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Lista de Tabelas

BRASIL COLÔMBIA ARAWAK BRASIL COLÔMBIA

5. Fundamento teórico e plano geral da tese

1.1 O contexto histórico

A colonização portuguesa adentrou no rio Negro a partir do século XVII e durante muito tempo a região foi fornecedora de escravos indígenas para as regiões do Estado do Grão-Pará e Maranhão.9 Devido às epidemias de varíola e sarampo e a própria escravidão, a população indígena foi diminuindo, fato que justificou a criação das chamadas “tropas de resgate” que consistiam em expedições financiadas pela colônia e por proprietários de fazendas e engenhos com a finalidade de capturar grandes contingentes de escravos indígenas. Oficialmente, as expedições subiam o rio Negro com o objetivo de “resgatar” os índios cativos prisioneiros de guerras interétnicas (Perrone-Moisés, 1992:127- 128). No fim, as guerras interétnicas serviam como pretexto para legitimar a escravização dos índios.

O pagamento da dívida do resgate era a servidão. Com a finalidade de garantir o sucesso de expedições periódicas, as tropas de resgate mantinham alianças com grupos indígenas que os auxiliavam na captura de outros (Andrello, 2010a:109). No final do século XVII, a coroa portuguesa dividiu a região da Amazônia em quatro ordens religiosas e cada uma recebeu autoridade exclusiva sob a sua jurisdição: jesuítas, franciscanos, mercedários e carmelitas (Chernela, 2014:109). Através da busca de escravos, chegaram ao norte do país os jesuítas e depois os carmelitas, que introduziram o nheengatu no rio Negro e participaram da política dos descimentos no alto rio Negro. Foram criados os aldeamentos, locais usados pelos carmelitas para realização do comércio e o controle de escravos. Os aldeamentos eram divididos em três bolsões de trabalhadores: aqueles que trabalhariam nas próprias aldeias dos missionários,

9 Estado colonial português fundado em 1751. Sua extensão máxima chegou a abranger o território dos atuais Estados do Maranhão, Piauí, Pará, Amazonas, Amapá e Roraima.

65 os que auxiliariam na captura de outros indígenas e aqueles que se tornariam disponíveis como mão de obra de patrões privados ou agentes públicos. Os missionários chegaram a controlar cerca de 80% da força de trabalho escravo indígena. Os indígenas que permaneciam na comunidade missionária eram submetidos a um processo de assimilação ao longo prazo por receberem nomes católicos, aprender português junto com os valores europeus e aprender técnicas de produção agrícola intensiva. Eram estritamente policiados e “educados” (Perrone-Moisés, 1992:118; Chernela, 2014:107-109). O número de índios continuava a diminuir drasticamente a ponto do baixo e médio rio Negro ficar despovoado e vários grupos completamente exterminados (Wright, 1992a:211).

No século XVIII, Portugal decidiu ocupar estratégica e militarmente a região para defender os seus interesses e fortificar as fronteiras que ainda estavam em processo de definição com a Espanha. Foi criada assim a fortaleza de São Gabriel da Cachoeira e os índios foram declarados vassalos de Sua Majestade – denominação que não alterou a sua exploração. Em 1757, o Marquês de Pombal criou o sistema de diretório de índios que atuava como agenciador em conluio com as chefias indígenas e fornecia mercadorias em troca de mão de obra. A finalidade deste sistema era transferir o controle das ordens religiosas para administradores seculares evitando a acumulação de riquezas pela igreja. Contudo, o sistema de diretório não conseguiu atingir as áreas mais remotas e o sistema de aldeamento dos missionários permaneceu (Chernela, 2014:110).

Por fim, o século XIX foi marcado pela presença militar na região, intensificada com a finalidade de fazer um reconhecimento das bacias hidrográficas e pela presença dos comerciantes que, através do escambo, reproduziam as mesmas relações de exploração econômica que os índios já sofriam através do trabalho forçado. O endividamento infinito, que existia há tempos, passou a ser sistematicamente empregado e os colocava na posição de escravos, muito embora a escravidão já tivesse sido abolida. Grandes

66 contingentes do alto rio Negro eram levados de seus territórios para a extração de látex e para as plantações de cacau.

Na época da extração do látex, os índios foram explorados mais do que nunca com a conivência dos carmelitas e dos franciscanos – que os sucederam por pouco tempo – e procuravam reprimir ao máximo suas tradições (Wright, 1992b:266). Por mais de trinta anos, os índios do alto rio Negro foram recrutados por meios violentos para a extração dos seringais do baixo rio Negro e da balata na Colômbia (Andrello, 2006:92). Aqueles que subiam o rio para capturar os índios entendiam que participavam de um processo civilizatório a ponto que, no final do século XX, a população “civilizada” era considerada aquela que falava o nheengatu e que se encontrava endividada. Não mais arregimentados, muitos desciam o rio Negro em direção aos seringais em busca de um patrão e de um endividamento por mercadorias a fim de obterem o status de civilizados. Além da exploração física por parte dos comerciantes, tanto carmelitas quanto franciscanos, tinham como objetivo devastar as práticas dos índios, se apropriar ou destruir seus ornamentos e derrubar as suas malocas.

Todavia, em meio ao trabalho forçado, ao endividamento eterno, a violência e a epidemias, a Ordem Salesiana chegou ao rio Negro em 1914 com a proposta de colocar um fim a este sofrimento. Talvez, por serem vistos como seus salvadores, os nativos foram receptivos, pois foram os salesianos, diferentemente dos carmelitas e dos franciscanos, que reprimiram a exploração dos comerciantes se opondo veementemente às práticas de exploração dos índios pelos seringueiros e pelos balateiros colombianos.

Os salesianos pertencem a Sociedade de São Francisco de Sales, fundada em Turim em 1845. No ano seguinte à chegada dos salesianos, o Papa Pio IX

estabeleceu a Prefeitura Apostólica do Rio Negro sob a jurisdição da Ordem Salesiana (Chernela, 2014:118). A marca diferencial desta ordem é o foco na educação e no treinamento profissional. Em documento editado pelos salesianos, seus objetivos no alto Rio Negro ficaram estabelecidos.

67 As Missões Salesianas estão-se antecipando nesse trabalho grave de fixação de fronteiras, de abrasileiramento das fronteiras [...]. Reunir o maior número de indígenas, que vegetam nos igarapés mais afastados e misteriosos, onde os dizimam febres e a mais completa falta de higiene; acostumá-los paulatinamente a viver em contacto com os civilizados de cuja presença fugiam para não serem obrigados a longos e exaustivos trabalhos nos seringais, mal remunerados e mau tratados; [...] proporcionar-lhes um ambiente propício à civilização pela eliminação de fatôres negativos e mediante a adaptação progressiva de novos hábitos e costumes compatíveis com seu estado primitivo – constitui a finalidade que as Missões colimam, nesse trabalho lento, mas fecundo, destinado a tornar o aborígene um elemento de civilização e relativo progresso (Nas Fronteiras do Brasil, 1950:17).

O trabalho dos missionários e o poder político continuaram de “mãos dadas”. Os salesianos vieram para, uma vez por todas, converter os índios ao catolicismo, para introduzir os costumes europeus, para ensinar a língua portuguesa e transformá-los em cidadãos brasileiros. Essa dupla missão – religiosa e política – tornou o trabalho missionário legítimo. Ao ser enviado por Deus às profundezas da floresta amazônica, o missionário se sentia um herói e salvador por generosamente ter oferecido a sua vida para a salvação dos índios (Nas Fronteiras do Brasil, 1950:39). Adicionalmente, por atuar com a retaguarda do Estado, o missionário salesiano se tornara o responsável por civilizar os “selvagens” do rio Negro e até mesmo guardar as fronteiras nacionais.

O missionário, ao mesmo tempo em que vai amassando os instintos rebeldes do índio, que o vai levando à noção da propriedade, dos deveres, da moral, da família organizada, do encargo dos filhos, da responsabilidade de um lar seu, vai lhe incutindo no espírito as grandes verdades da fé, e mostra-lhe as grandes alturas luminosas, as grandes ascensões da alma humana, alguma coisa que não é rastejar do verme no charco mas a adejar do condor nos espaços livres e azuis. Fixa-o ao solo, mas também o fixa em suas responsabilidades de homem da gleba, da oficina, da escola, do tempo, homem- cidadão, homem-brasileiro. Poder-se-á imaginar o que há de heroico nesta empresa? (Nas Fronteiras do Brasil, 1950:22).

Assim, com uma roupagem diferente, o domínio e o controle do Estado e da igreja sobre os índios continuaram. Antes dos salesianos a exploração tinha a finalidade de satisfazer os interesses da Coroa e, após a independência, o

68 domínio se dizia em favor do índio, mas para satisfazer os interesses do Estado brasileiro.

O programa de ensino da catequese e da transformação dos índios em brancos requereu a construção das missões salesianas. Assim, no alto rio Negro foram construídas quatro missões: em São Gabriel da Cachoeira no rio Negro em 1914, em Taraquá no rio Uaupés em 1923, em Iauaretê também no rio Uaupés em 1929 e em Pari-Cachoeira no rio Tiquié em 1940. Com a implantação das missões, os salesianos passaram a desempenhar um papel de autoridade pelas décadas seguintes atuando como se o próprio Estado fosse, respaldados por generosas verbas oficiais (Andrello, 2006:125). Através do sistema de internato, procurava-se eliminar os modos de transmissão de conhecimentos ao formar lideranças jovens. As famílias das comunidades da região eram forçosamente “estimuladas” a entregar seus filhos a estes internatos. Este processo ficará mais elucidado com a história de Luís Lana discutida no próximo capítulo.

Confinados às missões, homens e mulheres eram treinados e empregados como criadores de gado, fazendeiros, pedreiros, chaveiros, carpinteiros, costureiros, cozinheiros, jardineiros, dentre outras profissões. (Nas Fronteiras do Brasil, 1950:25). A ideologia salesiana visava à conversão do “selvagem” em cidadão produtivo (Chernela, 2014:102). No entanto, como bem nota Lasmar (2005:34), mesmo diante das novas promessas, houve uma repetição de padrões. Como já faziam há três séculos, o clérigo continuava a controlar os meios de produção e de comércio. A economia do endividamento fora substituída pelo escambo: a missão adiantava alimentos e bens de consumo em troca do trabalho a ser realizado (Chernela, 2014:119). Contudo, havia uma contrapartida. O processo assimilacionista, embora destruidor, proporcionava aos índios acesso às mercadorias que muito apreciavam. Os grupos tukano percebiam nos salesianos uma fonte confiável para obtenção de remédios, sal, sabão, roupas, terçados, machados, anzóis, espingardas e munição bem como proteção contra os seringueiros e balateiros. Mas, o valor dos bens era estritamente estabelecido

69 pelos padres. Na década de 60, havia oito hospitais no rio Negro. Como salienta Chernela, em um contexto de violência e de doenças, os centros missionários cumpriram uma importante função e os Tukano se aliaram a eles. (Chernela, 2014:122-125).

Os problemas que resultavam do programa de assimilação cultural através da catequese e do processo civilizatório, ambos promovidos pelo governo, continuavam causando inúmeros prejuízos. De acordo com o Boletim Salesiano de 1930, para atingir seu intento civilizador e religioso, os salesianos deveriam trabalhar para que os indígenas se abstivessem de determinadas práticas.

1º [...] abandonar a maloca, lugar que por sua natureza torna-se de corrupção, para que cada qual viva em sua casa própria; 2º no desistir das orgias periódicas [leia-se, dabucuris e caxiris] com as inevitáveis bebedeiras; 3º realizar o matrimônio sem o rapto violento da esposa, mas de comum acordo [leia-se, da forma católica]; 4º no participar a missa dominical [leia-se, os transformar em católicos] (Boletim Salesiano, nov./dez. 1930:181).

Igualmente aos seus predecessores, os salesianos permaneciam extremamente intolerantes às práticas indígenas. Estabeleceram como requisito inegociável para a participação dos benefícios do escambo que fossem entregues aos padres as caixas de adornos cerimoniais, abandonados os rituais bem como quaisquer práticas relacionadas com o xamanismo e as malocas ou casas comunais, consideradas os “templos do mal”, deveriam ser abandonadas (Andrello, 2006:93-105; 2014:178). Os salesianos sabiam da centralidade da maloca no pensamento nativo rionegrino para a sua organização social e como o centro do cosmos.10 Juntamente com a destruição das malocas, o ritual de iniciação masculina conhecido como jurupari, um dos momentos em que as flautas secretas eram usadas foi proibido do mesmo modo. Geralmente, ocorria no final de um longo período em que jovens do sexo masculino passavam na mata sob a orientação de um sábio. Do ponto de vista dos missionários, o ritual

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70 era considerado um culto aos demônios (Andrello, 2006:59). Na década de 60, os salesianos já haviam colocado a baixo todas as malocas do alto rio Negro.

As 62 povoações estão fundadas e estão executando às maravilhas a missão para que foram erguidas. Elas se acham disseminadas pelo alto Rio Negro, o Uaupés, o Tiquié e o Papuri. Devem ser perto de 7.000 indígenas em povoações minúsculas umas, florescentes outras, mas em todo o caso núcleos de futuras vilas e cidades. Não mais

habitam “malocas”, em que a promiscuidade inutiliza qualquer

esfôrço moralizador, mas possuem residências próprias, já com certo asseio e certo confôrto, se formos levar em conta as condições de vida em plena mata. É evidente que as crianças educadas em estabelecimentos da missão, vestidas, alimentadas, já com hábitos de higiene, ao terem de passar suas férias em casa dos pais, não haveriam de se refugiar de novo na floresta ínvia e entrar em

contacto promíscuo com as “malocas”. Poderão agora ir para “suas casas”, em contacto com seus pais vestidos e já com certos hábitos

de nossa própria civilização (Nas Fronteiras do Brasil, 1950:21). É importante ressaltar, todavia, que os índios do alto rio Negro não se sentiram atraídos pelos salesianos apenas pelos motivos já mencionados – segurança contra a exploração do trabalho desumano, pelo endividamento e pela acessibilidade de bens de seu interesse – mas a educação foi um atrativo significativo. Após a formação das primeiras turmas dos internatos, a educação se tornou a principal fonte de motivação para uma relação consolidada com os salesianos, a despeito das tentativas de destruição dos modos de transmissão dos conhecimentos indígenas. Os detentores dos conhecimentos dos brancos eram recebidos com prestígio (Lasmar, 2005:36-37).

Concomitantemente ao trabalho de catequese, alguns missionários salesianos dedicavam-se às pesquisas etnográficas e linguísticas. A atitude preconceituosa dos primeiros missionários em relação às práticas indígenas, a sua incapacidade de compreender e de respeitar uma cultura que não fosse a cristã, foi bem documentada nos trabalhos de Nimuendaju em 1950, Galvão em 1959, Silverwood-Cope em 1975 e Chernela em 1985 (Buchillet, 1994:7). Entretanto, de acordo com o padre salesiano Pedro Massa, os estudos dos missionários objetivavam o conhecimento da cultura dos povos entre os quais atuavam de modo a “orientar a tarefa patriótica de incorporar aquelas tribos à civilização brasileira e cristã” e contribuir para o patrimônio cultural nacional

71 “reunindo cabedais preciosos para a história de amanhã”. O trabalho de registro da cultura dos povos indígenas visava antes a sua “museificação” ao invés de sua efetiva compreensão, servindo de testemunho de uma cultura pagã, atrasada e supostamente elevada à verdadeira racionalidade (cristã) pelo zelo missionário. Guiados por estes fins, os salesianos separaram a cultura material destes povos de suas práticas julgadas irracionais e condenadas a desaparecer com o advento da racionalidade cristã e consideradas como empecilhos à obra de civilização missionária (Buchillet, 1994:6).

Kazyz Béksta foi um dos padres salesianos que se interessou profundamente na língua e nas práticas xamânicas dos grupos tukano. Casimiro, como ficou conhecido na missão de Parí-Cachoeira no rio Tiquié, nasceu na Lituânia em 1923 e chegou ao Amazonas na década de 50. Por mais de vinte anos atuou como missionário no alto rio Negro. Entretanto, tudo indica que o interesse de Casimiro não tinha como objetivo de aprender como meio para transformar o índio em civilizado de maneira mais eficaz. De acordo com Ribamar Bessa Freire, Casimiro tinha sede em aprender as línguas nativas, pois se identificava com a situação em que seus alunos se encontravam na missão em que atuava. Órfão e religioso, aos 18 anos Casimiro fugiu da Lituânia, na época parte da União Soviética. O lituano era uma língua báltica minoritária que estava em contato com outras de maior prestígio como o polonês, o russo e o ucraniano. Casimiro “sofreu muito com a discriminação de sua língua materna considerada suja, moribunda, sem futuro, pobre e atrasada. O preconceito se estendia às narrativas, canções e contos populares da mitologia lituana que circulavam na tradição oral e que ele escutava, encantado, na sua infância.

Nesse sentido, Casimiro Béksta era um índio do Mar Báltico”, comenta Bessa

Freire.11 Desta forma, ao chegar no rio Negro, Casimiro se identificou com os próprios índios que se encontravam nos internatos salesianos e eram proibidos de falar a sua língua nativa a ponto de apanharem se fossem vistos conversando

11 Informações obtidas através do artigo “Casimiro, o Índio do Mar Báltico”, publicado por José Ribamar Bessa Freire em 26.07.2015.

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em língua distinta do português. Bessa comenta sobre a reação de Casimiro frente ao sistema salesiano de educação.

Esse índio do mar Báltico sofria na própria pele o tratamento dado pela escola salesiana, ainda mais porque fazia parte da Congregação que impunha o português a ferro e fogo, reprimia os idiomas maternos e buscava apagá-los do mapa linguístico. Talvez por isso ele buscou refúgio no CIMI – Conselho Indigenista Missionário,

órgão da CNBB, que fazia críticas contundentes à pedagogia praticada nos internatos.12

A diversidade linguística da região o impressionou e Casimiro se dedicou a coletar os mitos e benzimentos pessoalmente e através de seus alunos bem como aprendia com eles as suas línguas. Não concordava com a proposta de civilizar os índios nem com o tratamento que lhes fora conferido de comando, obediência e imposição e lutou contra esta abordagem em favor de uma aproximação pautada no diálogo.13 O empenho de Casimiro produziu efeitos inesperados pelo próprio padre que serão relatados adiante.

O projeto avassalador de destruição das formas de transmissão de conhecimentos almejado pelos salesianos e pelo governo federal conseguiu destruir muita coisa, todavia, não logrou plenamente os resultados planejados. Os índios perderam muito, mas continuaram índios. No anos 70, sérios questionamentos foram levantados às práticas missionárias dos salesianos que incluíam ênfase demasiada em construções majestosas, feitas em estilo pessoal e sem consulta sobre a sua necessidade e finalidade, falta de interesse em conhecer a língua, cultura e religião indígenas, de orientação pastoral clara e de execução dos planos elaborados, de renovação no ensino e nos internatos, dentre outros (Peres, 2013:78). Em 1980, os salesianos foram denunciados no Tribunal Russel de Amsterdam pela prática de etnocídio.

Em resposta às críticas, na década de 80 os salesianos desenvolveram outras diretrizes ao se alinharem com a corrente progressista da igreja Católica e

12 Casimiro foi coordenador da Pastoral Indígena da CNBB e foi uma das figuras mais importantes na criação do CIMI na década de 70.

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73 passaram a adotar políticas interculturais. Com base no CIMI e na CNBB, a perseguição cultural deu lugar à sua promoção (Lasmar, 2005:36). Com base na teologia da libertação, a proposta passou a ser uma nova evangelização que se confrontava com os projetos assimilacionistas do governo. A preocupação dos salesianos passou a ser o resgate das culturas indígenas, a elaboração de uma educação condizente com os interesses nativos, a afirmação da identidade étnica ligada à posse de terra e o apoio ao movimento das organizações indígenas (Peres, 2013:97). Sob esta nova perspectiva, procuravam enfatizar o desenvolvimento comunitário por meio de cursos para a formação de professores indígenas, líderes locais (capitães ou administradores) que viriam a substituir os tuxauas ou chefes da comunidade que até aquela época operavam através da sucessão hierárquica. Os salesianos desenvolveram um kit missionário de “boa vida em comunidade”: o centro social, a escola e a capela formaram os pilares que sustentam as comunidades no rio Negro (Peres, 2013:79). Desta forma, nos anos à frente, os próprios índios se tornariam agentes de saúde, catequistas das capelas e professores das escolas em suas próprias comunidades. Ao mesmo tempo em que tais mudanças ocorriam, aos poucos, a influência da igreja no ensino diminuiu e outros atores entraram em ação (exército, as próprias organizações indígenas e organizações não governamentais). Com o corte das verbas federais, os internatos começaram a ser desativados a partir da década de 80 e ewscolas municipais passaram a ser implantadas em algumas comunidades.

Enquanto a influência dos salesianos entrava vagarosamente em declínio,