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Timor-Leste, a lusofonia e a geopolítica

CAPÍTULO 1 – A paisagem sociolinguística de Timor-Leste

1.3. Timor-Leste, a lusofonia e a geopolítica

Timor-Leste tem-se assumido, desde os tempos da sua independência, como Estado lusófono, no sentido proposto por Brito (2010):

“espaço simbólico linguístico e, sobretudo, cultural no âmbito da língua portuguesa e das suas variedades linguísticas, que, no plano geosociopolítico, abarca os países que adoptam o português como língua materna e oficial (Portugal e Brasil) e língua oficial (Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau – que constituem os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) – e Timor-Leste” (p. 177, itálico nosso).

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Tal implica a sua integração na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), constituída em 1996, e inclusão, conforme se pode ler no sítio oficial deste organismo,49 em

“um novo projecto político cujo fundamento é a Língua Portuguesa, vínculo histórico e património comum dos Oito – que constituem um espaço geograficamente descontínuo, mas identificado pelo idioma comum *…+. A CPLP tem como objectivos gerais a concertação política e a cooperação nos domínios social, cultural e económico.”

Além dos países que constituem, atualmente, a CPLP, existem ainda comunidades falantes de português, espalhadas pelo mundo, assim como determinados espaços onde, por razões histórico-políticas, a língua foi permanecendo (Macau, Goa, Malaca, etc…) e que integram o conceito de “lusofonia”.

No entanto, dada a sua situação geográfica, Timor-Leste insere-se na zona de influência da ASEAN (Association of Southeast Asian Nations) ou ANSEA (Associação das Nações do Sudeste Asiático). Esta contextualização geopolítica faz a Timor-Leste outro tipo de exigências, entre elas a utilização do inglês, língua de intercomunicação neste bloco. Talvez por esta razão, o governo timorense tenha manifestado, recentemente, um grande interesse em fazer parte da Commonwealth.

Assim, exatamente pela sua situação geoestratégica, Timor-Leste pode surgir como “ponte para uma parceria construtiva” (Alkatiri, 2008) entre diferentes blocos geopolíticos, como procuramos visualizar na figura 12:

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Sítio oficial da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa. Disponível online em: http://www.cplp.org/Default.aspx?ID=241 (consultado a 15 de janeiro de 2012).

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Fig. 12. Timor-Leste e os blocos geopolíticos instituídos

Timor-Leste poderia usufruir, em simultâneo, dos contributos de diferentes blocos, dado o seu posicionamento na CPLP e na ASEAN. Através da CPLP, poderia estabelecer elos de ligação com o Mercosul (BRIC incluído), SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), União Africana, União Europeia, etc.., construídos em torno de determinados eixos, tendo sempre em vista o seu desenvolvimento. Relativamente à ASEAN, poderia exercer uma influência positiva no estreitamento de relações políticas, culturais e comerciais entre esta e os restantes organismos. Isto mesmo parece ser referido por Alkatiri (2008) num discurso proferido no decorrer do II Congresso da Educação de Timor-Leste, intitulado “A Identidade do Povo de Timor-Leste e a Língua Portuguesa”:

“Somos um país pequeno. Mas a geografia e a geopolítica coloca-nos entre dois gigantes. Queremos e podemos ser uma ponte para uma parceria

construtiva entre países, sub-regiões e continentes. Porque somos diferentes,

podemos ser considerados como um elemento importante na afirmação da natureza multicultural da nossa região. Nesta investida de aculturação global e globalizante, só sobrevive quem tiver a coragem de manter a sua diferença e

lutar por ela. (…) uma visão verdadeiramente estratégica de desenvolvimento

passa necessariamente pelo esforço da nossa diferença (…). Ser diferente

confere-nos o estatuto privilegiado de sermos membros das mais diferentes comunidades, país com diferentes dimensões de fronteira – fronteira

histórico-cultural (CPLP), fronteira regional e sub-regional (Ásia-Pacífico) e fronteira global. É uma riqueza incomensurável. (…) diluir a diferença é o

CPLP TIMOR-LESTE ASEAN ME RC OS U L UE SADC União Africana CEDEAO

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mesmo que aceitarmos à partida que estamos condenados à morte como nação, como povo, como maubere” (destaque nosso).

Efetivamente, Timor-Leste, confinado a viver paredes meias com a Indonésia, seu mais recente colonizador, e a ser objeto de observação constante por parte da Austrália, tem procurado afirmar a sua identidade, optando pelo português, língua do seu mais antigo colonizador como língua oficial e pela sua integração na Comunidade de Países de Língua Portuguesa, o que lhe veio conferir outros privilégios e obrigações. É exatamente este facto da integração numa comunidade, onde o elemento aglutinador é a língua, que vai permitir enquadrar Timor-Leste, de acordo com o pensamento de Amélia Mingas (2008), num espaço mais vasto.

“No que respeita à CPLP, o seu prestígio consubstanciou-se na presença de Portugal na U.E. presença que tem vindo a ser consolidada com os diversos sucessos que os seus representantes têm tido nessa Comunidade. De igual modo, o Brasil, no Mercosul, ocupa posição de destaque na promoção da língua portuguesa no seio daquela grande comunidade do continente americano. No tocante aos PALOP, a sua acção é, do mesmo modo, sentida no âmbito das comunidades em que estão integrados, nomeadamente, a União Africana e a SADC, entre outras. Daí a admissão, de facto, da língua portuguesa como língua de trabalho, particularmente na SADC” (p. 24).

Para a autora, do ponto de vista político, “a língua comum atingiu uma projeção de excelência” para a CPLP. Do ponto de vista económico, “o Brasil e Angola são os expoentes máximos, devido à comercialização do petróleo e dos diamantes; Portugal, Brasil e Cabo Verde são exemplos de sucesso na área do turismo, não descurando as potencialidades de S. Tomé e Príncipe e Moçambique (…)” (idem) e de Timor-Leste, acrescentaremos nós, não só no turismo, como na comercialização do petróleo e do gás.

A recente candidatura timorense em integrar a Commonwealth não deixa de causar alguma perplexidade, dado o esforço político e social que a opção pelo português, como língua cooficial implicou. Situações como esta, em que os países se agrupam em blocos com vista ao seu desenvolvimento, levou Fettes (2003, citado por Garcia 2007) a reconhecer que, num mundo fortemente globalizado, as políticas linguísticas que uniam a língua à identidade e que funcionaram no decorrer do séc. XX, já não resultam. Atualmente, o que importa, na sua opinião, são as geoestratégias linguísticas, em que a defesa de interesses locais se cruza com a definição e a proteção de um nicho particular no ecossistema linguístico global. Filomena Martins (2008),

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Ministra da Educação e do Ensino Superior de Cabo Verde, que acredita que “é o agrupamento à volta de determinados eixos que tem levado ao desenvolvimento” (p. 35), considera que as instituições geoestratégicas constituídas poderiam implementar quer o desenvolvimento sustentável, quer o desenvolvimento plurilingue, e afirma: “temos de rentabilizar, transformar aquilo que a priori parece ser uma fragilidade, um constrangimento, numa fortaleza, numa oportunidade de desenvolvimento para os nossos países” (p. 36). E exorta os seus parceiros africanos a encontrar forma de poder “transformar a nossa riqueza linguística em instrumento de desenvolvimento que nos permita alcançar os objetivos do millenium, reduzir a pobreza, combater o desemprego e levar a educação a todas as crianças e jovens e adolescentes a nível local e regional” (idem). Parece-nos que este apelo se poderia estender a Timor-Leste, na sua qualidade de membro da CPLP. Mas talvez as palavras de Mia Couto, em E se Obama fosse africano? E outras inter(in)venções (2009a), sintetizem melhor uma ideia da qual também comungamos e que nos parece aplicável ao contexto timorense:

"O sociólogo indiano André Béteille escreveu: «Conhecer uma língua nos torna humanos; sentirmo-nos à vontade em mais do que uma língua nos torna civilizados». Se isto é verdade, os africanos - secularmente apontados como não civilizado - poderão estar mais disponíveis para a modernidade do que eles próprios pensam. Grande parte dos africanos dominam mais do que uma língua africana e, além disso, falam uma língua europeia. Aquilo que é geralmente tido como problemático pode ser, afinal, uma potencialidade para o futuro. Porque a nossa habilidade de poliglotas nos pode conferir, a nós africanos, um passaporte para algo que hoje se torna perigosamente raro: a viagem entre identidades diversas e a possibilidade de visitar a identidade dos outros" (pp. 25 e 26).

79 Reflexão final

Neste capítulo abordámos as línguas de Timor-Leste numa perspetiva diacrónica, descrevendo a situação sociolinguística do país, procurando perceber o seu multilinguismo endógeno e exógeno. Procurámos perceber o momento atual, revisitando o passado e identificando eventuais consequências que este pode ter quer em contexto escolar, quer em sociedade alargada. Finalmente, aflorámos a questão da língua e dos blocos geopolíticos, nos quais o mundo se procurou organizar com vista ao seu desenvolvimento.

Face ao que foi dito, podemos concluir que Timor foi um espaço de confluências, quer naturais, quer sociopolíticas, quer linguísticas. A atual República Democrática de Timor-Leste resulta não só da junção ou integração de vários reinos, muitos deles com língua e cultura próprias, mas também de fortes influências externas (portuguesa, indonésia, chinesa, etc..), o que contribuiu para a construção de uma nação multilingue e multicultural. A escola, a família, a rua, etc… são paisagens linguísticas e, concomitantemente, espaços de socialização que contribuem para o desenvolvimento do indivíduo, participando na construção da sua identidade. Em espaços multilingues, essa identidade é construída em função das línguas utilizadas.

O quadro ecológico linguístico timorense é composto essencialmente por variáveis50sociológicas, demográficas e políticas que têm moldado as relações entre as línguas e os seus falantes (cf. Taylor-Leech, 2007, p. 87). É, igualmente, constituído por um conjunto de línguas vernáculas e suas variedades, de diferentes origens: papuas ou pré-austronésicas, línguas semi-austronésicas (mambae, quemaque e tocodede) e línguas austronésicas ou austronésias ou ainda malaio-polinésicas. Entre as línguas exógenas que convivem, ainda que com diferentes estatutos, com as anteriores encontramos o “hakka”, o cantonês e o mandarim falado por comunidades chinesas, que há muito, aí se fixaram; o português, como língua cooficial, escolhida em função da sua ligação ao passado, à religião e à guerrilha (quer na comunicação interna quer no contacto com o exterior) e como elemento identitário; o malaio indonésio e o inglês, como línguas de trabalho.

50 Haarmann (1986, citado por Taylor-Leech, 2007, p. 87) fez um inventário de vários tipos de

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Significa isto que a alteração do contexto sociopolítico recente influiu na paisagem sociolinguística timorense que precisa de ser estudada e acompanhada, dada não só pela complexidade com que esta se apresenta, mas também pela proliferação de países cooperantes/doadores que hoje aí encontramos. No entanto, esta diversidade de línguas reflete-se nos sujeitos, através da construção de identidade(s) plurilingue(s), através da aquisição de competências plurilingues ou “translinguísticas” e através da diversidade de olhares sobre o mundo.

A importância atribuída até há pouco às futuras relações com o mundo lusófono, do qual se esperava recolher vantagens sociais, culturais e benefícios materiais, tem sido ultimamente repensada em função da integração na ASEAN e na Commonwealth, confirmando a perspetiva de Fettes (2003, citado por Garcia, 2007), que atrás referimos.

Estando Timor-Leste inserido neste contexto geopolítico que descrevemos e tratando-se de um país multilingue, acreditamos que importa desenvolver uma visão geopolítica do plurilinguismo, com implicação na organização do sistema educativo, refletindo sobre a possibilidade de os aprendentes se tornarem agentes de desenvolvimento social e económico dos seus países, através das línguas. Daí a necessidade de encarar, como já referimos no início do capítulo, a reflexão didática “comme une forme de l’action sociale, dans le tissu complexe des idéologies locales et des «toiles de savoirs, de connaissances et de conséquences matérielles et symboliques» (Heller, 2002, p. 12), dont elle ne peut pas être indissociable” (Castellotti & Moore, 2008, p. 188).

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