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Os direitos fundamentais e a Constituição Federal de 1988

O retorno do Brasil ao Estado Democrático de Direito após a ditadura militar, que perdurou de 1964 a 1985, influenciou diretamente a elaboração da Constituição Federal de 1988. O movimento legislativo constitucional que desencadeou no vasto rol de direitos e garantias fundamentais preconizados por esta Carta Constitucional possui semelhança ao ocorrido no pós Segunda Guerra Mundial com a edição de inúmeros tratados internacionais para proteção dos direitos humanos. Conforme destaca Ingo Wolfgang Sarlet:

No que concerne ao processo de elaboração da Constituição de 1988, há que fazer referência, por sua umbilical vinculação com a formatação do catálogo dos direitos fundamentais na nova ordem constitucional, à circunstância de que esta foi resultado de um amplo processo de discussão oportunizado com a redemocratização do País após mais de vinte anos de ditadura militar (2010, p. 63).

Neide Maria Carvalho de Abreu destaca a influência exercida pelo pós Segunda Guerra na elaboração das declarações de direitos e também nas cartas constitucionais.

Os direitos fundamentais foram inseridos de maneira explícita nas constituições, há bem pouco tempo, precisamente após a 2ª Guerra Mundial, quando todos os povos intuíram que a preocupação internacional deveria estar voltada para uma proteção aos direitos da pessoa humana, após as violências cometidas pelos regimes fascista, stalinista e nazista, como também pelo perigo de ameaça à tranquilidade universal decorrente da instabilidade das relações entre diversos países (2006, p. 09).

Porém, importante enfatizar que a Constituição Federal de 1988, apesar de inovadora ao tratar dos “direitos fundamentais antes de tratar da organização do próprio Estado, bem como ao incorporar junto à proteção dos direitos individuais e sociais a tutela dos direitos difusos e coletivos” (PINHO, 2005, p. 72), não pode ser considerada pioneira e tampouco exclusiva ao tratar de direitos individuais, conforme relembra Rodrigo César Rebello Pinho:

Todas as Constituições brasileiras contiveram enunciados de direitos individuais. A de 1824, em seu art. 179, garantia “a inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade”. A Constituição de 1891 destinava uma seção à declaração de direitos, assegurando a “brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade” (art. 72). A de 1934, editada após a Constituição alemã de Weimar, continha, ao lado de um título denominado “Das Declarações Direitos”, um outro dispondo sobre a ordem econômica e social, incorporando ao Texto Constitucional diversos direitos sociais. A tutela a essa nova modalidade de direitos, os sociais, permaneceu em todas as demais Constituições. A Carta de 1937 consagrava direitos, mas o art. 186 declarava “em todo o país o estado de emergência”, com a suspensão de diversas dessas garantias. [...] A Constituição de 1946 destinou o Título IV à declaração de direitos. Esse enunciado permaneceu nas Constituições de 1967 e 1969 [...] (2005, p. 71).

No entanto, inegáveis as inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, resultado de um período de amadurecimento e de consolidação do direito constitucional em âmbito nacional e internacional, representando o marco do processo de redemocratização do Estado. “Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais” (SARLET, 2010, p. 63).

A inclusão de um vasto rol de direitos e garantias fundamentais preconizados pela Constituição Federal de 1988 foi o meio adotado pelo legislador na proteção contra o retorno de períodos de desrespeito democrático.

Três características consensualmente atribuídas à Constituição de 1988 podem ser consideradas como extensivas ao título dos direitos fundamentais, nomeadamente seu caráter analítico, seu pluralismo e seu forte cunho programático e dirigente. [...] Este cunho analítico e regulamentista reflete-se também no Título II (dos Direitos e Garantias Fundamentais), que contém ao todo sete artigos, seis parágrafos e cento e nove incisos, sem se fazer menção aqui a diversos direitos fundamentais dispersos pelo restante do texto constitucional (SARLET, 2010, p. 64).

Merecem destaque as inegáveis conquistas alcançadas a partir da Constituição Federal de 1988 no que se refere à construção da cidadania e à preservação da dignidade da pessoa humana. Méritos alcançados a partir das inovações legislativas que concederam aos direitos fundamentais tratamento especial.

O texto constitucional de 1988 incluiu um rol de direitos fundamentais os direitos civis, políticos e sociais, sendo os últimos a grande inovação, já que as constituições anteriores tratavam dos direitos sociais dentro da ordem econômica e social e esses não eram, até então, consagrados como direitos e garantias fundamentais (BRAUN, 2002, p. 101).

Ingo Wolfgang Sarlet destaca características da Constituição Federal 1988 responsáveis pelo êxito na proteção dos direitos fundamentais. Em primeiro lugar, destaca a amplitude do catálogo dos direitos fundamentais, tendo o artigo 5º 78 incisos, sendo que o art. 7º consagra, em seus 34 incisos, um amplo rol de direitos sociais dos trabalhadores. Porém, ressalta o autor que a inovação mais significativa está inserida no art. 5º, § 1º, da CF, de acordo com a qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata, apesar da efetivação prejudicada pela própria amplitude do catálogo (2010, p. 66).

No entanto, apesar de todas as características positivas que acompanham os direitos fundamentais no âmbito da Constituição Federal de 1988, a inclusão no rol das “cláusulas pétreas” (ou “garantias de eternidade”) do art. 60, § 4º, da Carta, expressa a grandeza e a importância destes direitos, responsáveis pelo virtuoso cognome de Constituição Cidadã.

O histórico de violações aos direitos e garantias fundamentais durante a ditadura militar de 1964 confirma a dificuldade de um governo totalitário em manter o respeito pelas normas constitucionalmente protegidas. A deposição de João Goulart, presidente legalmente constituído durante a vigência da Constituição Federal de 1946, confirma esta situação.

A própria Constituição Federal de 1967, semioutorgada por um Congresso Nacional composto por políticos filiados ao Exército, apesar dos retrocessos democráticos, trazia um singelo rol de direitos e garantias fundamentais. A controvertida Emenda Constitucional de nº 1, também conhecida por Constituição Federal de 1969, outorgada por uma Junta Militar fortemente influenciada pelo Ato Institucional nº 5, apesar de ter ampliado as restrições da Constituição de 1967, manteve certos direitos e garantias fundamentais e direitos sociais.

Tais contradições evidenciam o fato de que as Constituições que vigoraram durante a ditadura militar não resultaram de uma verdadeira revolução social, o que esclarece a não efetividade das normas de caráter voltado ao desenvolvimento e bem-estar do cidadão.

A história das nossas Cartas Magnas resulta da alternância cíclica no poder de setores autoritários ou liberais do capitalismo. Em todos os casos, as forças dominantes geraram Constituições que visavam ou manter o sistema sócio-político-econômico, ou modificar aspectos dele a fim de mantê-lo como um todo (CALDEIRA; ARRUDA, 1986, p. 4).

Em períodos de consolidação constitucional de um Estado Democrático de Direito, a simples inserção de normas de direitos e garantias fundamentais em uma Constituição não significa sua efetividade. Durante um período de ditadura militar ocorre o distanciamento ou mesmo a ruptura entre a efetividade e o rol de direitos formalmente positivados. No Brasil, de 1964 a 1985, o poder constituinte teve o cuidado de elencar ou manter direitos que somente convenciam a opinião pública internacional e os órgãos de proteção aos direitos humanos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), internamente, a efetividade de tais direitos jamais fora prioridade dos militares.