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CAPÍTULO 1 – A paisagem sociolinguística de Timor-Leste

1.1. Situação geopolítica

1.1.3. Período indonésio

No decorrer deste espaço de tempo alguns factos, tais como o massacre de Santa Cruz (1991), a prisão e a pena aplicada a Xanana Gusmão (1992), a entrega do prémio Nobel a D. Ximenes Belo e a Ramos Horta (1996), vieram chamar a atenção para o que se passava no território, onde

“um processo de “destimorização” em diversos planos da vida da população, que, no âmbito comunicativo, incluiu uma nova forma linguística, traduzida na imposição de uma variante do malaio, a bahasa (ou língua) indonésia24, como língua do ensino e da administração, na minimização do uso do tétum e na proibição da expressão em língua portuguesa” (Brito, 2010, p. 184).

Ou ainda como testemunham Felgueiras e Martins (2006), dois padres jesuítas que viveram este período em Timor-Leste, numa carta particular25, datada de 30.04.1976, e enviada para Portugal:

“ (…) é bem clara a intenção de eliminar de Timor tudo o que é português; também certamente porque atualmente tudo o que é português fomenta o espírito de independência e de não à [sic.] integração. Impuseram logo no primeiro dia da invasão, como língua única, a língua deles” (p. 245).

Com a chegada de Kofi Annan a Secretário-geral da ONU e a crise asiática de 1997-98 que levou Suharto a abandonar o poder e à sua substituição por Habibie, a Indonésia vê-se obrigada a negociar com Portugal. Côrte-Real, antigo reitor da Universidade de Timor-Lorosae (UNTL), na entrevista que nos concedeu em setembro de 2010, resume a situação da seguinte forma:

“(…) voltei num momento muito, muito turbulento. A crise económica tinha começado em novembro de 97. Portanto, quando cheguei cá, em novembro de 98 trazia dólar australiano de muito valor para a rupia indonésia e já se podia notar que a máquina da repressão estava a contar os seus dias. Tinham um problema, quer dizer, já não era só Timor. Tinham que tratar de todas as ilhas da Indonésia, com a ilha de Surtir, com Ambom cada vez mais a ganhar relevo, grupos religiosos diferentes em choque e Timor, claro, o seu

24 O malaio indonésio é normalmente referido em Timor-Leste por “bahasa indonésia” ou “bahasa”. 25

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problema tradicional, com as Nações Unidas, etc…com cada vez maior atenção” (ver anexo 3.3.1.).

A 5 de maio de 1999, é assinado um acordo tripartido entre estes dois países, Portugal e a Indonésia, e a ONU, prevendo um referendo em Timor-Leste sobre a sua eventual integração na República Indonésia. A violência redobra com o aparecimento das milícias e quem o afirma é a própria UNAMET (maio de 1999), a equipa da ONU que, no terreno, tenta preparar a consulta popular. A 30 de agosto, os timorenses votam, escolhendo a independência, e o caos instala-se. O próprio presidente indonésio não consegue controlar os seus militares e muito menos as milícias que matam, incendeiam, destroem, violam.

Forganes (2002, p. 11), jornalista brasileira, regista o momento: “Os últimos funcionários das Nações Unidas saíram no dia 14 [de setembro 1999]. Até 23 de setembro, quando as tropas internacionais desembarcaram em Díli, todo o país ficou entregue à violência. Sem testemunhas.”

Esta ocupação “só esmoreceu com a crescente inconveniência da continuidade do conluio e apoio dos países potentes da guerra fria nos anos precedentes (conluio económico do vizinho do sul, a Austrália)”, como referem Côrte-Real e Brito(2006, p. 75). Barbedo de Magalhães (2007), por seu turno, justifica da seguinte forma a atitude da comunidade internacional face à invasão indonésia: “ocorreu num período crítico da guerra fria no Sudeste Asiático e teve, por isso, um importante apoio da Austrália, dos Estados Unidos e de outros países Ocidentais” (citado por Almeida, 2011, p. 21).

Após um período de restauração da paz comandado pela Austrália, seguiu-se um outro de transição, entre outubro de 1999 e maio de 2002, constituindo-se uma força de manutenção de paz, a “United Nations Transitory Administration East Timor” (UNTAET), chefiada por Sérgio Vieira de Mello. A escolha de um brasileiro talvez não tinha sido casual, mas decorra do facto de Timor-Leste se apresentar já ligado ao mundo lusófono. Depois da celebração da independência, momento em que o país retoma a designação de 25 de novembro de 1975, ato simbólico para estabelecer desse modo a sua ligação ao passado, a UNTEATfoi transformada em “United Nations Mission of Support in East Timor” (UNMISET) até 2005, ambas sob o comando do Conselho de Segurança da ONU e cujo objetivo era constituir-se como força de manutenção da paz e de suporte ao desenvolvimento do jovem país. Em maio de

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2005, o Conselho de Segurança cria nova missão especial com a duração de um ano, a “United Nations Office in Timor-Leste” (UNOTIL), com o intuito de apoiar algumas áreas estratégicas. Em 2006, face ao ambiente de instabilidade política e social que se vivia, é constituída a “United Nations Mission in Timor-Leste” (UNMIT) que permanecerá no território até 2012.

A falta de preparação dos timorenses contribuiu para as diversas crises pelas quais o país passou entre 2006 e 2008, uma vez que “as instituições internacionais não se preocuparam em preparar os timorenses para virem a gerir o seu país, nem tomaram em conta as especificidades e as tradições timorenses”, como argumentou Mari Alkatiri num Colóquio realizado no Convento da Arrábida, em julho de 2005. Durand (2011), que partilha desta opinião, acrescenta

“Cependant, ce n'est guère facile d'arriver sur la scène internationale cinquante ans après les autres pays du Sud, en pleine crise du concept de «développement» et du système économique international. En outre, l'occupation militaire indonésienne a laissé des traces profondes. Par-delà les drames et traumatismes, elle a favorisé pendant vingt-cinq ans l'essor de clivage politiques et linguistiques, que le pays peine à dépasser désormais (…) une nation très spéciale qui illustre à elle seule et de manière parfois stupéfiante les multiples paradoxes et contradictions de la communauté internationale en ce début de troisième millénaire" (p. 10).

Estas vicissitudes evidenciam a resiliência dos timorenses perante os acontecimentos e explicar como o ecossistema linguístico tem vindo a ser alterado face aos fenómenos histórico - políticos que têm ocorrido.