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O contexto histórico que precedeu a ditadura militar

A queda do nazismo alemão e o fim da Segunda Guerra Mundial originaram a bipartição do globo terrestre em Socialistas e Capitalistas. Respectivamente liderados pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e pelos Estados Unidos da América, proporcionaram ao mundo uma forma de disputa não declarada entre si, oficialmente intitulada de “Guerra Fria”. Resultou na hegemonia capitalista como forma econômica, social e cultural a ser seguida pelos países ocidentais, além da dissolução em 1991 da União Soviética em diversos países independentes (COTRIM, 1999, p. 443).

Estavam ao lado dos Estados Unidos na Guerra Fria e concordavam com as bases filosóficas do seu capitalismo. Supunham ter um parceiro no aliado, mas não conheciam a extensão do seu interesse pela expansão industrial brasileira. Capturado pelo conflito ideológico, esse pensamento associou-se a um projeto americano que lhes oferecia qualquer tipo de solidariedade, menos a industrialização acelerada (GASPARI, 2003, p. 131).

Influenciado pelo capitalismo norte-americano, o Brasil manteve-se como um importante parceiro nessa campanha contra o socialismo/comunismo. Porém, com a inesperada renúncia de Jânio Quadros, subiu ao mais importante cargo político do país o Sr. João Belchior Marques Goulart. Gaúcho de São Borja, que tinha no seu currículo o título de “líder da república sindicalista”, o que imediatamente alarmou a classe empresária e também os americanos (BUENO, 2010, p. 371).

Apesar de Jânio Quadros já ter adotado postura independente com relação à política externa, com João Goulart o Brasil “reatou relações diplomáticas com a União Soviética, ainda em 1961, e na reunião da Organização dos Estados Americanos, em janeiro de 1962, divergiu da posição norte-americana, abstendo-se na votação que aprovou a expulsão de Cuba da organização” (ABREU, 1988, p. 202).

Conforme refere Eduardo Bueno, tais características o aproximavam das teorias comunistas, inclusive sendo este um dos motivos apontados pela doutrina como estratégia de renúncia de Jânio Quadros:

Como se não bastasse as acusações que militares e udenistas havia anos lhe faziam, no momento em que Jânio Quadros renunciou, o então vice- presidente João Goulart estava na China Comunista. Embora se tratasse de uma viagem oficial, eram tempos de guerra fria e Jango sempre fora visto como o “líder da república sindicalista”, um comunista travestido de democrata. O próprio Jânio parecia compartilhar dessa opinião e tentou o blefe da renúncia por achar que nem os militares nem o Congresso entregariam o país “a um louco que iria incendiá-lo” (2010, p. 371).

Porém, ao retornar da China, em 05 de setembro 1961, João Goulart deparou-se com uma crise política, pois a sociedade civil manteve-se inerte a tal situação, não esboçando a reação almejada e esperada por Jânio Quadros. A expectativa com a posse do vice-presidente gerou o imponderável encontro entre Jango e o general Ernesto Geisel, futuro presidente militar, que, à época, exercia o cargo de chefe do Gabinete Militar da Presidência da República. Responsável pela segurança do então presidente no retorno do aeroporto até a Granja do Torto, em diálogo informal, estimulou o presidente a assumir pelo bem da paz nacional, encontro minuciosamente narrado por José A. Fogaça de Medeiros:

Quando entraram no carro que os levaria à Granja do Torto, Rainieri Mazzilli perguntou a João Goulart sobre o horário em que gostaria de ser empossado no dia seguinte, ao que Jango respondeu com indisfarçada hesitação: “Não sei de devo assumir. É um momento difícil para mim. Precisamos conversar”. No mesmo automóvel, viajava um militar graduado, que imediatamente levou a sua mão crispada ao braço do vice-presidente e disse com uma voz grave e severa: “Este é um momento difícil para todos nós e para todo o país. Já enfrentamos inúmeras dificuldades para V. Exa. assumir, mas esse é o único modo de conduzir o país pacificamente”. Em dois dias, no dia 7 de setembro de 1961, Jango era empossado perante o Congresso Nacional. E o homem que o havia convencido tão energicamente a assumir o governo em nome da paz nacional era o general Ernesto Geisel, então chefe do Gabinete Militar da Presidência da República (1978, p. 31).

Apesar do repúdio ao nome de João Goulart, Jango, como também era chamado, com apoio de seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e do general Augusto Lopes, chefe do 3º Exército (com sede no Rio Grande do Sul), declaram-se dispostos à guerra armada pelo cumprimento da Constituição vigente, movimento que ficou conhecido de “Campanha da Legalidade”.

Porém, apesar de empossado e seguindo os ditames da Constituição de 1946, de setembro de 1961 a janeiro de 1963 a República viveu o seu mais longo período de indefinição política desde o início da década de 1890, com consequências paralisantes do ponto de vista da tomada de decisões no terreno econômico (ABREU, 1990, p. 200). A disputa política somente teve fim com a criação de uma comissão no Congresso que propôs a diminuição de poderes do presidente, numa forma indireta de alteração do sistema de governo, retornando o Brasil ao parlamentarismo, fato anteriormente ocorrido na fase final do Império (1847-1889). Esta situação expôs o repúdio ao nome de João Goulart, que, apesar de Presidente da República, teve seus poderes limitados pela presença de um primeiro ministro, no caso Tancredo Neves.

A implantação do parlamentarismo em boicote ao nome de Jango ocorreu por meio de emenda constitucional parlamentarista (Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961), perdurou somente até 23 de janeiro de 1963, quando a Emenda Constitucional nº 6 estabeleceu um plebiscito que reconduziu o país ao presidencialismo, devolvendo os amplos poderes a João Goulart (BARROSO, p. 30, 1996).

Em julho de 1962, Tancredo renunciou e houve nova crise quando Jango quis nomear San Tiago Dantas (favorável ao afastamento dos Estados Unidos e à aliança com nações socialistas). No final, o gaúcho Brochado da Rocha, do PSD, assumiu o cargo. Em janeiro de 1963, um plebiscito deu ampla vitória ao presidencialismo (9 milhões de votos) sobre o parlamentarismo (2 milhões). Só então João Goulart virou presidente de verdade (BUENO, 2010, p. 372).

A experiência parlamentarista não foi bem sucedida, conforme relembra Hélio Silva:

Frente ao dilema de desobedecer à Constituição, não empossando o substituto legal do Presidente renunciante, ou dar posse sob a ameaça da guerra civil, que seria outra forma de desrespeito à Constituição, achou-se uma fórmula de modificar o texto constitucional, implantando o Parlamentarismo que nunca funcionou, com um plebiscito – que restaurou as condições do impasse inicial (1978, p. 199).

O retorno ao presidencialismo com a recondução de João Goulart ao cargo de presidente da República contrariou a oposição. Porém, outro não poderia ser o desfecho para a situação, acalmando a população e afastando o perigo de uma possível guerra civil.

Após o plebiscito, Goulart assumiu plenamente o poder presidencial, reforçando, a partir de então, sua linha de governo nacionalista e a política externa independentemente. Sua estratégia socioeconômica foi formalizada através do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, organizado por Celso Furtado, ministro do Planejamento. Esse plano tinha como objetivos:

a) promover melhor distribuição das riquezas nacionais, atacando os latifúndios improdutivos para defender interesses sociais;

b) encampar as refinarias particulares de petróleo; c) reduzir a dívida externa brasileira.

d) diminuir a inflação e manter o crescimento econômico sem sacrificar exclusivamente os trabalhadores (COTRIM, 1999, p. 433).

1963 seria um ano de agonia. Iniciara-se com o Referendo, que devolvera a Goulart os poderes do presidencialismo, e daí por diante se desconhecera um período de calma (FILHO, 1975, p. 12). O resultado do plebiscito acabou aproximando a oposição vencida nas urnas, composta principalmente por grandes empresários que seriam atingidos pelas reformas idealizadas pelo presidente através do Plano Trienal, aos militares, temerosos de uma possível guinada à esquerda nos rumos do país.

A partir daquele momento passaram a arquitetar um projeto de revolução política que culminaria na queda de João Goulart. Até então a idéia de uma ditadura militar não era o objetivo dos opositores, imaginando os revoltosos, tanto civis quanto militares, que a manutenção da democracia era algo indiscutível, apesar da clara intenção de desrespeitarem a Constituição de 1946, vigente naquele período.

A situação política passou a chamar a atenção dos Estados Unidos que, objetivando a manutenção e consolidação do capitalismo, passaram a investir milhares de dólares na campanha contra o governo. Com esse objetivo foram criadas diferentes associações políticas de oposição, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas Sociais (IPES), financiados pelos empresários e pelo governo americano. Porém, o principal órgão articulador do golpe contra o constitucionalismo em vigor foi a Escola Superior de Guerra (ESG) (ALVES, 1984, p. 35).

Localizada no Rio de Janeiro, a ESG foi criada pela Lei nº 785/49 como um Instituto de Altos Estudos de Política, Estratégia e Defesa. Integrante da estrutura do Ministério da Defesa, tornou-se importante aliado americano em solo brasileiro no combate ao suposto viés de esquerda que o governo João Goulart externava através de sua plataforma de governo.

Não obstante tudo isso, a ESG permaneceu a instituição-chave responsável pela sistematização, reprodução e disseminação do corpus oficial da Doutrina de Segurança Nacional e seu relacionamento com a polis. Assim, embora não fosse um centro de iniciativa, era a fonte autorizada da ideologia militar para os militares enquanto instituição. Torna-se, portanto, extremamente importante estudar a evolução da doutrina da ESG durante a abertura, porque todo o sistema de ensino e socialização militar, as agências estatais, como o SNI, e o sistema legal, dominado pelos militares, que produziu as Leis de Segurança Nacional usaram os documentos oficiais da ESG como base doutrinária (STEPAN, 1984, p. 58).

A sistematização, reprodução e disseminação da Doutrina de Segurança Nacional sofreu forte influência da doutrina americana de combate ao comunismo. Surgida durante a Guerra Fria, foi inserida nos países neutros e aliados ao capitalismo por meio do financiamento de áreas estratégicas.

A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento foi formulada pela ESG, em colaboração com o IPES e o IBAD, num período de 25 anos. Trata-se de abrangente corpo teórico constituído de elementos ideológicos e de diretrizes para infiltração, coleta de informações e planejamento político-econômico de programas governamentais. Permite o estabelecimento e avaliação dos componentes estruturais do Estado e fornece elementos para o desenvolvimento de metas e o planejamento administrativo periódico (ALVES, 1984, p. 35).

Num clima extremamente desfavorável, João Goulart e o seu partido PTB presidiram o país do dia 07 de setembro de 1961 ao 01 de abril 1964, apenas 02 anos 06 meses e 25 dias à frente do Poder Executivo nacional. Durante esse período, Jango foi fortemente acusado de comunista, inclusive tendo seu nome associados aos partidos políticos de esquerda da época.

As críticas sofridas aproximaram a imagem do presidente ao comunismo. Apesar dessa repercussão negativa, João Goulart jamais se empenhou em mudar este rótulo, mesmo quando acusado de ser um agente enviado pela URSS como forma de difusão do comunismo.

O poder continua sólido, e tê-lo-ia sido desde a reação de 1935, quando da intentona comunista, não fosse o presidente João Goulart um agente de Moscou instalado, pelo voto popular, no poder, que só não transferiu para seus mestres soviéticos, por não contar ele com as forças armadas (SCATIMBURGO, 1971, p. 367).

Com o fracasso do Plano Trienal, o presidente acompanhado por aliados políticos e por sua esposa Teresa Goulart, subiu ao palanque e anunciou em um grande comício no Rio de Janeiro em frente à Estação de Ferro Central do Brasil, em 13 de março de 1964, suas “reformas de base”. Transmitido pela televisão e acompanhado in loco por cerca de 300 mil pessoas, tal evento ficou marcado na história política do país como o “início do fim” do governo de Jango (BUENO, 2010, p. 376).

O governo de Goulart promovera uma série de restrições aos investimentos multinacionais, configurados, entre outras medidas, numa severa política de controle das remessas de lucros, de pagamentos de royalties e de transferências de tecnologia, assim com em legislação antitruste e em negociações para a nacionalização de grandes corporações estrangeiras. Adotou também uma política nacionalista de apoio e concessão de subsídios diretos ao capital privado nacional, sobretudo aos seus setores não vinculados ao capital estrangeiro (ALVES, 1984, p. 21).

Com o objetivo claro de demonstrar a força política do presidente contra o suposto golpe que já se sabia em andamento, a estratégia populista, herança do “padrinho político Getúlio Vargas”, de favorecimento às classes menos abastadas, conforme evidenciado nas “reformas de base” parecia o suficiente para sua manutenção no poder. Além da necessidade dos opositores em respeitar a Constituição em vigor, respaldando o plebiscito que reconduziu o país ao presidencialismo (GASPARI, 2002).

Ancorado por políticos de respaldo social, como Leonel Brizola (Governador do Rio Grande do Sul) e Miguel Arraes (Governador de Pernambuco), João Goulart subestimou a força dos opositores, que, em repúdio aos ditames comunistas e principalmente às reformas que se apresentavam extremamente prejudiciais aos seus interesses, realizaram uma pacífica passeata em 19 de março de 1964, com a participação de cerca de 500 mil pessoas, organizada pela União Cívica Feminina (UCF) e pela Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), ambas patrocinadas pelo IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), anteriormente referido como importante instituto de oposição ao governo.

A importância das mulheres neste evento, que restou intitulado de Marcha da Família com Deus pela Liberdade, deveu-se também à participação das esposas e das empregadas domésticas dos empresários contrários as idéias de Jango. Aliadas ao grande contingente de oposição, foram às ruas munidas de faixas com dizeres contrários ao governo de Jango.

Comparação feita por Eduardo Bueno expôe a importância desses dois eventos, até então democráticos, no curso do golpe que estava prestes a ocorrer:

Se o Comício das Reformas fora uma poderosa manifestação de força do movimento sindical, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi um sinal ainda mais impressionante de que a classe média e as “forças reacionárias” estavam unidas, temerosas e, acima de tudo, prontas para a ação (...).

Organizada pela União Cívica Feminina e pela Campanha da Mulher pela Democracia, com apoio do deputado conservador Cunha Bueno e do governo de São Paulo, a Marcha da Família reuniu em torno de 500 mil pessoas, no dia 19 de março. A manifestação saiu da praça da República e, duas horas depois, chegou à Praça da Sé, onde foi rezada uma missa “pela salvação da democracia” (2010, p. 377).

Após a grande passeata realizada pelas ruas de São Paulo, os opositores rezaram na Praça da Sé uma missa organizada pelo padre americano Patrick Peyton, considerado um dos braços religiosos de apoio aos militares. O sucesso do evento acabou por convencer a cúpula do Exército de que a sociedade civil brasileira seria, no mínimo, condescendente com a deposição do presidente eleito (BUENO, 2010, p. 378).

Sabedor dos trâmites de um golpe em seu desfavor, João Goulart passou a tomar atitudes que buscavam desmoralizar e enfraquecer o poder político dos militares. Conforme relata Eduardo Bueno, Jango acabou por soltar e anistiar marinheiros que, reunidos no Rio de Janeiro, reivindicavam melhores salários e, principalmente, elegibilidade. Esse fato provocou a revolta dos militares, que viram nessa atitude a tentativa de quebra de hierarquia de poder por esses militares não integrarem o corpo de oficiais (SILVA, 1978).

Outro fato marcante na controversa estratégia adotada pelo presidente na tentativa de manutenção do poder, ocorreu nas dependências do Automóvel Clube do Brasil no dia 30 de março de 1964, véspera do dia do golpe militar.

Depois de desafiar abertamente o comando militar ao anistiar, em 27 de março de 1964, os participantes da Revolta dos Marinheiros, Jango decidiu – apesar dos conselhos contrários – discursar numa assembléia de sargentos, no Automóvel Clube do Brasil, no dia 30. O movimento lutava pela elegibilidade dos sargentos. Ao contrário do tenentismo – um dos pilares da Revolução de 30 -, a reivindicação dos sargentos era vista como

uma quebra da hierarquia militar (já que dava igualdade política a não oficiais) (BUENO, 2010, p. 377).

Alguma dissonância existe na delimitação da data do efetivo golpe militar. Apesar de considerado pela doutrina o dia 30 março a véspera do golpe, a imprensa nacional, grande vítima dos “anos de chumbo”, expressão cunhada pela truculência dos atos de poder e limitação dos direitos à liberdade de imprensa, batizou o nascimento do golpe/revolução militar como sendo o dia 01 de abril de 1964, fazendo clara alusão ao peculiar “dia da mentira”.

Embora a irônica tentativa de diminuir ou ridicularizar a atitude dos militares, importante destacar que, após o pretensioso discurso realizado nas dependências do Automóvel Clube do Brasil, no qual o presidente saíra do texto escrito e moderado que a parte não radical de sua assessoria havia preparado, os militares passaram a efetivamente a pôr em prática o golpe que culminou com a deposição do Presidente João Goulart (CHAGAS, 1985, p. 14).

Apesar de conhecidos, jamais houve consenso quanto ao local e ao mentor das estratégias adotadas pelos revolucionários militares na tomada de poder, porém os conspiradores civis que articulavam contra o presidente, agiam abertamente. Evidentemente almejavam cargos políticos de destaque em um futuro governo militar.

Neste sentido, esclarece Eduardo Bueno:

Apesar de vários segmentos da sociedade civil – dos quais faziam parte empresários do Rio de Janeiro e São Paulo, uma boa parcela das classes médias urbanas e a maioria do patronato rural – estarem dispostos a apoiar um complô para derrubar o governo constitucional de Jango, foi o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, quem se escalou para “assumir a liderança civil do movimento anti-Goulart”. No dia seguinte à Revolta dos Marinheiros, três representantes do governador mineiro procuraram o general Humberto Castelo Branco – cientes de que ele era o “coordenador-geral dos grupos militares da conspiração” – para comunicar a decisão de Magalhães Pinto (2010, p. 379).

A movimentação iniciada pelos militares após o discurso proferido por Jango contou com a intensa troca de informações entre as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Brasília. “Era a conspiração em marcha para se tornar sedição ou revolução, nas barbas do governo, ainda desconhecida da opinião pública” (CHAGAS, 1985, p. 13).

Além da comunicação telefônica entre os grandes centros do poder nacional, passou a haver a movimentação de tropas militares, conforme relata Eduardo Bueno:

Às 3 horas da manhã de 31 de março, porém, depois de passar noite em claro, Olímpio Mourão Filho partiu com suas tropas de Juiz de Fora rumo ao Rio de Janeiro. [...] Supreendido pelo golpe no Rio, Goulart voara para Brasília na tarde do dia 1º. Seguiu para o Rio Grande do Sul na mesma noite, deixando o chefe do Gabinete Civil, Darcy Ribeiro, com a incumbência de comunicar ao Congresso o fato de que o presidente permanecia em território nacional (2010, p. 382).

Apesar de ainda encontrar-se em solo nacional, o Congresso Nacional, de forma inédita e inconstitucional, declarou vaga à Presidência da República. Não havendo vice-presidente para assumir, condição ocupada por Jango quando da sua chegada ao poder, restou empossado Presidente da República o Deputado Federal e Presidente da Câmara, Rainieri Mazzili. Intimidado com a situação, João Goulart refugiou-se em Porto Alegre, desistindo de qualquer “contragolpe”, exilando-se, em 04 de abril de 1964, no Uruguai.

Duvida-se, hoje, de como foi possível que tudo aquilo acontecesse nas barbas do governo e o governo nada fizesse, primeiro para abortar a conspiração, depois para tentar esmagar os revoltosos, eles mesmos duvidando do sucesso final. Terão contribuído a perplexidade e a hesitação do presidente João Goulart, como a ausência de um ministro de Guerra, mais o despreparo das forças sindicais, boas de discurso mas ineficazes em tática. Perdera a classe média e não soubera arregimentar a classe proletária, a não ser retoricamente. Radicalizara mas se vira radicalizado em grau muito superior (CHAGAS, 1985, p. 35).

O apoio americano aos militares foi fundamental para o sucesso do golpe. Desde a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a aproximação entre os dois países passou a ocorrer, fato evidenciado na parceria firmada durante a Guerra Fria. Segundo afirma Hélio Silva, “não foi a primeira vez que se ligou um fato político brasileiro à influência dos Estados Unidos. Quando Vargas se suicidou, a mesma acusação foi feita” (1978, p. 27).

A deflagração do golpe, apesar de parecer atabalhoada, foi eficiente e rápida. Tudo havia sido previsto e funcionou de modo a não permitir a resistência. O apoio dos EUA foi dado de forma prática, com aproximação de navios da Frota do Atlântico Sul, com desembarque de armas nas costas de Santa Catarina com submarinos sem identificação e com o fornecimento de informações do serviço secreto aos golpistas (SILVA, 2009, p. 39).