• Nenhum resultado encontrado

2 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE NO BRASIL

3.3 O CORPO PARTICIPANTE NA ARTE CONTEMPORÂNEA

Neste subcapítulo, tratar-se-á dos aspectos relacionados à interatividade, entre o corpo humano e a obra de arte. A arte, sobre a qual se falou até agora, trata- se de uma obra impalpável, porém não intocável. Por meio de interfaces simples é possível não apenas tocar como mudar a forma, e participar de sua criação. Em obras imersivas há uma relação bastante ambígua com as proposições de arte digital.

Além de uma relação com objetos à sua volta, há uma relação com os outros. A presença física é a base dos ambientes sociais nas populações humanas e

58Termo criado em 2004 por Tim O´Reilly para referir-se a uma segunda geraação da história do

desenvolvimento da tecnologia web, baseada em comunidade de usuários e uma gama especial de serviços como as redes sociais, blogs, wikis [nota da autora].

59 Também chamada de web semântica por Fernando Passini (2008) in Funchal . Disponível em ;

animais. As relações do corpo com a arte contemporânea são bastante diversificadas. Artistas contemporâneos, como a francesa Orlan, o australiano Stelarc e o brasileiro Eduardo Kac, se expressam principalmente na capacidade que temos de nos auto-modificar, de um humano projetado e não mais resultante de séculos de evolução natural. Esses artistas investigam a relação da interface do próprio corpo com o uso de dispositivos tecnológicos complementares nas criações e intervenções artísticas. A diferença entre os organismos maquínicos e orgânicos fica a cada dia mais tênue e as máquinas vão adquirindo, cada vez mais, competências próximas das sensibilidades humanas. O corpo pode estar imerso fisicamente ou mesmo virtualmente na obra de arte, o corpo pode também estar acoplado à próteses que captam por meio de sensores os movimentos humanos e os transmitem para um adaptador que os transforma em dados numéricos, esses se somam à obra que necessita dessa interatividade para ser completada.

Santaella (2003, p. 81), na tentativa de delimitar o campo, categoriza em níveis: a) arte das conexões: podem ser via CD-rom ou pela Internet, também chamada de net arte, web arte ou Ciberarte. Todas as artes da rede são artes do corpo segundo a autora, pois tão logo se conecta ao computador, mudanças radicais ocorrem entre corpo e mente, em especial nas sincronizações entre percepção, a mentalização e a reação instantânea presente no toque do mouse na extremidade dos dedos. Um exemplo é a obra “Incorpus” de Luisa Donati; b) arte dos avatares: neste nível a imersão se dá por meio de avatares: figuras gráficas que habitam o ciberespaço, controladas por cibernautas que emprestam e controlam sua circulação nos mundos virtuais. Um exemplo deste nível é o trabalho “Kinnetic World” de Suzette Venturelli; c) arte na imersão híbrida: uma espécie de performances especialmente explorada pela dança. Como exemplo, tem-se o trabalho da brasileira Tânia Fraga, voltado à criação de ciberseres e cibercenários que interagirem com dançarinos carnais; d) arte da telepresença: este nível avança um pouco mais sobre a imersão, pois a telepresença é uma tecnologia que permite que operadores situados remotamente possam receber feedback sensório suficiente para sentir como se estivessem realmente na localização remota e capazes de realizar uma série de tarefas. Um exemplo é a obra “Ornitorrinco” (1994) de Eduardo Kac.

Outra artista que se destaca é Bia Medeiros, que coordena, no Brasil, o grupo chamado Corpos informáticos, que, trabalha com telepresença e arte performativa; e) arte da realidade virtual (RV), uma arte do corpo biocibernético, artistas como

Krueger, Thomas Zimmerman entre outros reconhecem na RV o melhor fundamento experimental para exploração do sensório humano. Um exemplo é a obra de CyberSM,(1993) de Stenslie essa que remete a uma versão virtualizada da obra de Lygia Clark “O eu e o Tu” (1967) da série “roupa-corpo-roupa”. f) arte do corpo simulado: ou corpo numérico, seres impalpáveis, uma espécie de experiência de scanner do corpo em três dimensões. Outro exemplo é a obra do brasileiro Roger Tavares “toda mulher tem algo de helena”, O artista criou uma mulher de formas

perfeitas, porém os espectadores se decepcionam ao saber que ela é artificial, quando se deparavam com as grades cartesianas de suas formas aramadas; g) arte do corpo molecular: também chamada de Bioarte. Incorpora o campo da biotecnologia da neurociência, da genética e da engenharia molecular para dentro da arte. O trabalho de arte transgênica de Eduardo Kac é pioneiro neste tipo de arte. Uma de suas obras, “Rara Avis” (1996), apresenta uma arara robô, vivendo com 30 aves verdadeiras e um visor de realidade virtual conectado a Internet. Segundo Simone Osthoff, através da paradoxal experiência de proximidade à distância da telepresença, “Rara Avis” desloca o ponto de vista do observador e questiona hierarquias culturais, tecnológicas e políticas, problematizando as fronteiras entre o familiar e o exótico. Ao usar o visor de realidade virtual, o observador ocupa virtualmente o corpo da arara-telerobô passando a ver a si próprio com os olhos do outro. Nesse espelho virtual, observador e observado, sujeito e objeto ocupam o mesmo espaço dentro e fora do aviário e dividem, em tempo real, imagens com participantes remotos localizados em vários pontos da rede, com múltiplos protocolos (CU-SeeMe, Web, MBone), que por sua vez ativam o aparato sonoro do telerobô. Os sons no aviário podem ser ouvidos na Internet e vice-versa. Segundo Venturelli (2010, p. 69) “A fluidez entre identidade e alteridade, proximidade e distância, espaço físico e virtual, dissolve o dualismo que opõe humanismo e tecnologia, matéria e metafísica”.

Como já foi apontando anteriormente pode-se entender que ao habitar o ciberespaço, perdem-se os laços com nosso corpo e nosso espaço fisico, porque o ciberespaço é totalmente simbólico. Pode-se parecer como animais ou mesmo seres humanos em jogos de multiusuário. As relações são modificadas, é preciso reconsiderar as convenções sociais para a relação com os avatares.

Segundo Couchot, (2003), o visual se associa cada vez mais a formas de expressão não linguísticas, como deixa pressagiar a multimídia, que propõe a

hibridização entre texto, imagem e som, combinadas por gestos, com possibilidades combinatórias que nem o cinema nem a televisão oferecem e que começam a enfraquecer a função hegemônica da imagem tradicional. As novas condições de acesso à informação, tanto cibernético como jornalístico, as novas condições oferecidas pela interatividade numérica, propõe experiências fortemente sinestésicas em detrimento a uma visão essencialmente retiniana. Grau destaca que

A maioria das realidades virtuais vivenciadas de forma quase total veda hermeticamente a percepção das impressões visuais externas do observador, atrai sua atenção com objetos plásticos, expande perspectivas de espaço real no espaço de ilusão, observa a correspondência de cores e escalas e, como o panorama faz uso de efeito de luz indireta para que a imagem apareça como a fonte do real. (GRAU, 2007, p. 30).

Com a ambientação das instalações é o corpo do expectador e não somente o olhar que se inscreve na obra, enquanto esta ganha ainda em extensão. (COUCHOT, 2003). O corpo em ação é uma das questões mais relevantes da arte contemporânea, os happenings, a telepresença, as performances, as instalações interativas e as manipulações possíveis com as tecnologias de informação e comunicação que são “[...] ampliadas pelas possibilidades dos softwares em estabelecer uma simbiose da mente humana com as mentes de silício” (DOMINGUES, 1997, p. 26).

A revolução numérica dos computadores introduz a interatividade e põe fim a noção de espetáculo60. A arte tornou-se sinônimo de comunicação e está aberta a alterações de natureza física. Nas atuais obras virtuais de Santaella o corpo cibernético adentra o espaço virtual e explora sensorialmente as percepções humanas.

“A máquina, criação humana está dando ao homem poderes ultra-humanos”. (TEILLARD DE CHARDIN IN, DOMINGUES, 1997, p. 26). As tecnologias ampliam o campo de percepção por novas formas de existir antes não permitidas por um corpo somente biológico.

60 Noção central na teoria situacionista desenvolvida pelo teórico francês Guy Debord, a noção de

"espetáculo" é usada para assinalar um novo estágio no capitalismo avançado − que associava a um "excesso do midiático" −, terreno de novas formas de poder ao qual ele propõe estratégias de resistência subversão. No âmbito das artes visuais, em outra acepção, o "espetáculo" se confunde com o espetacular, referindo-se a uma tendência crescente, a partir dos anos 1990, a se valorizar soluções plásticas grandiosas, não raro com elaborados aparatos cenográficos e forte apelo visual.

Santaella, in Domingues (1997) divide em três níveis as máquinas, o muscular motor (catapulta na idade média), o sensório (as que funcionam como extensões dos sentidos humanos, como a máquina fotográfica no séc. XIX) e o cerebral (computadores atuais) que por sua vez são ferramentas autônomas. As máquinas pretendem imitar as habilidades do homem potenciando-as.

Santaella (2003, p. 174) destaca que “interativa” seria o adjetivo mais inclusivo para descrever a arte na era digital, pois os artistas interagem com máquinas (uma interação complexa com um objeto automatizado, mas inteligente) para criar uma interação subsequente com participantes que complementam a arte em suas próprias máquinas ou a manipulam através da participação em rotinas pré- programadas que podem variar de acordo com comandos ou simples movimentos dos participantes.

O corpo não apenas aprecia como interage com a obra, tornando–se um interator. Arantes trata sobre as instalações que lidam com recursos digitais, sinais enviados pelo corpo do interator, e destaca que:

[...] sopro, tato, deslocamento corporal, voz etc. - são recebidos pelo computador e transformados, em tempo real, em paradigmas computacionais. Nesses casos, o corpo é o motor da obra, já que é a partir dos sinais enviados pelo corpo do interator que a obra pode se manifestar. (ARANTES, 2005, p. 121).

Na atualidade, fala-se sobre outra dimensão do real, um paralelo segundo Couchot

Um análogo purificado e transmutado pelo cálculo. Análogo numérico do mundo das coisas – das realidades naturais ou artificiais (artefatos e máquinas) análogo numérico de nós mesmos enquanto sujeitos que percebem, pensam e agem de nosso corpo, de nossos gestos, de nossa escrita (quando utilizamos o teclado), de nosso pensamento.(COUCHOT, 2003, p. 173).

O virtual e o real aproximaram-se consideravelmente a partir dos videocapacetes, das vestimentas de captação de dados e das interfaces, solicitando outros sentidos além da visão, estes dispositivos digitais possibilitam a imersão na imagem para então agir. Chamada na década de 1970 de realidade artificial ou de ambientes reativos ou ainda por Scott Fischer de exploração virtual, hoje as formas de interatividade em tempo real são mais bem denominadas por Realidade Virtual

(RV). Kwekrove in Domingues (1997) destaca o que a RV é um meio comunicacional ainda em potencial e pode ser comparada ao telefone pelas características individualista e personificada. A RV pode multiplicar as potencialidades de expressão dos indivíduos.

Na Realidade Virtual, somos tentados a confundir simulação com simulacro. Segundo Couchot (2003, p. 175), a realidade virtual seria assim um estado paroxístico61 do simulacro. Mas a simulação numérica busca em contrapartida, substituí-lo por um modelo lógico matemático que não é como um simulacro, mas uma interpretação formal da realidade ditada pelas leis da racionalidade cientifica.

O rompimento da obra com os suportes tradicionais marcado pelo modernismo aponta para as mudanças nas relações entre a obra e o público que agora não apenas aprecia e sim interage com a obra de arte. É percebido que exista uma necessidade de ler/ interagir com as obras de arte em mídias digitais diferentemente dos padrões de percepção e compreensão que se utiliza para ler imagens de obras de arte em outros suportes. As possibilidades de analisar e decompor imagens vem caminhando paralelamente ao desenvolvimento tecnológico. A imagem numerizada de hoje é o resultado de uma sequência de processos tecnológicos iniciados pelo advento das técnicas de reprodução fotográfica. Pode-se dizer que tanto a numerização quanto o avanço dos aspectos sensoriais das tecnologias somam as expressões artísticas diversas potencialidades de expressão.