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CAPÍTULO 3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO

3.2 O desconforto intelectual e os cursos de formação de professores

Caldeira e Cavalari (2010) ressaltam que conforme se adquirem maiores conhecimentos sobre a natureza da deficiência, as práticas educacionais aprimoram-se, potencializando as capacidades de cada aluno. Esse aspecto relaciona-se à ideia de que os novos entendimentos a respeito da relação entre deficiência, aprendizado e desenvolvimento que começam a ganhar espaços entre os professores de ensino médio, nos cursos de formação, podem influenciar positivamente as representações sobre a escolarização do aluno com DI.

Seguindo essa linha de argumentação, há uma expectativa geral de que o período de formação para atuar na prática inclusiva construa um professor [...]

[...] orientado prospectivamente às dificuldades do estudante, sobretudo as suas potencialidades que se configuram na relação entre a plasticidade humana e as ações do grupo social, que seja capaz de analisar e explorar recursos especiais e de promover caminhos alternativos, que considere o educando como participante de outros espaços do cotidiano, além do escolar, que lhe apresente desafios na direção de novos objetivos, que considere o aluno integralmente sem se centrar no não, na deficiência (GOES, 2002, p.151).

Os cursos de formação de professores, por mais eficientes que sejam, não podem arcar

com toda a complexidade da missão educativa e com a perplexidade do estado atual em que se encontram os educadores. Sendo assim, a formação de professor para trabalhar com a diversidade deve considerar uma postura reflexiva por parte dos docentes em detrimento do aprendizado de conteúdos congelados como ponto ótimo de conhecimento.

Nessa perspectiva, considerando o domínio dos conteúdos abordados nos eventos de formação dos professores, ressaltamos que há, em grande parte dos cursos ministrados para professor, uma centralidade na descrição exaustiva das condições de deficiência que se pode encontrar nos estudantes (RODRIGUES, 2011). Essa ênfase dada ao conhecimento das etiologias situa o desenvolvimento do aluno com deficiência especificamente dentro do plano biológico, endereçando, muitas vezes, ao aluno e a sua condição deficitária, a culpa pelo não aprendizado.

Nesses moldes, um curso de formação pode se constituir numa arma, à medida que ajuda a justificar a segregação do aluno com deficiência por meio da nosologia. Além disso, é importante lembrar que a escola não constitui espaço clínico, mas educacional, e o docente não tem obrigação de se preparar para suprir as necessidades clínicas e terapêuticas de seus alunos, mas, sim, para lidar pedagogicamente com eles (FIGUEIREDO, 2002).

Se antes bastava conhecer profundamente as deficiências e suas decorrências, atualmente isso é insuficiente ou, talvez, até desnecessário, uma vez que precisamos refletir sobre o processo educativo desses sujeitos, e como a escola brasileira poderá garantir a eles o acesso pleno a riqueza da humanidade e a herança dos conhecimentos como pilares de emancipação humana, resgatando a presença deles no mundo e tornando-os protagonistas da história, como qualquer outra pessoa. (OLIVEIRA, 2010, p.143).

Assim, o trabalho com estudante com deficiência intelectual não requer formação para reduzir ou pôr termo as suas deficiências, requer, por outro lado, um aprimoramento técnico- reflexivo do professor para que ele seja capaz de identificar as dificuldades de seus alunos, visando à eliminação de barreiras próprias de suas relações na escola. Nessa perspectiva, ressaltar a deficiência em detrimento das potencialidades faz com os professores representem a inclusão como uma utopia não realizável (MANTOAN, 1997),

Reforçando esse sentido de inclusão como utopia, Mantoan (1997) atesta que invariavelmente os professores são bastante resistentes às inovações educacionais como a inclusão. Os professores se refugiam no impossível, considerando que uma educação para todos é legítima, contudo utópica, da ordem do impossível.

Diante do exposto, refletimos que, em geral, para o professor, aquilo que ameaça romper o esquema de trabalho prático que aprenderam a aplicar em sala de aula é rejeitado. A identidade dos professores e o suposto lugar conquistado por eles em uma estrutura específica de ensino, com as inovações, são abalados, atentando contra a experiência e os conhecimentos já adquiridos.

Estamos ressaltando que quando os professores deparam com situações concretas de trabalho, nas quais provam do sentimento de que o que conhecem e sabem é insuficiente em relação ao saberes que aquelas situações práticas implicam, eles têm o sentimento denominado por Schwartz (2001, p. 10) de "desconforto intelectual", uma vez que defrontam- se com "zonas de ignorância" em relação ao próprio fazer que aumentam seus sentimentos de insuficiência.

A ignorância consciente sobre o processo de trabalho aumenta o medo porque torna o risco cada vez maior. O medo – uma das dimensões da vivência dos trabalhadores, presente em todos os tipos de ocupações profissionais – é desencadeado pelos riscos relacionados à sua integridade física, às possibilidades de não acompanharem o ritmo de produção imposto, de perda dos postos de trabalho, de despersonalização perante as tarefas, de não responderem às responsabilidades deles esperadas (DEJOURS, 1992). Por sua parte, os professores têm expectativas que o curso de formação, de alguma forma, vai por a termo o desconforto

intelectual diante das novas situações práticas de trabalho, É comum os professores desejarem cursos que priorizem a solução dos problemas que presumem encontrar nas escolas inclusivas. Muitas vezes priorizam conhecimentos que tratam da conceituação, etiologia e prognóstico das deficiências, enquanto ferramentas e métodos específicos para aprendizagem escolar desses alunos. Nessas condições, [...]

[...] o medo os impulsiona a reorganizar o encaminhamento do trabalho numa direção que pareça mais controlável ou de menor exposição, fazendo, por vezes, voltar a práticas e modos de fazer supostamente já superados, mas também supostamente melhor conhecidos nos riscos que comportam (DEJOURS,1992, p. 20).

Embora os professores busquem encaminhar o trabalho numa direção que não cause desconforto e por isso buscam nos cursos esquemas práticos de trabalho, ressaltamos que uma formação eficiente, conforme Mitjáns Martínez (2003), não se trata apenas da aquisição de novos conhecimentos científicos, mas de mudanças que envolvam as representações do professor, suas crenças, valores e expectativas em relação às possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, bem como em relação às possibilidades de ação do sujeito educador e os recursos subjetivos que possam favorecer a ação pedagógica, a partir da demanda singular de cada estudante com quem trabalha.

Nessa perspectiva, uma formação transformadora deve estar baseada em princípios educacionais que valorizem a aprendizagem ativa, que considerem os conhecimentos prévios e busquem a autonomia intelectual e social, tanto para alunos como para professores, o que acontecerá a partir do exercício constante de reflexão e o compartilhamento de ideias, sentimentos e ações entre os professores, diretores, coordenadores da escola, preferencialmente a partir de grupos de estudos nas escolas para a discussão e a compreensão dos problemas educacionais, à luz do conhecimento científico e da interdisciplinaridade, valorizando, dessa forma, a autonomia intelectual com seus riscos inerentes, distanciando-se de receitas prontas (MANTOAN, 1998).

Consideramos que, para pauta de formação dos professores, alguns pontos são fundamentais. Entre eles destacam-se: a autonomia intelectual a partir de uma atitude investigativa; as reflexões e questionamentos sobre a prática; a articulação entre teoria e prática; o trabalho cooperativo em detrimento da competição; e o contato com as pessoas com deficiência.

Conforme Sampaio e Sampaio (2009) a viabilidade prática da inclusão está também ligada à ideia de que reações afetivas podem interferir na posição do professor ante a proposta

inclusiva, sendo na formação do professor uma preparação psicológica merece lugar de destaque, deixando de ocupar um lugar coadjuvante a formação alicerçada na instrumentalização prática e reconstrução de concepções de ensino- aprendizagem.

Essa preparação psicológica, de acordo com Voltoline (2005), pode abrir espaço para que os professores expressem seus sentimentos acerca da prática inclusiva que vivenciam. Afinal, estando os professores impedidos de relatar suas fantasias em relação a essa prática sob pena de ferir o código do politicamente correto, encontram uma via de negociação com o mal-estar pela queixa recorrente do não temos recurso ou não temos especialização. Ainda assim, mesmo vindo os tais recursos inegavelmente importantes, possivelmente não findará a queixa uma vez que essa ocupa o lugar de uma verdade recalcada.

As reflexões anteriores nos remetem à ideia de que não existe um ponto ótimo de preparação que capacite o professor a realizar a inclusão, igualmente a atualização e a competência não podem ser entendidas como volume de informações e conhecimentos adquiridos durante o processo de formação que preparam o profissional para a ação. Em outras palavras, não basta dominar uma infinidade de métodos e estratégias para que a inclusão dê certo, afinal toda prática pedagógica está atrelada à interação de indivíduos singulares, únicos.

Uma das principais barreiras que temos de enfrentar ante a promoção da inclusão se refere à formação dos professores para a inclusão. Mas essa formação não significa treinamento ou adestramento e muito menos preparação definitiva; o professor nunca estará preparado para inclusão, estará, sim, continuamente se preparando, principalmente se considerarmos que cada aluno é único, e conhecer aspectos da deficiência não garante o conhecimento sobre a complexidade do humano aluno em contato com o humano professor.

É importante o desenvolvimento de uma mentalidade inclusiva que se coloque na rota de um eterno questionar, não como puro contestacionismo, mas como esforço contínuo de ir além do que seja consensual (SANTOS; SILVA, 2008). Busca, deste modo, transpor uma representação social sobre inclusão cujo conteúdo geral está centrado na ideia de simples inserção do aluno com deficiência e impossibilidade de aprendizagem desses alunos (ALBUQUERQUE, 2007).