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3 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA

4.4 Os imaginários sociodiscursivos

A interação com o entorno físico, social e cultural leva o sujeito a (re)construir novos modos de se referir ao mundo para dar conta de suas demandas discursivas. Com isso, Charaudeau (2006), baseado na noção de imaginário social, postula que os imaginários sociodiscursivos desempenham o papel de espelho identitário frente aos membros de um grupo social, materializados em comportamentos sociais e em atividades coletivas.

Os imaginários são engendrados pelos discursos que circulam nos grupos sociais, que se organizam em sistemas de pensamento coerentemente criados por valores, representam o papel de justificativa da ação social e se depositam na memória coletiva (CHARAUDEAU, 2006). Os imaginários são apreendidos por meio do discurso e estão fundamentados em saberes

de crença e saberes de conhecimento. Os saberes, portanto, são maneiras de dizer tais discursos enunciados, uma vez que colaboram para a estruturação dos sistemas de pensamento.

Os saberes de crença são estabelecidos por meio da subjetividade, isto é, os valores e conhecimentos sobre o mundo são construídos a partir daquilo que pode ser captado pelo ser humano por meio dos sentidos. De acordo com os saberes de crença, essa subjetividade se sobrepõe ao mundo.

Os saberes de conhecimento, por sua vez, tendem a estabelecer uma verdade acerca dos fenômenos do mundo, livres da subjetividade do sujeito. Esses saberes são construídos a partir de uma lógica científica, resultado de uma verificação ou experimentação, que podem ser atestados e comprovados no mundo real. No âmbito do saber científico, o conhecimento do mundo se impõe ao homem, ou seja, a representação da realidade vale pelo conhecimento do próprio homem. Segundo Charaudeau (2006), essa razão implica fiadores, ou seja, algo ou alguém que abone um determinado parecer, tornando-o uma prática de uso coletivo. Os saberes de conhecimento são divididos em saber científico e saber de experiência.

O saber científico baseia-se nos procedimentos de observação, de experimentação e de cálculo, os quais utilizam ferramentas, como o microscópio, para ver o mundo ou realizam certas operações com auxílio de tecnologia, cujos propósitos são assegurar que esses procedimentos e esses instrumentos possam ser verificados e utilizados por qualquer outra pessoa com a mesma habilidade. É interessante destacar, como exemplo, o fato de que, embora não se possa ver a terra girar em torno do sol, esse conhecimento é comprovado por pesquisas científicas.

O saber de experiência constrói uma explicação para o mundo baseando-se em experiências vivenciadas, que podem ser comprovadas sem o auxílio de instrumentos especiais. Esse saber tem origem na experiência cotidiana dos indivíduos. Por exemplo, se alguém solta um objeto que está seguro nas mãos, sabe que o mesmo irá cair. Se alguém quiser comprovar essa experiência, basta realizar o mesmo procedimento e terá o mesmo resultado. Trata-se, neste caso, de uma experiência comprovada e universalmente compartilhada, pois não é necessário conhecer as leis da gravidade para reconhecer que, ao largar um objeto, ele irá cair.

No que se refere aos saberes de crença, Charaudeau (2006) divide-os em saber de revelação e saber de opinião. O saber de revelação justifica-se a partir de uma verdade exterior ao sujeito, que, ao contrário do saber de conhecimento, não precisa ser provada, razão pela qual ela tem uma adesão plena do sujeito. Mas, para essa adesão ser justificada, deve haver textos que a testemunhem de forma mais ou menos transcendental (pensamento que não resulta da experiência), textos que tenham um caráter sagrado, desempenhando o papel de valores de

referência absoluta para que a adesão ocorra. Esses discursos pautados por evidências estão ligados a ideologias e doutrinas.

O saber de opinião, por sua vez, tem origem em um processo de avaliação pelo qual o sujeito toma posições sobre os fatos do mundo. Como em todo saber de crença, o mundo não se impõe ao sujeito, ao contrário, o sujeito é que se impõe ao mundo. A opinião é o resultado de um movimento de apropriação de saberes que advêm das proposições circulantes em um grupo social. Esse saber é pessoal e compartilhado e, por isso, pode ser contestado. Todo juízo de opinião é subjetivo e fundamentado em saberes partilhados. Por essa razão, esse saber assume uma função identitária.

A opinião comum é definida como um julgamento de caráter generalizante, difundido socialmente. É expressa por meio de provérbios e ditos populares. Na opinião comum, o sujeito não produz argumentos próprios, pois se apropria do julgamento, da doxa.

A opinião relativa diz respeito a um sujeito individual ou a um grupo específico. O sujeito emite uma opinião relativa como: “Penso que na Europa uma boa escolha é a França”. Subentende-se, com este enunciado, que há pessoas cujas opiniões diferem daquela. O saber de crença de opinião relativa presentifica-se em espaços de discussão democráticos.

A opinião coletiva é a avaliação que um grupo faz sobre outro grupo. Esse tipo de julgamento visa definir, qualificar e essencializar o grupo focalizado.

Nota-se, então, que os imaginários sociodiscursivos são concebidos a partir dos diferentes tipos de saberes encontrados na sociedade. São esses tipos de saberes que firmam os discursos circulantes e servem como argumentos para a criação dos imaginários. O quadro a seguir apresenta os tipos de saber, conforme proposto por Charaudeau (2006, p.63):

Quadro 13: Esquema de representação da Gênese do Saber postulado por Charaudeau (apud MOTA, 2015, p. 60)

De acordo com Charaudeau (2017), os saberes de opinião sustentam o posicionamento dos sujeitos em relação às temáticas sociais concernentes à comunidade em que vivem. A não aceitação da homossexualidade já perpassa o quarto século e, consequentemente, desde então, a homoafetividade tem sido considerada como uma relação imprópria. Silva et al. (2017) verificaram que as seguintes expressões sintetizam as motivações que sustentam o discurso contrário à homoparentalidade:

1) crianças que são adotadas por gays viriam a ser homossexuais no futuro;

2)crianças criadas por casais do mesmo sexo, apresentariam comportamentos diferentes das criadas por heterossexuais;

3) a importância do referencial de ambos os sexos, para o desenvolvimento saudável da criança, além de argumentos morais contra a homossexualidade, pautados numa esfera de inferiorização e associação direta à promiscuidade e à exposição a AIDS e DST’s. (SILVA et al., 2017, p. 67)

Desse modo, infere-se que o imaginário sociodiscursivo de objeção à homoparentalidade, assim como o de reprovação ao relacionamento homoafetivo, são

construídos pela opinião coletiva de grupos heterossexuais que buscam deslegitimar casais homossexuais para o exercício da paternidade.

De acordo com Charaudeau (2017), em situações de comunicação em que há divergência de posicionamentos, a troca linguageira estabelecida é antagônica. Devido à sua relevância para o bem-estar social, percebe-se que as temáticas abordadas nesta pesquisa são frequentemente discutidas em arenas públicas, ou seja, são postas em cena em situações de comunicação em que há um auditório. Além disso, são tratadas sob pontos de vista polarizados e raramente há acordo entre os protagonistas da situação de comunicação. Por isso, para Charaudeau (2017), essas temáticas são objeto de controvérsias sociais. Para entender o funcionamento do dispositivo que rege esse tipo de troca linguageira e os efeitos de sentido que dele provêm, será feita uma breve exposição sobre o gênero controvérsia.

4.5 CONTROVÉRSIA, UM GÊNERO ESPECÍFICO DE TROCA