra despertaram no âmago das nações a necessidade de limitação da soberania estatal

absoluta, o que estimulou a necessidade de uma cooperação internacional melhor

institucionalizada que afastasse uma ocorrência de tal magnitude novamente no mundo

403

. É fato

que "[...] antes da Segunda Grande Guerra Mundial, os apelos em favor de uma organização

estruturada das relações internacionais restaram por muito tempo no domínio da doutrina ou da

propaganda"

404

, já que o triunfo das relações internacionais de forma institucionalizada até então

representaria a limitação da soberania dos Estados

405

; o que pareceu mais coerente apenas após os

episódios grotescos observados durante a Guerra. Assim, surge a Organização das Nações Unidas,

a partir da Conferência de São Francisco de 1945 e da Carta constitutiva com mesmo nome

406

,

referencial no que se refere ao papel desempenhado por uma organização internacional em prol da

afirmação de direitos fundamentais

407

como a nacionalidade e da cooperação internacional

408

; e

daí, parâmetro para este capítulo do trabalho.

400 "A negativa do Senado americano em aprovar o Pacto da Sociedade das Nações debilitou a entidade desde os

seus primeiros dias." ABERASTURY, Marcelo. Política mundial contemporanea: estructura y dinámica de las relaciones internacionales. Buenos Aires: Paidos, 1970. p. 55. (tradução nossa)

401 Cf. HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo: Companhia das

Letras, 1997.

402 O Mal ativo seria a maldade pura, o desejo de fazer sofrer alguém, de causar inconveniências e atrocidades

aluem. Já o Mal passivo seria o próprio sofrimento, lamento e consequências enfrentadas por quem recebe as atuações do Mal ativo. Na Segunda Guerra Mundial, com o nazismo, vê-se claramente em ultrapassando os limites e alcançando impactos inimagináveis, ambos os 'mals'. Cf. BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade e

outros escritos morais. São Paulo: Ed. UNESP, 2002. p. 24 e p. 182.

403 "A Carta da ONU procurou responder ao ineditismo da escala sem precedentes do mal da experiência da Segunda

Guerra Mundial e de seus antecedentes. [...] Fez, assim, da tutela dos direitos humanos no plano internacional não um tema circunscrito, mas um tema global." LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo

com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 85.

404 CAMPOS, Maria da Conceição Oliveira. O princípio das nacionalidades nas relações internacionais. Belo

Horizonte: DelRey, 2003. p. 190.;

405 Cf. DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Droit international public. 5. ed. Paris: LGDJ, 1994. p. 400-410 406 "A Carta de São Francisco, no dizer de Pierre Dupuy, fez dos direitos humanos um dos axiomas da nova

organização, conferindo-lhes idealmente uma estatura constitucional no ordenamento do direito das gentes. Três anos mais tarde, em 10.12.1948, a Assembleia Geral acalma a Declaração Universal dos Direitos do Homem, texto que exprime de modo amplo - e um tanto precoce - as normas substantivas pertinentes ao tema, e no qual as convenções supervenientes encontrariam seu princípio e sua inspiração." REZEK, Francisco. Direito internacional

público: curso elementar. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 211.

407 Preâmbulo, da Carta das Nações Unidas de 1945, in verbis: "Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a

preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a

A elaboração da Carta das Nações Unidas em 1945 marcou a criação de uma relevante organização internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU), cujos principais objetivos a serem destacados compreendem: garantir a manutenção da paz e da segurança internacional, promover os direitos humanos e a cooperação internacional no âmbito econômico-social para evitar retrocessos. Podemos dizer que a criação da ONU foi um marco no processo de internacionalização dos direitos humanos. Após a sua criação, diversos instrumentos internacionais de tutela de tais direitos foram discutidos e aprovados.409

E ainda, seguindo este mesmo pensamento:

A criação das Nações Unidas, com suas agencias especializadas, marca o surgimento de uma nova ordem internacional que instaura um modelo de conduta nas relações internacionais, com preocupações que incluem a manutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, o alcance da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, o alcance de um padrão internacional de saúde,a proteção do meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica e internacional e a proteção internacional dos direitos humanos.410

Com a ONU e a Carta de São Francisco, elabora-se também a Declaração

Universal dos Direitos Humanos de 1948, documento vital na luta pelos direitos humanos sob

o prisma do interesse coletivo e internacional

411

, e não apenas mais ao arbítrio interno dos

Estados, criando-se assim o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH); e que

também inicia um processo de elevação da pessoa humana como sujeito do Direito

Internacional e como pessoa suscetível de participar e usufruir dos direitos inerentes às

estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para tais fins praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos,e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução desses objetivos. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas." ONU. Carta das Nações Unidas de

1945. São Francisco, 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841

.htm > Acesso em: 5 mar. 2015.

408 Surgiram além da ONU, inúmeros outros órgãos e acordos que trabalhavam nesse sentido, como o Acordo

Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e todas as agencias especializadas reflexos dos desdobramentos da própria ONU, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial da Saúde (OMS), dentre outras.

409 BAPTISTA, Olívia Cerdoura Garjaka. Direito de nacionalidade em face das restrições coletivas e arbitrárias. Curitiba: Juruá, 2007. p. 62.

410 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva,

2012. p. 139-140.

411 A Declaração de 1948 definitivamente afirmou o caráter internacional dos direitos humanos, influenciado todas as

Constituições nacionais e tratados internacionais que surgiriam para frente e até todos já exsitentes. Cf. LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 37-38.

relações globais

412

, além da construção do ideal de dignidade extensivo a todos, inclusive os

vulneráveis, minorias e renegados, como os migrantes, deslocados, refugiados e apátridas.

A dogmática do DIDH tem como seu primeiro documento a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Neste sentido, a Declaração inaugura uma nova fase do Direito. Comenta Celso Lafer: "A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, consagrada pela Assembleia Geral da ONU (e que fez eco às Declarações que estão na base da Revolução Americana e da Francesa), assinala a nova vis directiva. Configurou- se como a primeira resposta jurídica da comunidade internacional ao fato de que o direito de todo ser humano à hospitalidade universal, apontado por Kant no 'Projeto de Paz Perpétua', e contestado na prática pelos refugiados, pelos apátridas, pelos deslocados, pelos campos de concentração e pelo genocídio, só começaria a viabilizar-se se o 'direito a ter direitos' tivesse uma tutela internacional, homologadora do ponto de vista da humanidade." Essa tutela internacional a que se refere o texto anterior, será a obra do conjunto do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A primeira e inegável mudança trazida pela Declaração é a transformação da pessoa humana em sujeito de direito na ordem internacional.413

Assim, a ONU surge da necessidade de criação de uma organização que regularize de

forma institucional e no âmbito internacional as relações entre Estados e de Estados com indivíduos,

mas não sob um cerne absoluto de transferência total da soberania dos países para tal organização,

mas apenas de uma parcela referente à necessidade mútua e ao coletivo interesse da paz e da