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CAPÍTULO 1 – A paisagem sociolinguística de Timor-Leste

1.1. Situação geopolítica

1.1.2. O contacto com os portugueses

Fig. 2. 1.ª carta de Timor, Francisco Rodrigues (1512) (Fonte: Garcia, 2008)

Fig. 3. Monumento em Lifau (Oe-cusse) (Fonte: foto

cedida pela Senhora Embaixadora de Timor-Leste, Dr.ª Natália Carrascalão)

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Albuquerque refere haver registos em Timor que, no séc. XVII, “muçulmanos do reino de Macaçar povoaram uma região de Manatuto, e alguns timorenses converteram-se ao islamismo, e lutaram contra os portugueses ao lado dos árabes” (2009, p.87).

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Tomé Pires, na sua obra “Suma Oriental” (1516) regista: “Os mercadores malaios dizem que Deus criou Timor para o sândalo, Banda para a nós moscada e Molucas o cravo-da-índia e que estas mercadorias não se encontram em nenhuma parte do mundo” (apud Ximenes Belo, 2009, p. 10, in Gameiro & Ximenes Belo, 2012, Introdução).

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A primeira menção a Timor feita pelos portugueses data de 1512, numa carta da Ásia do Sudeste com a referência “A ilha de Timor onde nasce o sândalo” (ver figura 2) desenhada pelo jovem cartógrafo Francisco Rodrigues (Loureiro, 2001), que assim inscreve a ilha de Timor na cartografia europeia. Os portugueses haviam chegado há pouco à Ásia, ainda que os primeiros contactos diretos com a Índia datassem de 1498, mas só depois da conquista do sultanato de Malaca, em 1511, é que os mares para as ilhas das especiarias se abriram. A expressão “ilhas de Timor” designava, segundo Loureiro (2001), “um conjunto vasto de ilhas e ilhotas situadas na extremidade oriental da Insulíndia” (p. 96), provavelmente denominação adotada dos marinheiros muçulmanos/árabes para quem Timor significava o conjunto das ilhas do sudeste de Java e não uma ilha particular (Durand, 2011), apesar de, como já referimos, “timor” significar oriente nas línguas austronésicas, e que terá dado nome à ilha.

Ainda que contrariando certas opiniões que consideram que Timor oriental só foi efetivamente colonizado na 2.ª metade do séc. XIX, a partir do momento em que os governadores portugueses procuraram impor um controlo político-administrativo (Durand, 2011; Atlas de Timor-Leste, 200216; Figueiredo, 200417), a verdade é que Portugal enviou, a pedido dos padres dominicanos, receosos que estavam com uma invasão e com um confronto com o calvinismo holandês,18 o 1.º governador, António Coelho Guerreiro, no dealbar do séc. XVIII (1702/3). Este momento, impregnado de profundo significado político, que poderia ter indiciado a colonização oficial do território, é visto, quer por Durand (2011), quer no Atlas de Timor-Leste(2002), como a passagem efetiva a protetorado.19 Contudo, desde o séc. XVI que os contactos entre portugueses e timorenses e respetivas línguas se iam estabelecendo, através de comerciantes portugueses de cera, sândalo, mel e, eventualmente, de escravos

16 “A passagem do regime de protectorado ao regime colonial só veio verdadeiramente a dar-se

com o Governo de Celestino da Silva (1894-1908) ” (in Atlas de Timor Leste, 2002, p. 37).

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“Depois da revolta de 1911-1912, verificou-se uma crescente incorporação da administração indígena na colonial, esvaziando os poderes dos liurais e dos outros titulares nas respectivas áreas de jurisdição. Tal constituiu uma alteração radical na estrutura tradicional do sistema político- administrativo indígena que, durante séculos, funcionara em paralelo com a administração colonial portuguesa” (Figueiredo, 2004, p. 71).

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Durand (2010a, p. 50) avança outra hipótese, a vontade do rei D. João V pretender “marcar a separação entre a Igreja e o Estado.”

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“Os portugueses começaram a interferir na política interna da Ilha em 1642 *vitória sobre o poderoso reino de Ué-Hali/Wehale], vindo o protectorado português a consolidar-se em 1703 com a chegada do primeiro governador nomeado por Lisboa” (in Atlas de Timor-Leste, 2002, p. 36).

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(Loureiro, 2001), instalados no Oriente, por volta de 1515 (ver figura 3) e através da Igreja Católica, em finais do séc. XVI (cf. Durand, 2011; Thomaz, 2002). Em 1550, competia aos padres dominicanos, instalados na ilha de Solor, a 150 km da costa norte de Timor, supervisionar o comércio do sândalo com os chefes locais. Estes clérigos acabaram por se instalar na ilha em 1562. Portanto, desde o séc. XVI que a colonização e os contactos linguísticos se foram fazendo por via do comércio e da missionação da Igreja Católica, mas agora também através da presença simbólica do poder político português. O governador recém-chegado procede a uma “estruturação política – militar do território, atribuindo aos régulos e chefes timorenses patentes oficiais do exército português, organizando em «companhia de moradores» os seus arrais de tropas. Um tenente-general eleito de entre os régulos assumiu o seu comando” (Thomaz, 2002, p. 137). Ora esta nova organização produziu também efeitos no âmbito da administração. O português, além de assumir um novo papel, o de língua da administração, difunde-se e vai-se impregnando no território. Até 1769, a capital é Lifau, no atual Oe-cusse, mas devido a conflitos com os “topazes” ou “topasses” ou ainda “portugueses negros” (mestiços de origem portuguesa ou holandesa e timorense ou malaia) (Durand, 2011, 2010b), ou “larantuqueiros, mestiços luso-asiáticos” (Loureiro, 2001, p. 104), que tinham até governado a ilha como administradores da coroa portuguesa, mas muito orgulhosos da sua independência, o governador, António José Teles de Meneses, abandona a cidade e refugia-se em Díli, já à época uma praça- forte, deslocalizando assim a capital.

Parece-nos interessante apresentar o seguinte registo do navegador inglês William Dampier, que, tendo visitado Timor em 1699, descreve da seguinte forma este grupo de mestiços:

“Os autóctones reconhecem o rei de Portugal enquanto seu soberano. Eles permitiram à colónia portuguesa construir um forte, que chamam Lifau, e aos holandeses de terem um entreposto chamado Kupang. Mas jamais aceitariam que algum dos dois interviesse no governo do seu país.

Os habitantes de Lifau falam português e são católicos. Eles gabam-se da sua religião e da sua ascendência portuguesa; e zangar-se-iam se alguém ousasse dizer-lhes que não são portugueses; contudo não encontrei mais de três brancos e dois eram padres. Também há alguns chineses” (citado por Durand, 2010b, p. 61).

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Timor sofreu, ao longo de séculos, de uma enorme fragmentação política. No séc. XIX haveria uns 50 reinos na dependência de Portugal, enquanto, em toda a ilha, existiriam uns 80 (Durand, 2010b, 2011).

A colonização de Timor-Leste foi, pois, tardia tendo emergido apenas a partir da 2.ª metade do séc. XIX,

“En tant que « nation » en devenir, Timor-Leste a véritablement émergé au début des années 1970. Cependant la véritable colonisation a été bien tardive. Elle a vraiment débuté à partir de la deuxième moitié du XIX ème siècle. Comme bien d’autres régions d’Asie, elle a surtout été mise en place sous forme indirecte, après des guerres acharnées menées à partir du début du XVIIème siècle par des populations locales peu inclinés à accepter une ingérence étrangère ” (Durand, 2011, p. 13).

Sousa (2001), a propósito da “frágil presença de influências culturais portuguesas duradouras”, admite que a “colónia era mais para exilar excitados e revoltosos, metropolitanos e africanos, do que para desenvolver” (p. 138).

Em maio de 1974, aproveitando uma certa abertura proporcionada pela “Revolução dos Cravos”, os timorenses, munidos de uma consciência política que se foi desenvolvendo, sobretudo, após a revolta de Viqueque20, em 1959 (Durand, 2011), aproveitaram para criar partidos políticos, entre eles, a UDT (União Democrática Timorense), a ASDT (Associação Social-Democrata Timorense), que mais tarde deu origem à FRETILIN (Frente Revolucionário de Timor-Leste Independente), e a APODETI (Associação Popular Democrática de Timor). No final desse ano, mais três pequenos partidos surgiram: Aditla, Kota e Trabalhista.

O português permanecia no território apenas como “língua clerical, administrativa e de cultura” (Brito, 2010, p. 183), incluindo nesta última designação o estatuto de língua de escolarização.

Crentes que a Independência se aproximava, à semelhança de outras antigas províncias ultramarinas portuguesas, dados os acontecimentos decorrentes do 25 de

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A Revolta de Viqueque foi um ato insurrecional, ocorrido a 15 de maio de 1959, fomentado por separatistas indonésios que haviam sido acolhidos na antiga colónia portuguesa e que terminou com o massacre das populações de Uatu-Lari e Uatu-Karbau e com o exílio de alguns elementos para Angola e Moçambique (informação oral recolhida junto de Luís Costa em 2012).

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abril de 1974, em Portugal, em novembro de 1975, os cinco partidos do território21, (UDT, FRETILIN, APODETI, Kota e Trabalhista), incluindo a própria APODETI, que defendia a integração na Indonésia, reuniram-se na Austrália e acordaram escolher o português como língua oficial.22

Em janeiro de 1975, a UDT e a FRETILIN formam um governo de coligação, o que causou um certo mau estar junto dos militares que integravam o círculo de Suharto, dado que comprometia a sua intenção de invasão. A partir daí segue-se um período de aproximação entre a Indonésia e a UDT, provocando o fim da coligação em maio desse ano.

Portugal, desejoso que estava, à época, em ver resolvida a descolonização dos seus territórios ultramarinos, confirma, no decorrer da conferência de Macau, em junho de 1975, que o processo de descolonização de Timor-Leste estava lançado. No mês seguinte, o governador, Lemos Pires, promulga um decreto sobre a referida descolonização e o calendário eleitoral para uma Assembleia Constituinte, a ter lugar em outubro de 1976.

Quando algum tempo depois, os indonésios fazem uma breve incursão no enclave do Oecússi, permitindo-lhes aumentar a pressão sobre os timorenses, o poder político português não reage, sendo um sinal significativo do desinteresse que a potência colonizadora manifesta pelo território. Simultaneamente, a Indonésia ia tentando convencer este país a transferir a sua soberania sobre Timor para si e foram mantendo o diálogo para que Portugal não pedisse a intervenção da ONU. Em julho de 1975, Suharto consegue o apoio do Gerard Ford, presidente dos Estados Unidos, com o argumento do perigo comunista que a FRETILIN representava. A 11 de agosto desse ano, a UDT tenta um golpe de estado. Perante a falta de resposta do poder central, Lemos Pires decidiu retirar-se para a ilha de Ataúro, situação que, segundo vários testemunhos que recolhemos em Timor-Leste, em 2010, através de ex-militares que aí

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Entretanto, ocorreu o desaparecimento da Aditla, que pretendia integrar Timor-Leste na Austrália.

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Também na Convenção Nacional Timorense, realizada em abril de 1998, em Peniche, no decorrer da qual foi formalmente constituído o CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense), se afirmou: “Como país de língua oficial portuguesa, Timor-Leste privilegiará as relações com todos os países de África, América Latina e Europa que partilham a mesma língua e contribuirá para o reforço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP – e para a construção do relacionamento desta Comunidade com as Comunidades dos países da Ásia e do Pacífico” (in Convenção Nacional Timorense

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prestavam serviço na altura, e, segundo algumas fontes históricas (Durand, 2011), levou a que a FRETILIN tomasse conta do poder. Em agosto de 1975, dá-se o primeiro confronto junto à fronteira e, a partir de setembro, multiplicaram-se as ofensivas nesse espaço. A FRETILIN continuava a reconhecer a soberania de Portugal e apenas pretendia que o processo de concessão da independência fosse declarado com brevidade. Em outubro desse ano, ocorre a morte de 5 jornalistas em Bolibó23 e nem Lisboa reage, nem a comunidade internacional. A 25 de novembro, a FRETILIN dirige-se diretamente às Nações Unidas, pedindo uma força de manutenção de paz.

A 27 do mesmo mês, a cidade de Atabae é tomada por tropas indonésias, permitindo o acesso a Díli. Face a esta situação, a FRETILIN proclama unilateralmente no dia seguinte, 28, a independência da República Democrática de Timor-Leste (RDTL), sendo seu presidente Francisco Xavier do Amaral. Nem esta decisão conduz a uma reação da comunidade internacional. Apenas a China, o Vietname, Cuba e as ex- colónias portuguesas reconhecem o novo país. A 30 de novembro, os elementos da UDT e da APODETI, que se encontravam em Timor ocidental, assinam a designada “declaração de Bolibó” pedindo a anexação de Timor-Leste à Indonésia. A 4 de dezembro, vários membros do governo deixam Timor-Leste à procura de apoios no exterior ou receosos do que poderia acontecer. A 7 de dezembro, na véspera da visita de Gerard Ford a Jakarta, a Indonésia invade Timor-Leste, lançando uma grande ofensiva sobre Díli. No dia seguinte, duas corvetas portuguesas recolhem o governador e os portugueses que se encontravam em Ataúro.

As Nações Unidas reagem a 12 de dezembro, pedindo ao governo indonésio que deixe de violar o território do Timor português e que retire rapidamente as suas forças armadas “afin de permettre au peuple du territoire d’exercer librement son droit à l’autodétermination et à l’indépendance” (Durand, 2011, pp. 37-38). Este pedido foi reiterado e adotado por unanimidade pelo Conselho de Segurança da ONU, a 22 de dezembro desse ano, mesmo assim a 17 de julho de 1976, o território é considerado a 27.ª Província da Indonésia.

Em conclusão, citemos Brito (2010) e o modo como ela sintetiza este período:

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Grupo de cinco jornalistas (2 australianos, 2 britânicos e 1 neozelandês), mortos à queima-roupa pelos comandos indonésios, durante a incursão de tropas indonésias em Balibó (Distrito de Bobonaro), em 16 de outubro de 1975. Os autodesignados “Balibó Five” pretendiam registar em filme o avanço das tropas indonésias disfarçadas de timorenses.

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“Historicamente o território foi colónia portuguesa desde o seculo XVI; esteve ocupado pelo Japão durante três anos, na altura da 2.ª Grande Guerra Mundial, e foi invadido pela Indonésia em 7 de dezembro de 1975, numa incursão que se prolongou até 1999” (p. 179).