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O PROJETO DE LEI Nº 55/2019 DO ESTADO DE SANTA CATARINA

4 TRIBUTAÇÃO DO SOFTWARE NO BRASIL: AS PRINCIPAIS DECISÕES DOS

4.2 O PROJETO DE LEI Nº 55/2019 DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Com iniciativa do Governador do Estado de Santa Catarina, nos termos do art. 50, caput63, da Constituição do Estado, o Projeto de Lei (PL) nº 55/201964 visa alterar

a Lei nº 10.297/1996, que “Dispõe sobre o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS e adota outras providências”. O assunto é de tamanha relevância que cabe fazer uma síntese e trazer alguns apontamentos presentes na exposição de motivos da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina, que acompanhou o PL encaminhado pelo Governador na mensagem nº 084, direcionado a Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC).

A exposição de motivos começa indicando que em seu art. 1º, o PL prevê a inclusão do inciso VIII ao caput do art. 2º65, da Lei nº 10.297/96, estipulando que a

63 Art. 50. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da

Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

[...]. Disponível em: <http://leis.alesc.sc.gov.br/html/constituicao_estadual_1989.html>. Acesso em:

64Disponível em:

<http://visualizador.alesc.sc.gov.br/VisualizadorDocumentos/paginas/visualizadorDocumentos.jsf?toke n=1761d1e73aa748bb8cea29652c79aba7e173c5fd68ecda68be6d99c145bb59cc47a406913fc2118ee 14b1a334f96cf39>. Acesso em:

65 Art. 2° O imposto tem como fato gerador:

I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

IV - o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V - o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual;

VI - o recebimento de mercadorias, destinadas a consumo ou integração ao ativo permanente, oriundas de outra unidade da Federação;

VII - a utilização, por contribuinte, de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado ou no Distrito Federal e não esteja vinculada à operação ou prestação subseqüente.

disponibilização de bens digitais como softwares, jogos eletrônicos, aplicativos, programas, arquivos eletrônicos e congêneres, mediante transferência eletrônica de dados e quando se caracterizarem como mercadorias, também será fato gerador do ICMS. Assim, tem-se que o PL visa determinar a incidência do imposto sobre a circulação das chamadas mercadorias digitais.

O documento continua fazendo referência ao RE nº 176.626/SP, em que o STF admitiu a incidência do ICMS sobre o chamado “software de prateleira”, e reconheceu a não incidência sobre os licenciamentos ou cessão do direito de uso dos programas de computador.

Importante ressaltar que o STF, à época, considerou cópias ou exemplares de programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo como software de prateleira, os quais materializando a criação intelectual do programa, nada mais eram do que mercadorias postas no comércio.

O documento pontuou, ainda, que com o desenvolvimento da tecnologia, a transmissão eletrônica de dados (downloads, etc) tornou-se algo muito comum, e com a disponibilização de softwares através desse meio, o posicionamento do STF foi superado em parte, uma vez que o uso do suporte físico para veiculação do programa foi utilizado como critério de diferenciação para situação de incidência ou não do imposto.

Diante de várias situações em que a dúvida pairava em relação ao tributo que incidiria ou não na operação, mais uma vez o STF se viu diante da questão quando do julgamento da ADI 1.945 MT66, em 2010, e posicionou-se pela irrelevância da

inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito.

Outra alteração prevista no PL, é a renumeração do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.297/1996, acrescentando o § 2º ao mesmo artigo, o qual estabelece quando um bem digital será considerado mercadoria:

§ 2º Para fins de incidência do disposto no inciso VIII do caput deste artigo, o bem digital será considerado mercadoria quando a sua disponibilização ao consumidor final ou usuário:

I - sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a finalidade;

II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;

III - sobre a entrada, no território do Estado, em operação interestadual, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.

66 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945. Disponível em:

I – compreender a transferência de sua titularidade, inclusive do direito de dispor do bem digital; e

II – não estiver compreendida na competência tributária dos Municípios.

O que se tem, é que o novo parágrafo busca caracterizar as operações de circulação de mercadorias em relação aos bens digitais.

Nesse sentido, o documento começa a trabalhar a questão da definição do que é mercadoria, indicando que segundo a definição clássica de J. X. Carvalho de Mendonça, mercadoria “é o bem móvel adquirido (ou produzido) para fins de mercancia”. Dessa forma, o que define se determinado bem é ou não uma mercadoria, é a finalidade para a qual ele foi adquirido, de forma que em um primeiro momento um determinado bem pode ser considerado mercadoria, e no momento seguinte já não ser mais.

Como exemplo da segunda situação, a exposição de motivos traz que é o que ocorre quando a mercadoria é adquirida para consumo final. Logo depois já indica que na operação de circulação de mercadoria, segundo a doutrina e a jurisprudência, haveria a transferência da titularidade do bem, o que na maioria dos casos também envolve a transferência da propriedade.

Aponta, ainda, que a propriedade inclui os direitos de gozar, fruir, dispor e reaver o bem de quem injustamente o detenha. É exatamente o que consta no caput67

do art. 1.228 do Código Civil.

Aqui, o documento começa a fazer apontamentos sobre o que doutrinadores entendem como circulação de mercadoria e como o STF se manifestou acerca do tema:

Paulo de Barros Carvalho (Regra Matriz do ICM) define “circulação” como a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, envolvendo mudança de patrimônio.

Por outro lado, Geraldo Ataliba e Cleber Giardino (Núcleo da definição constitucional do ICM) entendem que circular significa para o direito, mudar de titular, acrescentando que a titularidade de uma mercadoria se refere à circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma.

O próprio Carvalho de Mendonça (Tratado de Direito Comercial Brasileiro) oferece um conceito de circulação em que a mercadoria, em seu percurso dos produtores até os consumidores, sofre uma série continuada de transferência de propriedade ou posse das mercadorias.

Nesse mesmo sentido, decidiu o STF que “o simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não

67 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do

poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. [...]

gera direito à cobrança de ICM” (AI 131.941, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 19.4.1991, p. 4583).

A exposição de motivos pontua, ainda, que o dispositivo proposto estabelece critérios objetivos de incidência do ICMS sobre a disponibilização de bens digitais, tudo no âmbito da legislação tributária catarinense e em conformidade com o ordenamento jurídico tributário brasileiro.

Como último ponto, o documento traz acerca da produção de efeitos caso o PL seja aprovado, o que, no entendimento da SEF, deverá acontecer a partir do primeiro dia do mês subsequente ao da publicação, conforme estabelece o art. 2º68 do próprio

PL. A justificativa se apoia no período de apuração do ICMS, que é mensal e inicia no primeiro dia do mês corrente, o que evitaria que o sujeito passivo sofresse dois tratamentos tributários.

Até o fechamento deste trabalho, o PL aguardava prosseguimento regimental.