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O Conflito de competência entre ICMS e ISS na tributação do software

3 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E O CONFLITO ENTRE ICMS E ISS NA

3.3 CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE ICMS E ISS

3.3.6 O Conflito de competência entre ICMS e ISS na tributação do software

Conforme já visto, os softwares são definidos como uma criação intelectual, sendo considerados como bens intangíveis e que não se confundem com o suporte utilizado.

Verifica-se que até meados da década de 80, o software não era referido na legislação brasileira. A lei nº 7.646/87 foi a primeira a tratar sobre o tema, contudo, foi revogada pela lei nº 9.609/98, que trouxe em seu art. 2º51 que o regime de proteção

dos programas de computador é o mesmo conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais.

Segundo Wachowicz (2001, p. 35), conforme citado por Araújo Júnior (2018, p. 49), países como França e Alemanha tutelam o software pelo direito autoral desde meados de 1985, e que tal regulamentação começou a ser utilizada na Europa pela Convenção de Concessão de Patentes Europeias na Convenção de Munique em 1973.

Retornando para o contexto nacional, tendo em vista a disputa entre Estado e Município acerca da tributação do software, configurando um conflito de competência, e da situação de incerteza e insegurança jurídica que se instalou no país acerca do tratamento adequado que se daria em relação à sua comercialização, a questão chegou aos Tribunais Superiores.

Ao julgar o RE nº 176.626-3/SP, o STF entendeu que, sobre o software padronizado, também conhecido como software de prateleira, por se tratar de mercadoria posta no comércio, a incidência é do ICMS. Já em relação ao software por encomenda, que é quando o contratante procura um desenvolvedor com uma demanda específica, por se tratar de um serviço, há incidência de ISS.

51 Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às

obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

Contudo, com a evolução tecnológica e a popularização dos meios de acesso à internet, a economia digital se diversificou, de forma que os softwares também evoluíram e passaram por transformações.

Com o surgimento da computação na nuvem e as operações acontecendo mediante download, os Estados e os Municípios começaram a se posicionar em relação ao tema de modo que mais uma vez houve discussão e disputa pela tributação.

A questão do download chegou ao STF com a ADIn nº 1.945. Embora ainda esteja aguardando julgamento, o entendimento adotado citou o julgamento dos Recursos Extraordinários nº 176.626-3/SP e nº 199.464/SP52 no deferimento da

liminar, e se posicionou pela irrelevância de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito.

Tendo em vista o contexto de incertezas acerca da matéria que envolve as operações com softwares, também é importante analisar como os Estados, os Municípios e a jurisprudência vêm tratando o assunto, até como forma de entender melhor o conflito de competência que vem ocorrendo.

Diante da nova realidade das tecnologias, foi editado pelo CONFAZ o Convênio ICMS 181, de 28 de dezembro de 201553, o qual autoriza, em sua cláusula primeira,

os Estados a concederem redução de base de cálculo do ICMS nas:

operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, inclusive nas operações efetuadas por meio da transferência eletrônica de dados.

Analisando a redação apresentada, verifica-se que o convênio autorizou os Estados a instituírem ICMS sobre as operações com softwares disponibilizados por qualquer meio, ainda que sejam adaptados.

52 O Recurso Extraordinário nº 199.464/SP confirmou o entendimento adotado pelo RE nº 176.626-

3/SP

53 Convênio ICMS 181, de 18 de dezembro de 2015, que “Autoriza as unidades federadas que

especifica a conceder redução de base de cálculo nas operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres na forma que especifica.”. Disponível em: <https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2015/CV181_15>. Acesso em:

Após a edição do Convênio pelo CONFAZ, foi publicada a Lei Complementar nº 157, de 29 de dezembro de 201654, a qual incluiu diversos serviços relacionados à

computação em nuvem, como o subitem 1.0355 e manteve o licenciamento de uso de

software, previsto no subitem 1.05, na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Posteriormente o Confaz editou o Convênio ICMS 106, de 29 de setembro de 201756, o qual disciplina a cobrança do ICMS nas operações com bens e mercadorias

digitais comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados.

Em relação ao Convênio supracitado, importante destacar que está sendo objeto de ADIn, sob o nº 5.95857, ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas

de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), em que questiona o convênio e também busca a declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, de dispositivo da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), para afastar qualquer possibilidade de incidência do tributo sobre operação que envolvam softwares.

Analisando o andamento da ADIn nº 5.958, o Ministro Dias Toffoli, diante da relevância da matéria, enquanto relator, determinou a aplicação do procedimento do art. 1258, da Lei nº 9.868/9959, a fim de que a decisão seja tomada em caráter definitivo.

Assim, nos seguintes termos:

54 Lei complementar nº 157, de 29 de dezembro de 2016, que Altera a Lei Complementar no 116, de

31 de julho de 2003, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, a Lei

no 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), e a Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990, que “dispõe sobre critérios e prazos de crédito das parcelas do produto da arrecadação de impostos de competência dos Estados e de transferências por estes recebidos, pertencentes aos Municípios, e dá outras providências”. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp157.htm>. Acesso em:

55 1.03 - Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos,

páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres.

56 Convênio ICMS 106, de 29 de setembro de 2017, que “Disciplina os procedimentos de cobrança do

ICMS incidente nas operações com bens e mercadorias digitais comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados e concede isenção nas saídas anteriores à saída destinada ao consumidor final.”. Disponível em:

<https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2017/CV106_17>. Acesso em:

57 ADI nº 5.958, que tem como partes: Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da

Informação e Comunicação (Brasscom) e Presidente do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5484103>. Acesso em:

58 Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu

especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador- Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

59 Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que “Dispõe sobre o processo e julgamento da ação

direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm>. Acesso em:

Em razão da relevância da matéria, entendo que deva ser aplicado o procedimento abreviado do art. 12 da Lei nº 9.868/99, a fim de que a decisão seja tomada em caráter definitivo.

Solicitem-se informações aos órgãos requeridos, intimando-se o Senhor Ministro de Estado da Fazenda e os Senhores Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, para que, no prazo comum de dez dias (art. 12 da Lei nº 9.868/99), prestem as necessárias informações a respeito do que contido na inicial.

Após, abra-se vista, sucessivamente, no prazo de cinco dias, ao Advogado- Geral da União e ao Procurador-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 21 de junho de 2018.

Importante também trazer o artigo utilizado pelo Ministro:

Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

Em que pese a determinação ter acontecido do dia 21 de junho de 2018, a demanda ainda aguarda julgamento.

Outro exemplo de como a questão vem sendo tratada, diz respeito especificamente ao Estado de São Paulo.

A Secretaria da Fazenda editou a Resposta à Consulta Tributária 15.093/2017, em que equiparou os serviços de streaming à utilização do software na nuvem, entendendo que “a comercialização de software padronizado, ainda que seja ou possa ser adaptado, em regra, está sujeita à incidência do ICMS independentemente da forma como se dê, seja por mídia física ou por transferência eletrônica de dados (download ou streaming)”

Após, o município de São Paulo também se posicionou sobre o tema, com a edição do Parecer Normativo 1/2017, em que estabelece a incidência do imposto municipal sobre “o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, por meio de suporte físico ou por transferência eletrônica de dados, ou quando instalados em servidor externo”. Seria o equivalente ao item 1.05 da Lei Complementar nº 116/2003).

Ainda em relação ao que vem acontecendo em São Paulo, também foi ajuizada ADIn sob o nº 5.57660, em que se pleiteia suspensão de eficácia do art. 3º, II, da Lei

nº 8.198/92 e dos Decretos nº 61.522/15 e nº 61.791, do Estado de São Paulo. O Ministro Luís Roberto Barroso, relator, também adotou o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/1999 em razão da relevância da matéria. A ação ainda aguarda julgamento. Verifica-se, assim, que apenas em relação às situações descritas, há três Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o que demonstra o conflito que vem ocorrendo, e como um posicionamento em relação a questão é de extrema importância.

Por fim, resta aguardar o posicionamento do STF em relação ao tema.

Em relação às jurisprudências, cabe apontar que o Estado de Santa Catarina vem se posicionando conforme o RE nº 176.626-3/SP:

TRIBUTÁRIO. ISS. LICENCIAMENTO E CESSÃO DE USO DE PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. SOFTWARE DE PRATELEIRA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PERSONALIZADO. ATIVIDADE MERCANTIL NÃO SUJEITA À INCIDÊNCIA DO IMPOSTO MUNICIPAL. "1. Os

programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS. 2. Diferentemente, se o programa é criado e vendido de forma impessoal para clientes que o compram como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS. 3. Hipótese em que a empresa fabrica programas em larga escala

para clientes." (REsp 1.070.404/SP, rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 26-8-2008) REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. AÇÃO PROPOSTA APÓS A VIGÊNCIA DA LC N. 118/2005. MATÉRIA DECIDIDA PELO STJ, SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. TERMO INICIAL. DATA DE CADA PAGAMENTO. LAPSO PRESCRICIONAL QUE ATINGIU PARTE DA PRETENSÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO. "[...] Com base nesse precedente, o Superior Tribunal de Justiça realinhou sua jurisprudência (REsp n. 1.269.570/MG, Rel. Min. Mauro Campbel Marques), dizendo que, nas ações propostas após o início da vigência da Lei Complementar n. 118/2005 (9.6.2005), a prescrição da pretensão de repetição de indébito é quinquenal, e não decenal, e deve ser contada a partir de cada pagamento do tributo indevido, ainda que ocorrido anteriormente àquele termo." (AC n. 2013.013402-6, da Capital, rel. Des. Jaime Ramos, Quarta Câmara de Direito Público, j. 10-7-2014). DÉBITOS ANTERIORES AO ADVENTO DA LEI N. 11.960/2009. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC. "''Na espécie, em se tratando de repetição do indébito tributário, incide apenas correção monetária, calculada com base no INPC até a entrada em vigor da Lei n. 11.960/2009 [...].' (TJSC, Apelação Cível n. 2012.001435-0, de Itaiópolis, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. 24-09-2013)' (AC n. 2011.095571-6, da Capital, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 15-7-2014)." (AC n. 2012.010296-1, da Capital, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 2-12-2014). PARCELAS VENCIDAS A PARTIR DE 30-6-2009. APLICAÇÃO

60 ADI nº 5.958, que tem como partes: Confederação Nacional de Serviços (CNS) e Governador do

Estado de São Paulo. Disponível em:

DA LEI N. 11.960/2009 ATÉ O DIA 25-3-2015 E INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC APÓS ESSA DATA, NOS TERMOS DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES NAS ADIS 4357 E 4425 PELO STF. RECURSO PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2013.079685-7, de Chapecó, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 25- 08-2015). (grifei)

Em relação ao Estado de São Paulo, no que diz respeito ao download, a jurisprudência vem seguindo o que foi decidido na medida cautelar na ADIn nº 1.945, conforme pode ser verificado abaixo:

Apelação. Mandando de segurança. Preliminar vencida. Mandado de segurança contra lei em tese. Inocorrência. Empresa cuja atividade é coerente com as normas que busca impugnar. Demanda improcedente. ICMS

que pode incidir sobre softwares independentemente da sua forma de distribuição, seja por mídia física ou download. Suporte legal contido na Lei Kandir e na Lei do ICMS Paulista. Bitributação com o ISS. Inocorrência. Distinção entre software “de prateleira” e customizado. ADI 1945/MC. Sentença parcialmente reformada. Improcedência reconhecida. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP – APL: 10327687020188260053 SP 1032768-70.2018.8.26.0053, Relator: Fernão Borba Franco, Data de Julgamento: 10/12/2018, 7ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/12/2018).

Verifica-se, então, a tendência da jurisprudência seguir o que já foi estabelecido pelo STF, tanto no RE nº 176.626-3/SP quanto na ADI 1.945/MT.

Contudo, tendo em vista o contexto instável apresentando, existe nítido conflito de competência tributária, o que afeta a previsibilidade tributária e instala uma situação de insegurança jurídica. De um lado, o Estado se considera competente para cobrar tributo, posicionando-se pela incidência do ICMS, e de outro, de acordo com o Município, tais operações estão submetidas à incidência de ISS.

A questão só será plenamente resolvida com uma decisão final e definitiva do STF em relação ao tema.

4 TRIBUTAÇÃO DO SOFTWARE NO BRASIL: AS PRINCIPAIS DECISÕES DOS