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Capítulo 7. O Discurso

7.1. O conceito Presença no Teatro

7.1.3. O Desenvolvimento da Presença do Actor

No âmbito de uma progressiva centralidade do Actor em cena Teatral, têm sido desenvolvidos diferentes metodologias de desenvolvimento das ferramentas teatrais.

Jerry Grotowski (1975) desenvolveu o designado método pela via negativa (indutivo), em que o actor deve percorrer um caminho de eliminação da natureza técnica da presença (tudo o que envolve o corpo e voz do actor), para se aproximar da expressão transparente do homem actor. Eugenio Barba (1994) reflecte no meio teatral, a possibilidade de elaborar a presença do actor para além da dimensão quotidiana, aquilo que descreveu como comportamento pré-expressivo, e que está presente em qualquer cultura ou tradição social.

Ambas as perspectivas são muito sensíveis ao trabalho artístico de João Brites (Teatro o Bando)125, e favorecem um encontro sem fronteiras com o espectador. A amostra

discursiva esboça um conjunto de achados empíricos que problematizam esse mesmo desenvolvimento.

Num primeiro grupo focal, identificam um particular percurso de desenvolvimento:

125 Citado pelo seu trabalho de criação de uma metodologia de desenvolvimento do actor, que se afirma

99 “ (…) Eu acho que é treinado, não acredito que seja uma coisa inata, ok, determinada pessoa pode nascer com a Presença, mas há um determinado caminho que o actor precisa de

fazer (…)”(GF1:E1:60-63).

“ (…) da capacidade de ver a repercussão nos outros, de ler isso, de ler os outros…acho que é um percurso (…)” (GF1:M2:68-69).

“ (…) Acho que a presença é algo que se constrói de dia para dia, é um trabalho específico de actor, é algo que se vai construindo, em palco em interacção com os outros, e com o tempo é

algo que se desenvolve, não acho que seja uma coisa inata, que pode ser trabalhada. (…)” (GF1:E2:70-74).

Os profissionais de Saúde apresentam a consciência dos próprios recursos como uma importante via de desenvolvimento da Presença do Actor:

“ (…) Tem a ver com a consciência dos seus recursos, com o corpo, com a voz (…)”(GF1:P2:64-65).

“ (…) Acho que tem muito a ver com aquilo que já foi dito, o reconhecimento de si próprio… da sua intimidade, da expressão dessa intimidade, e do impacto que essa expressão tem nos outros, portanto essa tomada de consciência implica trabalho (…)” (GF1:M1:75-81). Num segundo momento de recolha de dados discursivos – segundo grupo focal – apontam-se outras linhas de desenvolvimento, que subscrevem os achados empíricos do primeiro grupo focal na perspectiva de quem experenciou esse mesmo percurso de desenvolvimento de presença. É destacado a importância da integração do corpo:

“ (…) Acho que todo esse processo foi aumentando de intensidade e de variedade de experiências, foi nos dando consciência disto, de como podemos usar não apenas as nossas

vivências, como também podemos usar a nossa voz, o nosso corpo todo para criar um personagem, o estar em palco. Todo o processo foi em crescendo, começou muito pequenino e

depois explodiu na apresentação (…)” (GF2:E1:159-172)

“ (…) O facto de eu ter aceite o desafio tem a ver com a dificuldade de eu não ter ainda falado em palco, e porque de facto estamos sempre a tentar separar o corpo da voz, e isso é umas coisas que eu sinto na dança…se a voz faz parte do corpo, esta deveria ser natural quando se dança, e não é. Portanto acho que as duas têm que estar presentes, ou pelo menos

têm que aparecer de alguma forma mais natural quando são utilizadas em simultâneo…. GF2:E2:190-199)

“ (…) foi bom a evolução em mim e nas as pessoas, ver como iam melhorando na colocação da voz, não sair logo de cena, à maneira como estão muito mais atentas ao responder ao outro que está ao lado, estas coisas que iam sendo trabalhadas, isso ajudou-me ver o que isso fazia crescer os outros enquanto actores.. A maior consciência dos vários timbres

de voz que eu tenho, nas caras que é possível fazer e eu não sabia, maior consciências das partes do corpo que se mexem e dá para fazer formas, não sou muito dada a essas coisas, mas

dar conta de tudo o que o corpo pode expressar também pelas figuras que os outros estão a fazer, como se pode ter tanta graça. Depois também ver como as pessoas se riem de nós, também se calhar temos graça. Fui eu que disse isto, fui eu que disse este disparate. O corpo

faz mais coisas do que eu pensava. No final, as pessoas diziam …ai tu és tão expressiva…e depois lembro-me de ter ido para o espelho…e pensar…realmente nós fazemos muitas

100 caras…para mim também foi importante fazer isto entre as pessoas…perceber o impacto e senti-las emocionadas (…) engraçado perceber a quantidade de informação que passamos sem

dizer nada (…)” (GF2:M1:268-296).

Um segundo ponto muito valorizado no segundo grupo focal, prende-se com a percepção de uma presença do grupo que antecede a própria Presença do Actor:

“ (…) Todo o processo foi muito rico, e cada vez mais intenso, também fomos ficando cada vez mais à vontade, com as dinâmicas, com a criação do nosso espírito do grupo (…)”(GF2:

E1:159-163)

“ (…) A primeira parte de processo de conhecimento do grupo e das pessoas foi muito intensa (…)” (GF2:P1:246-247)

“ (…) porque para mim todo o outro processo foi um abrir de portas, mas também houve outras coisas que foram óptimas para tomarmos consciência de nós, nomeadamente a relação

com o outro em palco, sem pensar em nada terapêutico ou essas coisas, mesmo fugindo dai, porque de facto, quando se está em palco e em grupo, muito do aquilo que se cria, teve a ver com a cumplicidade que se conseguiu estabelecer no momento inicial (…)” (GF2:E2:280-290)

Uma última via de desenvolvimento valorizado na sequência do processo de criação está vinculada ao surgimento de uma expressão espontânea:

“ (…) mas o momento que mais me marcou, foi um dos últimos exercícios que fizemos de alguma criatividade e espontaneidade, tínhamos que ir para o meio e dizer alguma coisa qualquer…e estava em pânico porque não sabia o que dizer…e isso fez-me imensamente bem

porque na altura pensei…vai desenrasca-te…e isso faz-nos crescer…tem a ver com essa capacidade de desenvolver a espontaneidade…surgem coisas muito engraçadas e ficamos

muito admirados connosco próprios…e como é que eu estou a dizer isto, isto não sou eu…porque também nos vamos descobrindo…esse conhecimento que vamos tendo de nós ajuda

a desenvolver essa coisa chamada presença (…)” (GF2:E2:199-217).

“ (…) e as cenas da improvisação, senti-me muito, muito presente…de repente, vais para uma improvisação e sais…mas não tens bem a certeza quem teve ali…acho que isso permitiu que a espontaneidade pudesse sair…a cena do movimento para mim também foi importante…a

sessão do movimento foi muito forte…um pouco a dissociação, a ouvir a música…todos estavam a 100% (...)” (GF2:P1:248-258).

101 Em síntese gráfica, apresentamos amostra discursiva relativamente a este tópico discursivo

Grupo Focal Primeiro Segundo

Tópico discursivo Desenvolvimento da Presença do Actor

Desenvolvimento da Presença do Actor

Micro-estrutura

- Percurso de desenvolvimento - Consciência dos Próprios

recursos

- Integração do Corpo - Presença do Grupo - Expressão espontânea

Quadro 4 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico discursivo “Desenvolvimento da Presença do Actor”

7.2. O Conceito Presença do Profissional de Saúde