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O contexto social brasileiro acerca da homossexualidade e da homoparentalidade

3 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA

4.2 O contexto social brasileiro acerca da homossexualidade e da homoparentalidade

Segundo Evans (2015, p. 4-5), não há expressões definidas em âmbito acadêmico para tratar de temas que expressam problemas ou dificuldades sociais. Contudo, as designações comumente usadas para tratar de questões consideradas de alta complexidade encerram conotações negativas, dentre as quais destacam-se: “estranhos, incomuns, perturbadores, chocantes, problemáticos, curiosos, questionadores e filosóficos”. Levando em consideração o contexto social brasileiro atual, em que a aceitação da homossexualidade ainda não é um fenômeno plenamente admitido, o termo fraturante, usado por Ramos (2009), foi escolhido para designar, também nessa pesquisa, a homoafetividade e a homoparentalidade como temáticas que expõem a não aceitação dessas condições humanas como fraturas.

A manifestação da homossexualidade ainda é objeto de contradição no meio social brasileiro. Ao mesmo tempo em que uma pesquisa realizada pelo Datafolha20, em 2018, mostrava que a maioria das pessoas concorda que a homossexualidade deve ser aceita na

20 Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/10/27/74-dos-brasileiros-acham-que-a-

sociedade, a intolerância à diversidade de sexualidades alcançava níveis impressionantes de violência. Essa pesquisa foi realizada em virtude do segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, entre os dias 24 e 25 de outubro de 2018 e teve a participação de 9.173 eleitores, em 341 estados brasileiros. As pessoas deveriam responder com qual das seguintes frases concordavam: “A homossexualidade deve ser aceita por toda sociedade” ou “A homossexualidade deve ser desencorajada por toda a sociedade”. O resultado foi o seguinte: 74% dos entrevistados responderam que concordavam que a homossexualidade deveria ser aceita, 18% admitiram que deveria ser desencorajada e 8% não souberam responder.

O relatório publicado pelo Grupo Gay da Bahia, referente ao mesmo ano,21 apresenta indíces altíssimos de ações violentas contra homossexuais, os quais, inclusive, continuam sustentando o Brasil na primeira posição da escala de países em que há mais mortes de lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais por homicídios e suicídios.

Não obstante, a luta por dignidade liderada por organizações LGBT tem conseguido dar visibilidade às demandas desse grupo que, aos poucos, vem conquistando direitos civis e ocupando espaços sociais.

Algumas das conquistas bem sucedidas no Brasil, válidas para todo território nacional, foram a normatização do nome social e o reconhecimento de gênero de pessoas LGBT pelos órgãos e entidades de administração pública, em 2016. E, antes disso, em 2011, a aprovação da união estável de pessoas do mesmo sexo, que foi convertida em 2013 para casamento, o que permitiu aos casais homossexuais exercerem o direito à adoção. Em junho de 2019, o Superior Tribunal Federal (STF) determinou que a discriminação do indivíduo pela sua identidade de gênero ou pela sua orientação sexual também seja punida pela Lei de Racismo (7716/89), que, até então, abarcava crimes contra preconceito de cor, raça, etnia, religião e procedência nacional. O STF ainda ampliou a Lei Maria da Penha, passando a incluir transexuais ao grupo de pessoas amparadas pela lei. Contudo, as entidades representativas de LGBT continuam lutando para que seja criada uma lei federal específica para casos de homofobia, como já existe em alguns estados do Brasil e em cerca de quarenta países no mundo todo.

Apesar de amparada por lei, a homoparentalidade ainda é vista como prática ilegítima, por não corresponder ao padrão familiar tradicional, em que somente a um homem e a uma mulher são atribuídas as respectivas posições de pai e mãe. Sem qualquer fundamentação

21 O Grupo Gay da Bahia, fundado em 1980, é a organização não governamental mais antiga no Brasil, que ainda

está em atividade pela defesa de pessoas LGBT. Os dados estatísticos apresentados no relatório mencionado são as informações mais recentes a que se tem acesso e se encontram disponíveis em: <https://homofobiamata.wordpress.com/homicidios-de-lgbt-no-brasil-em-2018/>. Acesso em abr. de 2019.

teórica ou empírica, alega-se que a falta de referenciação do gênero ausente pode determinar, como homossexual, a orientação sexual da criança adotada pelo casal homossexual. Portanto, esses casais não estariam aptos a criar e/ou educar uma criança dentro dos parâmetros éticos e morais vigentes, por causa de sua orientação desviante e desviadora da tradição.

4.3 IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO HOMOSSEXUAL

Amaram o amor urgente As bocas salgadas pela maresia As costas lanhadas pela tempestade Naquela cidade Distante do mar Amaram o amor serenado Das noturnas praias Levantavam as saias E se enluaravam de felicidade Naquela cidade Que não tem luar Amavam o amor proibido Pois hoje é sabido Todo mundo conta Que uma andava tonta Grávida de lua E outra andava nua Ávida de mar [...] Chico Buarque

Desde que a criança nasce, espera-se que ela apresente comportamentos sociais associados ao que se ensina ser adequado para o gênero correspondente ao seu sexo biológico. No meio familiar, na escola, no espaço religioso, as crianças vão sendo ensinadas a agir conforme um conjunto de regras determinadas para meninos e meninas. Essas formas diferenciadas de existir enquanto seres humanos e de ser reconhecido como pertencente ao gênero masculino ou ao gênero feminino são consideradas naturais, assim como o sexo biológico.

A possibilidade recorrente de não haver correspondência entre sexo biológico e identidade de gênero é uma proposta de concepção de mundo já bastante estudada no meio acadêmico. Segundo a filófosa Butler (2017, p. 26), essa distinção entre sexo e gênero atesta o fato de que “por mais que o sexo pareça intratável em termos biológicos, o gênero é culturalmente construído: consequentemente, não é nem o resultado causal do sexo nem tampouco tão aparentemente fixo quanto o sexo”.

Em relação à orientação sexual, segundo Furtado (2017, p. 45-46), atualmente, há três distinções aceitas por toda comunidade acadêmica, nomeadamente, a homossexualidade, a heterossexualidade e a bissexualidade. Além dessas, há ainda a assexualidade, que apesar de ser vista por uma parcela de estudiosos como um problema associado à falta de libido e distúrbios emocionais, pode vir a ser classificada como uma modalidade de orientação sexual. Para Butler (2017), o gênero é a apropriação de significados culturais por um corpo sexuado; além disso, o sexo pode ser interpretado de forma múltipla pelo gênero. Contudo, a filósofa ainda alega que a noção de classificação binária do próprio sexo biológico não pode ser fixa, assim como a identidade de gênero não o é, pois para definir tanto o gênero quanto o sexo há um discurso que se destina a estabelecer certos limites para as possibilidades culturais. Entretanto, Butler (2017) não quer dizer que toda e qualquer possibilidade de gênero seja realizável, mas que são as delimitações feitas pelo discurso que condicionam as experiências:

Tais limites se estabelecem sempre nos termos de um discurso cultural hegemônico, baseado em estruturas binárias que se apresentam como a linguagem da racionalidade universal. Assim, a coerção é introduzida naquilo que a linguagem constitui como o domínio imaginável do gênero. (BUTLER, 2017, p.30)

Para perceber como a linguagem constrói a realidade, a teoria semiolinguística ressalta a influência dos imaginários sociodiscursivos nessa dinâmica e destaca a atuação do sujeito.