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Pode alguém ser quem é?: o teatro enquanto ferramenta de presença na pessoa do profissional de saúde

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Academic year: 2021

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(1)

INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA ESCOLA SUPERIOR DE TEATRO E CINEMA

P O D E A L G U É M S E R Q U E M É ?

O T E AT R O E N Q U A N T O F E R R A M E N TA D E P R E S E N Ç A N A P E S S O A D O P R O F I S S I O N A L D E S A Ú D E

D I S S E R T A Ç Ã O D E M E S T R A D O MESTRADO EM TEATRO

ESPECIALIZAÇÃO EM TEATRO E COMUNIDADE

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I N S T I T U T O P O L I T É C N I C O D E L I S B O A E S C O L A S U P E R I O R D E T E A T R O E C I N E M A P O D E A L G U É M S E R Q U E M É ? O T E AT R O E N Q U A N T O F E R R A M E N TA D E P R E S E N Ç A N A P E S S O A D O P R O F I S S I O N A L D E S A Ú D E R i c a r d o M a n u e l C o n c e i ç ã o R o d r i g u e s

Dissertação de Mestrado submetida(o) à Escola Superior de Teatro e Cinema para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestrado em Teatro - especialização em Teatro e Comunidade realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Eugénia Vasques, Professora Coordenadora, Área de Teoria, Departamento de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema, Instituto Politécnico de Lisboa, co-orientação da Professora Doutora Lucília Nunes, Departamento de Enfermagem, Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Setúbal

(3)

I

Resumo

A presente dissertação de mestrado assume-se como um estudo interdisciplinar entre a Saúde e o Teatro, tendo como eixo central o conceito Presença do actor. Uma dissertação alicerçada num processo de investigação-acção, ou seja, um estudo que envolveu também uma experiência de criação teatral.

A revisão teórica prévia foi alargada às disciplinas de Filosofia, Medicina, Psicologia, Enfermagem, e o próprio Teatro, de forma a perspectivar o potencial de desenvolvimento do conceito Presença para além do âmbito teatral. Foram constituídos os pressupostos teóricos para avançar de forma consistente num laboratório de criação centrado na Presença.

No contexto da exploração deste conceito, conduzimos esse laboratório à luz dos predicados do Teatro Comunidade, em que diferentes profissionais de saúde (Enfermagem,C. Farmacêuticas, Psicologia, Terapia Psicomotricidade, Medicina) e Educação (Professores, Educadores de Infância) vivenciaram o desenvolvimento da sua respectiva Presença em cena Teatral. Um laboratório de criação subjacente à celebração do Centenário Dr.João dos Santos, pelo que o objecto simbólico desenvolvido foi transversal à sua obra.

Ao considerar este percurso de criação, desenvolvemos um estudo de investigação qualitativa com recurso à análise crítica de discurso de Fairclough. Uma construção discursiva sustentada em dois grupos focais, antes e após o respectivo laboratório de criação. Os achados discursivos apontam uma mudança discursiva sensível no que se refere ao conceito Presença do actor, mas em especial, sublinham o potencial de consolidação conceptual do mesmo conceito no âmbito disciplinar da saúde.

Um objecto académico que reforça a importância da ponte interdisciplinar, no enriquecimento conceptual e operatório das disciplinas saúde e teatro.

Palavras-chave: Presença, Saúde, Teatro, Análise Crítica de Discurso, Laboratório de criação, João dos Santos.

(4)

II

Abstract

The present master degree dissertation assumes itself as an interdisciplinary study between Health and theatre, having as central axis the concept Presence of the actor. A dissertation grounded in a process of investigation, or in other words, a study that involved as well an theatrical creation experience.

The previous theoretical revision was expanded to the subjects of Philosophy, Medicine, Psychology, Nursing, and Theatre itself, in a way of giving perspective to the potential of development of the concept Presence beyond the theatrical context. There were constituted theoretical assumptions to advance consistently in a creation laboratory focused in Presence.

In the context of the exploration of this concept, we conducted this laboratory in the light of the predicates of the Community Theatre, where different health professionals (nursing, C. Pharmaceutical, Psychology, Psychomotor Therapy, Medical) and Education (Teachers, kindergarten teachers) experienced development of their respective presence in Theatrical scene. A laboratory of creation underlying the celebration of the centenary Dr.João dos Santos, as the symbolic object developed was transversal to his work. When considering this creation route, we developed a qualitative research study by means of the critical analysis of Fairclough's speech. A discursive construction sustained in two focus groups, before and after its creation laboratory. Discursive findings indicate a significant discursive change with regard to the concept of the Actor Presence, but especially underline the potential of conceptual consolidation of the same concept in the disciplinary health context.

An academic subject that reinforces the importance of the interdisciplinary bridge, in the conceptual enrichment and operative of the subjects of health and theatre.

Keywords: Presence, Health, Theatre, Critical Discourse Analysis, creation Laboratory, João dos Santos.

(5)

III

Agradecimentos

À Paula Lobo e familiares, que desde a primeira hora se mostraram entusiasmados com o processo de criação que concretizámos em homenagem ao seu pai, Drº João dos Santos Ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, Área de Pedopsiquiatria, nas pessoas do Drº Luis Simões e Enfº António Nabais, os primeiros impulsionadores deste desafio.

À minha orientadora, Eugénia Vasques, pela oportunidade de construção deste objecto em conjunto. O seu Enthusiasmus irá sempre fazer parte da minha vida.

À minha co-orientadora, Lucília Nunes, pela paciência, consistência e total serenidade no decorrer do trabalho. O seu farol é determinante no meu percurso.

Aos meus parceiros M 12 8, Ana Sofia Santos, Ana Almeida, Silvia, Marco, Zé Luis, Rafael Moraes, Sylvie Rocha, este trabalho é de todos nós. Aprendi o que é uma verdadeira comunidade de criadores ao vosso lado.

Aos maravilhosos Perus, este trabalho é também vosso. A vossa generosidade marcou-nos a todos. Muitas sementes de futuro nasceram com vocês.

Aos sujeitos empíricos, as vossas vozes discursivas compõem o principal mosaico deste trabalho.

Aos Professores da ESTC-IPL, Armando R. Nascimento, David Antunes, João Brites, por terem sido também sementes de reflexão e investigação.

Aos meus companheiros da C.Parque (CHLC-HDE), Augusto Carreira, Arlete Correia, Luisa Costa, Sónia Malaquias, Susana Pereira, Anabela Caetano, por tudo o que aprendo diariamente ao vosso lado que tanto tem contribuído para investir a minha prática profissional de novos olhares e horizontes. Um suporte fundamental ao longo deste tempo.

Aos meus colegas do Internamento (CHLC-HDE), por partilharmos uma experiência profissional especial no contexto da saúde mental da infância e adolescência.

A todos os meus companheiros, Patricia Nunes, Patricia Claus, em especial, Anabela, que nos momentos finais me ajudaram na edição e revisão do texto final.

À minha família, por tudo o que sempre me deram. Por tudo o que São. A ti, por estares sempre. Sempre.

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IV

Abreviaturas JS – João dos Santos

CHLC-HDE – Centro Hospitalar de Lisboa Central OMS – Organização Mundial de Saúde

CHLP-HJM – Centro Hospital de Lisboa Central – Hospital Júlio de Matos GTT – Grupo de Teatro Terapêutico

M 12 8 – Meia Dúzia de Oito

ESTC-IPL - Escola Supeior de Teatro e Cinema – Instituto Politécnico de Lisboa FM-UL – Faculdade de Medicina - Universidade de Lisboa

ESE-IPL – Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Lisboa SPP – Sociedade Portuguesa de Psicanálise

APPIA – Associação Portuguesa de Psiquiatria da Infância e Adolescência IAC - Instituto de Apoio à Criança

CHK – Centro Helen Keller JIP – Jardim Infantil Pestalozzi

(7)
(8)

VI

Índice

Índice ... VI

INTRODUÇÃO E PROPÓSITOS ... 3

PARTE 1. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL ... 9

Capítulo 1. Pressupostos do Conceito Presença ... 11

1.1. A emoção ... 11

1.2. A Ligação ... 13

1.3. O Símbolo ... 14

Capítulo 2. O Conceito Presença... 16

2.1. Abordagem epistemológica do Conceito Presença ... 16

2.2. A Abordagem Teatral do Conceito Presença ... 23

2.3. A Abordagem na Saúde do Conceito Presença ... 32

PARTE 2. LABORATÓRIO... 42

Capítulo 3. O Planeamento do Processo de Criação ... 43

3.1. O Mote ... 43

3.2. Fases ... 44

3.3. Estrutura de Criação ... 46

Capítulo 4. O Processo de Criação ... 48

4.1. O Grupo ... 48

4.2. O Vocabulário ... 53

4.3. A Criação ... 58

4.4. O Objecto ... 66

Capítulo 5. Pontos de Paragem Reflexiva ... 75

5.1. Grupo-colectivo-comunidade ... 75

5.2. Coralidade ... 79

(9)

VII

Capítulo 6. Arquitectura metodológica ... 84

6.1.Finalidade e objectivos ... 84

6.2. Abordagem e tipo de estudo ... 85

6.3. População e amostra ... 86

6.4. Instrumento de colheita de dados ... 88

6.5. Análise e tratamento dos dados ... 89

Capítulo 7. O Discurso ... 92

7.1. O conceito Presença no Teatro ... 93

7.1.1. Presença do Actor ... 93

7.1.2. As dimensões da Presença do Actor... 96

7.1.3. O Desenvolvimento da Presença do Actor ... 98

7.2. O Conceito Presença do Profissional de Saúde ... 101

7.2.1. Presença do Profissional de Saúde ... 101

7.2.2. As dimensões da Presença do Profissional de Saúde ... 104

7.2.3. O Desenvolvimento da Presença do Profissional de Saúde ... 106

7.3. A relação entre Presença do Actor e do Profissional de Saúde ... 108

Capítulo 8. As Entrelinhas do Discurso ... 113

8.1. A Presença do Actor ... 114

8.2. A Presença do Profissional de Saúde ... 118

PARTE IV - CONCLUSÃO………...124

Capítulo 9.Notas Conclusivas………..………..125

9.1.Notas Conclusivas: Laboratório………..125

9.2.Notas Conclusivas: Estudo………...128

9.3.Notas Finais………...132

BIBLIOGRAFIA………134

ANEXOS... 146

ANEXO A - Planeamento geral do Projecto de criação ... 147

(10)

VIII

ANEXO C - Planeamento dos Ensaios ... 153

ANEXO D - Diário de Bordo ... 166

ANEXO E - Avaliação do Laboratório ... 183

ANEXO F - Autorização para gravação de imagem/audio ... 193

ANEXO G - Guião do Grupo Focal ... 195

ANEXO H - Resumo dos Achados Empíricos (1ºgrupo focal) ... 199

ANEXO I - Resumo dos Achados Empíricos (2ºgrupo focal) ... 212

APÊNDICES ... 229

APÊNDICE A - Cartaz ... 230

APÊNDICE B - Folha de Sala ... 232

APÊNDICE C - Guião ... 238

Índice de Tabelas

Tabela 1 - Fases do Processo de Criação. ... 47

Tabela 2 - Resumo esquemático da primeira fase do processo de criação (Grupo). ... 49

Tabela 3 - Resumo esquemático da segunda fase do processo de criação (Vocabulário). ... 53

Tabela 4 - Resumo esquemático da Terceira fase do processo de criação (Criação). ... 58

Tabela 5 - Resumo esquemática da Quarta fase do processo de criação (Objecto). ... 67

Índice de Quadros

Quadro 1 - Distribuição dos sujeitos empíricos por grupo profissional ... 87

Quadro 2 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico discursivo “Presença do Actor” ... 96

Quadro 3 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico discursivo “Dimensões da Presença do Actor” ... 98

(11)

IX Quadro 4 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico

discursivo “Desenvolvimento da Presença do Actor” ... 101

Quadro 5 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico discursivo “Presença do Profissional de Saúde” ... 104

Quadro 6 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico discursivo “Dimensões da Presença do Profissional de Saúde” ... 105

Quadro 7 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico discursivo “O Desenvolvimento da Presença do Profissional de Saúde” ... 107

Quadro 8 - Resumo da evolução dos discursos produzidos relativamente ao tópico discursivo “Relação entre Presença do Actor e do Profissional de Saúde”... 111

Quadro 9 - Resumo da evolução da amostra discursiva entre os dois grupos focais ... 112

Índice de Figuras

Figura 1 - Imagem da primeira sessão – As sementes ... 51

Figura 2 - Imagem da segunda sessão – O Ritual por entre os sentidos ... 51

Figura 3 - Imagem da terceira sessão – Acordar o corpo ... 52

Figura 4 - Imagem da quarta sessão – O (re)nascimento ... 52

Figura 5 - Imagem da quarta sessão – Eu, um símbolo ... 52

Figura 6 - Imagem do quinto Encontro – Pensar um corpo outro ... 56

Figura 7 - Imagem do sexto encontro – És tu, a minha contra-cena? ... 57

Figura 8 - Imagem do sétimo encontro – És tu, a minha contra-cena? ... 57

Figura 9 - Imagem do oitavo encontro – Pode alguém ser quem é? ... 57

Figura 10 - Imagem do Décimo Encontro – Um primeiro texto ... 63

Figura 11 - Imagem do Décimo Encontro – Onde moram as ideias? ... 63

Figura 12 - Imagem do Décimo Encontro – Qual é o meu lugar? ... 64

Figura 13 - Imagem da Fase Criação – Lugar medo ... 64

(12)

X

Figura 15 - Imagem da Fase Criação – Lugar Sonhos ... 65

Figura 16 - Imagem da Fase Criação – Lugar Descobertas ... 66

Figura 17 - Imagem da Fase Objecto – Presença Identidade... 68

Figura 18 - Imagem da Fase Objecto – Vemo-nos um dia?... 69

Figura 19 - Imagem da Fase Objecto – Presença descobertas... 69

Figura 20 - Imagem da Fase Objecto – Presença Medos I ... 70

Figura 21 - Imagem da Fase Objecto – Presença Medos II ... 70

Figura 22 - Imagem da Fase Objecto – Movimento afectivo ... 71

Figura 23 - Imagem da Fase Objecto – Interioridade ... 71

Figura 24 - Imagem da Fase Objecto – Vamos matar um coelho? ... 72

Figura 25 - Imagem da Fase Objecto – O jantar está na mesa! ... 73

(13)
(14)

2 “(…) Bem mais fácil é decepar um braço grosso e musculado. Vê pois como pensar é um acto potente e os seus efeitos – as ideias – são matéria resistente (…)”1

(15)

3

INTRODUÇÃO E PROPÓSITOS

Involuntariamente, assim misturavam a maravilha à ciência. Eu fazia questão de estar sempre a corrigi-los: «Não! Não há nenhum galo para dar ordem de partida aos comboios! Não! O rito do relâmpago não é dispensável para acendermos as nossas lâmpadas eléctricas…» Apesar disso, iam dali desconfiados e a tentar descobrir o que estaria realmente a ocultar-lhes. HENRY MICHAUX No País da magia

Esta investigação nasce de uma inquietação suscitada de forma insistente no domínio do universo teatral, das suas diferentes texturas, dos contextos donde deriva, sobretudo, os meios de comunicação com outras áreas disciplinares, não necessariamente artísticas. Pretendemos valorizar a relação entre uma área disciplinar artística por excelência – Teatro, e uma outra área mais técnica, se quisermos, científica2 – Saúde.

O advento de um olhar que congrega áreas aparentemente distintas, em clara oposição à concepção cartesiana – dividir as partes para resolver o todo – antes, uma aproximação a Pascal – conhecer as partes através do todo, tal qual, como conhecer o todo através de cada uma das partes.3 O ofício principal da presente dissertação é religar áreas de saber que sempre concorreram de forma integrada para o pensamento humano e dos seus fenómenos, com referência histórica ao período clássico e ao Renascimento. Neste particular, não interessa o fragmento que o laboratório, ou o instrumento de validação científica delimita, antes porém, convocamos este segundo propósito “(…)

2 Apenas a referência a uma área de estudos académicos – Ciências – donde se inclui a Saúde. Neste

particular, o destaque às profissões de Enfermagem, Psicologia, Medicina.

3 Boris Cyrulnik e Edgar Morin na obra Diálogo sobre a Natureza Humana, pensam o Homem e as suas

circunstâncias no nosso tempo. As suas contradições, a sua evolução histórica, os seus desafios, numa perspectiva de ligação, de permeabilidade a diferentes áreas do saber. O homem está no centro, tal como defendem os autores, “(…) Para si, tal como para mim, não se pode falar do ser humano sem o considerar ao mesmo tempo, como um ser biológico, cultural, psicológico e social. Encontramo-nos porque sabemos que a fantasia, o imaginário ou o mito são realidades fundamentais. (…)” (MORIN, E.; CYRULNIK, B., 2004, p.10)

(16)

4 associar pessoas de disciplinas diversas para esclarecer um mesmo objecto de maneira diferente (…)” (CYRULNIK, MORIN, 2004, p.12).

Um estudo assumidamente interdisciplinar que pretende veicular os diferentes discursos das profissões da saúde e das disciplinas artísticas, ainda que possam suscitar diferentes desafios na reelaboração de cada natureza disciplinar. Consideramos o diálogo interdisciplinar, pelas múltiplas escolhas suscitadas no desenvolvimento do Ser, na perspectiva do actor e no papel do profissional de saúde.

No decorrer do último século assistimos a uma ruptura progressiva na forma como concebemos o desenvolvimento do homem, no que se refere à relação com o próprio, e com o mundo. Numa primeira instância, no plano epistemológico, realça-se a importância atribuída à apropriação simbólica do sujeito no processo de aquisição de conhecimento, ou seja, um processo de assimilação do saber inerente à capacidade do sujeito individual em atribuir o seu significado (PIAGET, 1986). Uma primeira porta aberta ao entendimento do funcionamento mental numa perpectiva global, de relação entre as dimensões emocional, comportamental e cognitiva.

De forma complementar, emerge uma nova perspectiva ontológica do Ser, decalcada num processo de individualização subjacente ao conjunto de interacções no decorrer do desenvolvimento (GOODMAN, 1978). Este conjunto de relações que o homem estabelece com os outros, com os diferentes estímulos do mundo, contribui para o seu processo de construção do seu conhecimento, e da consolidação de uma dimensão muito explorada no decurso deste estudo, a dimensão intersubjectiva.

Nesse sentido, tendo em conta as rupturas ontológicas e epistemológicas descritas, destaca-se o papel legado às emoções como parte central na concepção do Ser, na forma como se perpectiva e apreende o mundo (DAMÁSIO, 1994). Esta reelaboração tem que envolver necessariamente o corpo, pela sua relação no processo de exploração activa do conhecimento acessível ao Homem (LECOQ, 2009).

Este estudo pretende então considerar uma outra possibilidade de desenvolvimento do Ser, na explanação de uma perspectiva integrada do corpo e da mente, pela negação de uma abordagem epistemológica de domínio das faculdades mentais sobre o corpo, assim como, pela clara oposição de uma abordagem ontológica

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5 que considere corpo e mente duas unidades distintas do Ser. Nesta evidência, materializa-se o conceito chave deste objecto de estudo - a Prematerializa-sença - (GROTOWSKI, 1975; BROOK, 2008) que se irá constituir como ponto de intersecção disciplinar – entre a Saúde (Enfermagem, Medicina e Psicologia) e o Teatro.

Ao considerarmos o Teatro enquanto expressão artística, podemos aventar a sua contribuição para um novo olhar sobre o mundo, os seus limites e pontencialidades (GOODMAN, 2006), em especial, pelo potencial ilimitado de criação de novos significantes, bem como pela elaboração de novos significados (VYGOTSKY, 1999). Por outro lado, o Teatro enquanto disciplina artística que mobiliza a relação e o encontro com o outro esteve sempre relacionado com a Saúde. Desde o período clássico, Aristóteles relacionava as formas teatrais de então com uma natureza catártica (VASQUES, 2003). Mais recentemente assistimos no âmbito da Saúde Mental a muitas abordagens psicoterapêuticas assentes nas ferramentas teatrais, o Psicodrama/ Sociodrama (MORENO, 1978), ou ainda a Drama terapia (JONES, 2007).

Nos seus diferentes contextos de criação, o Teatro está alicerçado numa exploração permanente do trinómio acção, emoção e pensamento, seja na perspectiva individual (ou interior), também com pressupostos colectivos (entre diferentes sujeitos criadores), em que o corpo viabiliza a produção de diferentes formas estéticas (na linguagem artística), ou a produção de múltiplos significantes (na linguagem científica). Este caminho esboçado entre a saúde e a arte, apresenta corroboração empírica em diferentes estudos (STUCKEY & NOBEL, 2010), que apontam para várias conclusões, entre estas, a importância dos mediadores artísticos no conhecimento do próprio, os ganhos em saúde dos doentes sujeitos a uma abordagem terapêutica assente em mediadores expressivos e, ainda, a relação entre o desenvolvimento de profissionais de saúde e o teatro/o movimento/dança.

Pode alguém ser quem é? – O Teatro enquanto ferramenta de Presença no Profissional de Saúde pretende inscrever-se nesse tipo de estudo, com produção de evidência que discuta esses mesmos achados empíricos. Esta dissertação corresponde a um movimento de aproximação à inquietação que me acompanha desde sempre na minha vida profissional, na relação terapêutica com crianças e adolescentes, e as famílias – como

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6 tornar o profissional de saúde mais capaz no contexto dessa relação? Como é que o Teatro – no seu leque de pressupostos conceptuais e instrumentais – pode dar consistência à minha presença. Quais as dimensões da mesma? O que esta pressupõe? Qual será o caminho de desenvolvimento e consolidação desta? Estas são as questões significativas deste objecto académico.

Neste estudo, na perspectiva do investigador, releva também a referência a um outro propósito transversal a todo o documento, o de avançar com hesitação e dúvida,4 como um método, a prerrogativa inicial de suscitar as questões que irão manter uma dinâmica muito activa em redor do conceito presença, as suas derivações no universo da arte e as suas explicações no domínio da ciência. A presença do actor, a presença do profissional de saúde. Uma abordagem que pretende contribuir para o desenvolvimento do profissional de saúde, também para afirmação de novos propósitos para a expressão teatral, em particular, nos contornos do Teatro em Comunidade.

Nesse sentido, irei aferir a possibilidade do teatro concorrer de forma substantiva, para o desenvolvimento da Presença do profissional na relação que estabelece com a pessoa alvo de cuidados de Saúde. Este é o foco da investigação, esta é a hipotese inicial que pretendemos explorar no decorrer deste processo de investigação. Um estudo que aporta na figura poética e musical dos andamentos, i.e., em distintas velocidades na abordagem ao problema em investigação.

Um primeiro andamento5 – Enquadramento Conceptual – em que se pretende uma

caracterização dos pressupostos transversais às diferentes áreas disciplinares, com os quais estabelecemos um diálogo, a propósito do conceito presença. Este está estruturado na senda dos numerosos contributos teóricos à luz de vários focos disciplinares,

4 Gonçalo M.Tavares na sua obra Atlas do Corpo e Imaginação, de fôlego e extensão muito abrangente,

refere-se ao método de investigação, a partir da concepção de Wittgenstein, “(…) Um avanço hesitante; eis um método; avançar não em linha recta mas numa espécie de linha exaltada, que se entusiasma, que vai atrás de uma certa intensidade sentida; avanço que não tem já um trajecto definido, mas sim um trajecto pressentido, trajecto que constantemente é posto em causa (…)” (TAVARES, G., 2013, p.36)

5 Uma licença poética/musical à linguagem operática de Andamento, de forma a assinalar os diferentes

capítulos do trabalho. Tal como os andamentos na linguagem operática, os diferentes capítulos irão assinalar uma relação de distância, profundidade, natureza do texto, muito variada no decorrer desta dissertação.

(19)

7 Epistemologia, Filosofia, Medicina, Enfermagem, Psicologia, e em especial, o Teatro. O respaldo teórico para alicerçar o estudo de investigação em suporte conceptual sólido e consistente.

Num andamento subsequente, torna-se importante explicitar o processo – Laboratório – a partir do qual foi possível concretizar o estudo de investigação inerente à dissertação. Um andamento que irá contemplar a descrição aprofundada do processo de criação no âmbito do Centenário do Dr. João dos Santos6, estruturado de acordo com as premissas centrais em Teatro e Comunidade, desde logo, que todos os participantes (profissionais de saúde e educação) assumissem total protagonismo na construção do espectáculo, que constituiu a etapa final do referido processo.

Num momento posterior – Estudo – caracterizam-se inicialmente os limites e pressupostos de um estudo de investigação de natureza qualitativa, os seus intrumentos de colheita de dados (grupo focal/ observação participante), e as escolhas metodológicas que presidem à análise e tratamento dos mesmos – análise crítica do discurso. No momento final deste andamento, cabe uma discussão dos resultados empíricos mergulhada no foco da investigação anteriormente apresentado.

Numa derradeira dimensão deste estudo – Conclusão – serão integrados os diferentes emergentes conceptuais e investigativos do estudo, assim como, iremos convocar um horizonte de continuidade para o desenvolvimento dos achados empíricos inerentes ao objecto de investigação.

Palavras introdutórias anunciadas, formalizamos este percurso de investigação de natureza científica, sob a forma de dissertação de Mestrado em Teatro – Especialização em Teatro e Comunidade (Escola Superior de Teatro e Cinem - Instituto Politécnico de Lisboa), conducente ao grau de Mestre no contexto de uma apresentação e discussão pública.

6 Dr João dos Santos. Médico, professor, ensaísta. Figura central no desenvolvimento dos Cuidados de

Saúde Mental da Infância e Adolescência. Apresenta uma obra extensa em áreas que se relacionam com o desenvolvimento da criança. Destacamos dois livros em particular pela estreita relação com o processo de criação acima citado – Se não sabe porque é que pergunta e Agora quero ir-me embora – ambos publicados pela Assírio e Alvim.

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8 “…Devemos perceber o que significa os pequenos gestos

terem sido substituídos pelos grandes movimentos. Na cidade já não há pormenores, verifica-o. As pessoas cruzam-se Sempre em momentos de partida ou de chegada. Ninguém fica. Não há estados intermédios…”7

(21)

9

PARTE 1. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

“…falar fora das fórmulas…” Maria Zambrano A palavra conceito, associada à possibilidade de organizar, arrumar ideias e acepções. Neste particular, chegamos a uma primeira gaveta8 quando pensamos em Presença. Um “conceito-gaveta” que pretende comunicar, verter-se em debate, como se o objecto conceptual a ser definido neste trabalho contribuisse para um fluxo continum de reflexão, a propósito das derivações inerentes ao mesmo (TAVARES, 2013). Uma abordagem conceptual que se afirma em construção, suceptível de ser questionada, aberta ao diálogo entre diferentes disciplinas e correntes de pensamento, em oposição, a uma concepção hermética que se torna dispensável para ser mobilizado no exercício do Pensamento (BACHELARD, 2008).

Este percurso conceptual remete-se inicialmente aos pressupostos inerentes da Presença, que são comuns às diferentes unidades disciplinares (Epistemologia, Teatro, Saúde).Uma abordagem a três dimensões inerentes ao processo de desenvolvimento per si, por conseguinte, dimensões estruturais do conceito Presença - a expressão das

emoções, a ligação corpo-mente, e a criação simbólica. Ratifica-se desta forma o

potencial do Teatro, como ferramenta de desenvolvimento do Homem, na miríade de uma prerrogativa central nas disciplinas científicas ou artísticas que envolvem a relação com o outro – a presença. O nosso foco está nas áreas disciplinares da Saúde e do Teatro.

Em momento posterior, pretendemos explicitar a Presença, na perspectiva da Epistemologia (ao encontro da raíz desta acepção e a sua relação com a identidade individual e colectiva), na perspectiva Teatral (a referência aos autores centrais no desenvolvimento da disciplina teatral) e na Saúde (suscitando a questão da pluralidade do

8 Gaston Bachelard, na sua Poética do Espaço remete-nos para a metáfora Gaveta como lugar onde é

possível arrumar ideias, classificá-las em palavras familiares. Gavetas como possibilidade de entendimento e comunicação com outrem. (Bachelard, 2008)

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10 pensamento sobre presença tendo em conta as diferentes profissões relacionadas com cuidados de saúde – Enfermagem, Psicologia, Medicina, entre outras).

(23)

11

Capítulo 1. Pressupostos do Conceito Presença

“ (…) A suposição de que a identidade de uma pessoa transcende, em grandeza e importância, tudo o que ela possa fazer ou produzir é um elemento indispensável da dignidade humana (…)” Hannah Arendt

1.1. A emoção

O ser humano transporta dentro de si, um património físico, emocional e cognitivo em permanente elaboração, a partir de um movimento relacional com o si mesmo, o par em relação, os variados desafios do dia-a-dia, e no contexto de um imperativo social igualmente em transformação (GOODMAN, 1978). O desenvolvimento das neurociências valoriza uma concepção de desenvolvimento do ser, plural e abrangente, nos planos da dimensão emocional, comportamental e cognitiva (DAMÁSIO, 1994, 2003, 2010). Neste particular, dimensiona-se o plano da emoção como base estruturante na concepção que o ser humano desenha no contexto do seu mundo relacional.

Podemos destacar 3 vias de aquisição de conhecimento vinculadas ao processo de desenvolvimento do ser humano. Uma primeira associada à emoção (uma percepção imediata da realidade exterior e do universo interminável de interacções), uma segunda relacionada à acção/ movimento (que cria padrões de expressão espontâneo acessíveis ao corpo), e por último, o plano da cognição (a elaboração e reelaboração em diferentes categorias e níveis hierárquicos). O ser em construção assimila o conhecimento do mundo numa perspectiva relacional, a partir de uma dinâmica de integração das diferentes experiências vividas (via da emoção e da acção), de acordo com categorias estabelecidas em função do seu próprio sistema de codificação (a via da cognição) (DAMÁSIO, 1994). Desta forma, o desenvolvimento do Ser consolida-se no par dialéctico, experienciar/ codificar, sentir/ significar.

António Damásio9 (2000, 2003), apropria-se definitivamente da dimensão emocional para pensar o funcionamento neurológico. Refere-se à emoção numa perspectiva

9 António Damásio, neurocientista de renome internacional, tem dedicado a sua vida profissional aos

mistérios do cérebro, em domínios pouco comuns nesta área, a emoção, o continuum corpo-mente, e mais recentemente, a consciência. Tem uma obra vasta entre obras publicadas e artigos académicos,

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12 desenvolvimental, tendo descrito os diferentes níveis de expressão emocional com alusão à imagem de uma árvore. Assim, localizamos ao nível das raízes, processos emocionais que condicionam as funções de manutenção da vida (o equilíbrio metabólico, os reflexos básicos, e ainda os mecanismos imunitários). Num nível intermédio, encontram-se níveis de funcionamento emocional associados à valorização da dor ou do prazer, bem como, à materialização das pulsões (lúdicas ou sexuais).

Num último nível, visível e de imediata contemplação, tal como a copa das árvores, encontram-se as emoções propriamente ditas, sejam as mesmas, primárias (medo, tristeza, alegria, zanga), de fundo (associado à comunicação não-verbal, a posição do corpo, a tonalidade da voz), ou ainda as emoções sociais (vergonha, culpa, ciúme) (DAMÁSIO, 2003). Descrita uma possível estrutura do nosso edifício emocional, cabe ressalvar que estes diferentes níveis não têm função autónoma, e não se materializam de forma compartimentada.

O edifício emocional descrito contempla diferentes níveis, em todos radica uma mesma constante, a natureza variável e imprevisível da emoção. Um caminho possível na modelação da resposta emocional está relacionado com a interposição de uma etapa intermediária entre a vivência da emoção, a sua integração/elaboração e a respectiva resposta emocional. A cultura pode constituir uma resposta humana que se interponha, como mecanismo regulador da resposta emocional (DAMÁSIO, 2010). Podemos suscitar as diferentes ferramentas associadas ao Teatro e a Saúde, no sentido de se constituírem como respostas adaptativas à vivência da emoção.

Em suma, podemos ainda referir que é a partir do movimento dinâmico entre a experiência e a sua significação, que o ser humano se aprofunda desde níveis basilares para estruturas mais complexas, no que o compromete com o conhecimento do mundo e de si mesmo. O lugar da experiência, é o lugar da emoção. O veículo que favorece a expressão da emoção é o corpo, nos seus limites e potencialidades.

entre os quais podemos destacar, o Erro de Descartes, o Sentimento de Si, O Problema Consciência. A referência a este autor, decorre da importância de caracterizar de uma forma mais consistente o desenvolvimento da emoção e da sua relação com as diferentes áreas de funcionamento do homem.

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13

1.2. A Ligação

A segunda premissa que pretendemos explorar no âmbito deste estudo, prende-se com este entendimento em continuidade da entidade corpo e da entidade mente. A tradição filosófica, desde Descartes começa a reflectir isso mesmo (Bergson, Deleuze, Derrida, Merleau-Ponty, Foucault)10bem como outras áreas disciplinares. A biologia e todas as áreas disciplinares da saúde têm o mesmo entendimento indissociável da dimensão corpo e mente, em que o exemplo mais ilustrativo é a actual definição de saúde preconizada pela OMS, que envolve a saúde do corpo, a saúde da mente e a saúde do ser em sociedade.

Na óptica do desenvolvimento que tem sido transversal a este trabalho, resgatamos a teoria de desenvolvimento de Piaget, de forma a sublinhar a importância das etapas primeiras do desenvolvimento – o estádio sensório-motor – para que se possam atingir de forma plena os estádios posteriores do desenvolvimento (PIAGET, 1986). Nos estádios tardios verifica-se a capacidade de abstracção reflexiva, ou seja, a capacidade de construção de símbolos associado, também, à expressão artística. Mais recentemente têm sido produzidos diversos estudos de investigação que estabelecem uma relação positiva entre a actividade motora precoce e o desenvolvimento de aquisições cognitivas (JAMES, 2009; ZULL, 2004) ; outros estudos de investigação que anunciam a descoberta recente da plasticidade das suas células, ao contrário do que se preconizava anteriormente a propósito de a actividade cerebral se encontrar limitada no seu desenvolvimento e potencial de renovação (DAMÁSIO, 2010).

Uma outra evidência subjacente aos estudos imagiológicos da actividade cerebral, decorre da predominância do hemisfério cerebral esquerdo (associado a capacidade racional) sobre o hemisfério cerebral direito (associado à criatividade e intuição). Suscita-se a provável relação entre programas educativos progressivamente mais centrados na capacidade racional e analítica, e os achados empíricos anteriormente apresentados (DAMÁSIO, 2010; ZULL, 2004). A hipótese que emerge prende-se com uma eventual relação entre um desenvolvimento da actividade do cérebro mais equilibrada, e um

10 No subcapítulo que irá versar sobre a relação entre epistemologia e presença, iremos fazer referência

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14 programa educativo igualmente mais abrangente no potencial de desenvolvimento de uma criança em crescimento.

Ao considerar esta mesma hipótese, não podemos deixar de referir a actividade artística, como veículo do corpo expresso em emoção que é facilmente reconhecível na actividade simbólica criada, e que decorre de uma integração harmoniosa do ser no plano do corpo e da mente, em relação directa com o próprio e com os outros (ZULL, 2004).

Por conseguinte, podemos também afirmar quanto mais diverso e plural se constituírem as experiências do ser em desenvolvimento, maior potencial de actividade cerebral este irá apresentar, pelo que a expressão das artes podem ser consequentes na evolução do ser humano em plena expressão das suas faculdades.

1.3. O Símbolo

No domínio dos predicados da Presença, o foco centra-se agora no processo simbólico enquanto produto principal da actividade artística. O ser em desenvolvimento manifesta as suas emoções através de uma linguagem (não necessariamente verbal), que conhece também uma inscrição no corpo.

Esta capacidade de elaboração da experiência vivida conhece através da actividade simbólica, uma possibilidade de comunicação da subjectividade do ser em criação (VYGOSTSKY, 1999). Como afirmado anteriormente, a actividade simbólica inerente à criação artística tem um natural destaque no desenvolvimento do ser humano, pelo horizonte de ligação que estabelece entre a dinâmica do corpo e da mente.

O conhecimento do mundo assenta inicialmente em pressupostos concretos (todas as teorias de desenvolvimento deste Freud, Piaget a Erikson corroboram isso mesmo), para ensaiar outras possibilidades de conhecimento e de elaboração do mundo. De acordo com esta leitura, o ensaio de um novo olhar interpretativo necessita de um suporte concreto inicial. Nesse sentido, torna-se relevante fazer a alusão a todos os processos de desenvolvimento profissional que atravessam também um domínio instrumental inicial. No Teatro, a importância de dotar o corpo de uma habilidade particular no domínio da voz e do corpo, para que este possa ser veículo de actividade simbólica (BARBA, 1994; BROOK, 2008). Em complementaridade, nas profissões da saúde (em especial, a

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15 Enfermagem e Medicina) a evolução do ponto de vista profissional assiste uma fase inicial de optimização das ferramentas técnicas e instrumentais de cuidado com o outro, para que se possam ensaiar outros modus mais proeficientes de cuidado com a pessoa doente (BENNER, 2001).

A actividade simbólica inerente ao processo de criação artística envolve a materialização de um significante, ao qual, obedecem um conjunto de significados, que no seu conjunto constituem o símbolo ou signo, que Saussure11 plasmou enquanto conceitos chaves na comunicação, mas que traduzem a possibilidade de acesso à subjectividade do ser em estado criativo. Esta dimensão em especial interessa-nos destacar pela afirmação da Presença enquanto possibilidade de afirmação do ser com novas perspectivas sobre o mundo.

Este percurso de experimentação de novas formas (símbolos) para traduzir a experiência da subjectividade, favorece um processo de crescimento mais alargado e global (GOODMAN, 1978).

Na sequência da descrição dos predicados da presença, em resumo, a expressão das emoções, o continuum corpo-mente, e por último, a criação do significado, abrimos o horizonte da explanação do conceito Presença nos limites do nosso objecto de investigação.

11 Ferdinand de Saussure (1857-1913), liguista suíço, desenvolveu estes conceitos entre outros, que

traduzem no imediato a função de comunicação associado à linguagem, que é por excelência uma dimensão da actividade simbólica.

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16

Capítulo 2. O Conceito Presença

“ (…) Saber que a alma tem uma expressão corporal, permite ao ator alcançar a alma em sentido inverso e redescobrir seu ser (…) “ Antonin Artaud

2.1. Abordagem epistemológica do Conceito Presença

Para um pensamento ontológico a propósito do conceito Presença, resgatamos a ideia de apropriação dos construtos filosóficos defendidos por Jaspers (ARENDT, 1991)12, em diálogo com alguns pensadores (Bergson, Lévinas, Merleau-Ponty, Deleuze, Gil), sem o rigor da coerência cronológica que parece sustentar o desenvolvimento da própria filosofia.

De forma complementar, torna-se importante que este ponto de partida se afirme também como ponto de chegada, ou seja, saber que as novas acepções são condicionadas também pela tradição histórica e filosófica, sem a qual seria impossível o ofício de atribuir

uma nova concepção ao que entendemos como Presença (BENNINGTON, 1994).13

Por conseguinte, podemos considerar o conceito Presença enquanto dimensão ontológica do Ser, pelo que se torna necessário assinalar o conceito Dasein14, para nos remetermos à importância do contexto social, familiar e histórico-político na atribuição de um sentido para o Ser. De uma certa forma, podemos pensar em Presença (no contexto desta explanação epistemológica) quando está suficientemente vinculada ao percurso histórico, político e cultural subjacente ao desenvolvimento do Ser.

12 Hannah Arendt em Homem em tempos sombrios, elenca um conjunto de pensadores que a marcaram,

entre estes, Jaspers. Quando faz a reflexão sobre o conceito Humanitas deste, refere-se à companhia dos grandes filósofos para consagrar a ideia de liberdade na criação das ideias, de forma a que a maior ou menor afinidade a um filósofo depende sobretudo do acto de comungar de um determinado espírito e menos de uma proximidade temporal ou cronológica.

13 Este autor na sua obra Jacques Derrida, apresenta os diferentes contributos filosóficos de Derrida, em

especial os conceitos de differance, numa perspectiva de desconstrução do pensamento filosófico moderno.

14 Heidegger, na sua obra maior Ser e Tempo, discute aprofundadamente este Conceito Dasein, como

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17 Interessam-nos então os voos de aproximação aos autores acima mencionados, em especial, pela sua relação com o corpo em imaginação e movimento, pela sua inscrição em determinado contexto histórico e social, e por último, num corpo que se afirma também na sua Invisibilidade. Como principal pressuposto assume-se uma perspectiva epistemológica, em que não podemos dissociar o pensamento sobre o corpo, do pensamento sobre Presença.

É desse «corpo» enquanto acepção aberta e complexa que nos apropriamos, enquanto reflectimos a propósito do Conceito Presença. Um corpo que se torna dificil definir em absoluto (GIL, 1997), pois o pensamento sobre o corpo associado ao conceito Presença, não se vincula apenas ao corpo cartesiano15. Não está relacionado apenas com o modelo biomédico na prática de cuidados clínicos, nem tão-somente o corpo “vivido” assente na percepção do mundo exterior da concepção fenomenológica.16 Um corpo que se inscreve na sua dimensão fisica, aparente e objectivável, em especial, um corpo que se inscreve no âmbito da sua subjectividade para se tornar Presente.

O pensamento ontológico sobre Presença tem que envolver a afirmação do Ser por entre o corpo, que não existe apenas na realidade do seu próprio aparato fisiológico, mas por entre aquilo que se abre e perspectiva fora do mesmo. É esta dinâmica de «ventilação» interna, com sentido permeável ao exterior, que marca o desenvolvimento do Ser em Presença (TAVARES, 2001).

Uma dinâmica que sustenta uma dimensão, com forma e expressão não tangível. Henri Bergson (LE ROY, 2008)17 no conjunto da sua obra convoca uma plural reflexão

15 A concepção aventada por Descartes, que compartimenta a divisão entre corpo e emoção, entre

matéria e espírito, tem sido fortemente desconstruída a partir de diferentes contributos, em que podemos destacar a obra de António Damásio, O Erro de Descartes, que claramente demonstra a estreita interdependência entre uma dimensão e outra.

16 Procura estabelecer uma clara distinção com o corpo fenomenológico de Merleau-Ponty, o «corpo

vivido» de apreensão do mundo através da experiência do real. Este corte irá ser consubstanciado em duas obras posteriores, Metamorfoses do corpo e Movimento total, as quais, têm particular relevo nesta dissertação. Na sequência desta reflexão epistemológica sobre o Conceito Presença, será sublinhado a importância da obra de Merleau-Ponty em especial, na mudança de paradigma sobre o Pensamento em redor do Corpo.

17 Eduard le Roy, na sua obra A new philosophy: Henri Bergson, consubstancia de uma forma didática os

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18 sobre a relação entre corpo próprio e consciência, donde se destaca a defesa de uma

Presenca Interna, em diálogo com a expressão corpórea. Desta forma, consolida-se um

conceito Presença não apenas como uma dimensão humana, mas como a possibilidade de afirmação do Ser.

Bergson formula uma teoria de conhecimento vinculado a uma teoria da vida18, em que se distingue uma realidade externa acessível à faculdade da inteligência que prepara o homem para a acção. Em sentido oposto, o conhecimento contempla também uma dimensão interna que está relacionada com esse permanente devir interno a que o autor define enquanto duração.19 O investimento nesta dimensão concretiza-se a partir de uma outra faculdade do pensamento – a intuição. Neste sentido, a inteligência afirma-se enquanto instrumento do Ser no domínio da vida prática e substantiva e a intuição como chave de entendimento do Ser, na medida em que favorece a expressão da totalidade do Ser, e não apenas uma inteligência prática e funcional (BERGSON, 2005).

Por conseguinte, Bergson remete-se a esta dimensão interna como palco de criação em permanência, tendo afirmado “(…) assim como o talento do pintor se forma ou deforma, em todo o caso se modifica, assim cada um de nossos estados, ao mesmo tempo que sai de nós, modifica nossa pessoa, sendo a forma nova que acabamos de nos dar (…)” (BERGSON, 2005, p.7). A presença afirma-se como lugar privilegiado de criação. De uma Presença para si deslocamo-nos para o Outro. O lugar à subjectividade do corpo poderá estar associado à relação com outrem, num sentido mais radical, ao outro.

criatividade, um texto que dialoga com as obras centrais de Bergson, e que desde logo afirma a sua importância, num momento de forte imposição no domínio da ciência do Positivismo.

18 Escreve Bergson na sua obra A Evolução Criadora “…o que equivale dizer que uma teoria de

conhecimento e a teoria da vida nos parecem inseparáveis uma da outra. Uma teoria de vida que não vem acompanhada de uma crítica ao conhecimento é forçada a aceitar, tais e quais, os conceitos que o entendimento põe à sua disposição: não pode mais que encerrar os fatos, por bem ou por mal, em quadros preexistentes que ela considera como definitivos…” (BERGSON, H. – A evolução criadora, 2005, p.XIII,

Martins Fonte)

19 Bergson postula também este conceito – duração – para ratificar essa linha de acontecimentos,

vivências, memórias que estão em permanente mudança, as quais, não poderão ser consideradas individualmente ou como capítulos isolados. (BERGSON, 1999).

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19 O outro com a sua identidade e subjectividade distintas do próprio, a Presença em dois planos, o da identidade e o da alteridade.

A Presença que se constrói tendo em conta o universo pessoal, mas que se ratifica também na relação estabelecida com o outro. Convoca-se o continuum dialético Identidade/alteridade para concretizar uma concepção de Presença fundada no Outro, no que este aporta à Identidade Individual.20 O encontro com o outro implica um movimento de apropriação de dimensões do outro, distintas do que é confortável ao próprio, o que exige uma abertura não condicional a tudo o que envolve a aproximação relacional ao outro (LÉVINAS, 2000). Este movimento é sensível à expressão artística (dança, teatro), bem como, à Saúde (como área profissional cuja relação com o outro-pessoa doente é central).

Assinala-se ainda que a consciência do Outro emerge através da imagem do seu rosto, simultaneamente, corpo concreto e palpável, mas também um apelo inequivoco ao compromisso com a sua dimensão interior ou subjectiva (LÉVINAS, 2000). A evidência que no plano da díade eu-outro, ambos se reconhecem nesse movimento de ruptura e mudança. No contexto relacional, a Identidade está em permanente devir, pelo que podemos ser suscitados por igual conclusão quando obviamos a dimensão Presença na identidade individual. A Presença enquanto dimensão do ser em ofício de reelaboração constante, a partir do vínculo ao Outro.

Feitas as contas ao Percurso epistemológico em redor do Conceito Presença, assumimos um modus Presente em locus interno, a afirmação da Presença a partir do outro, para que possamos consubstanciar o Pensamento sobre a Presença em accção perante o Mundo. Eis que chegamos à fenomenologia21, em especial a Maurice

20Émanuel Levinas, na sua obra Totalidade e Infinito impõe um olhar radicalmente diferente à díade

eu-outro, tendo privilegiado o plano da alteridade em detrimento da identidade, como marco fundador do ser humano. Para este autor, trata-se de priorizar a alteridade (outro), em desfavor do sujeito (eu), primado teórico particularmente contrário à tradição do pensamento moderno que atribuia ênfase ao sujeito, à pessoa identidade.

21 No conjunto da sua obra, na senda de Bergson, desenvolve uma Fenomenologia de progressivo

afastamento do racionalismo cartesiano, comprometendo-se com o exercício de uma racionalidade outra relativamente ao positivismo de então. (TAVARES, 2001)

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20 Ponty que no âmbito sua obra, consagra conceitos centrais na acepção de Presença em

movimento relativamente ao mundo.

Valorizamos o protagonismo atribuído à corporeidade do Ser, à vivência do corpo na sua relação com o mundo22. Uma Presença que interpela o mundo através de um corpo total e sinestésico, que é dotado de uma Intenção23. O lugar da percepção24 é o corpo, que não se explica tendo em conta a dicotomia clássica (corpo/ mente, corpo/alma), pelo contrário é um corpo que ambiciona a experiência da totalidade, “ (…) Ser uma experiência, é comunicar interiormente com o mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles (…)” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.142)

Nesse sentido, a percepção persegue a possibilidade de atribuir significado à experiência do ser em relação,25 uma dinâmica que implica a recusa da imobilidade e o movimento eucêntrico, pelo contrário, afirma-se numa subjectividade activa em direcção aos diferentes estímulos. Assim, podemos considerar que é através do corpo que se materializa o sujeito intencional (MERLEAU-PONTY, 1999).

Um sujeito intencional que apreende o objecto através do corpo, na miríade das suas possibilidades perceptivas, sem recurso a qualquer operação significante ou de natureza simbólica. “(…) a experiência motora do nosso corpo não é um caso particular de conhecimento, ela nos fornece uma maneira de ter acesso ao mundo e ao objecto, uma

22 Gonçalo M.Tavares resume na sua obra A temperatura do corpo “(…) a importância dado ao fenómeno

e à busca da sua essência, ao que se manifesta, à experiência vivida, ao que é dado à consciência, manifesta-se a partir da recusa de imposição de categorias de realidade à priori por via da consciência, que Descartes e outros idealistas haviam desenvolvido nas suas reflexões (…)” (TAVARES, 2001, p.56)

23 Merleau-Ponty na sua obra Fenomenolgia da Percepção, descreve este conceito como uma faculdade

dinâmica do ser, em confronto com a realidade, na expectativa de produzir conhecimento. Agir activamente na relação com o mundo. (MERLEAU-PONTY, 1999)

24 Extensamente desenvolvida na sua obra central Fenomenolgia da Percepção, a percepção é descrita

como veículo de atribuição de significado. Como se a percepção viabilizasse um primeiro passo para a produção de conhecimento. (MERLEAU-PONTY, 1999).

25 Como escreve Merleau-Ponty “…não estou no espaço e tempo, não penso o espaço e o tempo, eu sou

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21 «praktognosia», que deve ser reconhecida como original e talvez originária.(…)” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.195).

Novos contornos atribuem à moldura conceptual uma leitura que nos envolve no movimento intencional, e que valoriza um corpo também em movimento de expressão das suas diferentes significações. Emerge uma Presença vinculado a um corpo expressivo, que projecta sobre a realidade exterior o produto da sua elaboração perceptiva. Presença que se inscreve no exercício da Expressão (MERLEAU-PONTY, 1999).

Uma outra dimensão desta exploração epistemológica, em torno do conceito Presença, prende-se com os diferentes horizontes de expressão do Homem. Deleuze aponta para uma ulterior instância do corpo, ao sustentar um «corpo-sem-órgãos», a partir de Artaud26, ou seja, um corpo que se torna Presente num plano da imanência. Para Deleuze, existe um plano último de expressão do corpo que transcende o corpo cartesiano, o corpo subjectivo Bergsoniano que precede as concepções psicológicas, o corpo das «vivências» do universo fenomenológico. Estamos então na presença de um corpo virtual, de franca consistência entre o plano do Pensar, do Sentir e do Agir (GIL, 1997). Anuncia-se desta forma uma derradeira PreAnuncia-sença de evidência não visível.

O plano da imanência veicula uma ligação entre as diferentes dimensões da condição humana, o corpo psiquico e fisiológico, assim como, no contexto da relação entre diferentes indivualidades (DELEUZE-GUATTARI, 2007). A evidência a uma Presença que convoca tanto o corpo, na sua dimensão aparato (cérebro, nervos, músculos, tendões, ossos), como as suas dimensões não vísiveis, de motivações não perceptíveis para o outro, bem como para o próprio. Podemos então concluir que o movimento que anuncia a Presença pode ser determinado por simples mecanismos fisiológicos de articulação entre

26 Numa edição que organiza e contempla as cartas de Artaud, este afirma “…o homem é doente porque

é mal construído. Temos que nos decidir a desnudá-lo para rapar esse animal que o corrói mortalmente, deus e juntamente com deus, os seus órgãos. Se quiserem, podem meter-me numa camisa de força, mas não existe coisa mais inútil que um órgão. (ARTAUD, 1983, P.161). Uma afirmação que nos remete para o

seu próprio pensamento sobre o teatro e o trabalho de actor, como movimento criativo de regresso às origens do corpo e da sua expressão primeira. Voltaremos a Artaud posteriormente quando pensarmos o Conceito Presença no universo Teatral. A referência a este autor prende-se com a sua particular relação com este conceito que Deleuze trouxe para o pensamento filosófico, o plano da imanência.

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22 circuitos neuronais e sistema muscular, mas também por um movimento que não implica necessariamente uma deslocação no espaço (DELEUZE-GUATTARI, 2007).

O corpo em plano de imanência envolve uma natureza total do corpo, enquanto espaço onde se materializam os afectos, desejos e pensamentos, de uma forma contínua e não dissociável.27 José Gil na sua obra Movimento Total: o corpo e a dança perspectiva de uma forma mais aprofundada este «corpo-sem-orgãos» no contexto da dança e da formação do corpo, que nos interessa realçar pela sua estreita relação com uma expressão artística – a dança, mas sobretudo, pela relação natural com a segunda dimensão da Presença que pretendemos explorar nesta investigação – A Presença e o Teatro.

Para José Gil existe um corpo aparente, biológico e material – corpo actual, que é também condicionado no seu movimento (actual, de quotidiano e regular), por um corpo virtual (constituído por um conjunto de corpos virtuais em permanente transformação) que se encontra na origem de um movimento virtual em que tudo pode ser concretizado. Nesse sentido, o corpo virtual é o espaço da imanência anunciado por Deleuze, em que o corpo se encontra em estado potencial, ou seja, os movimentos na iminência de expressão, os pensamentos ainda não consubstanciados, a imaginação em permanente elaboração (GIL, 2001).

Em suma, o corpo total que se torna presente mediante um movimento total não pressupõe uma Presença em realidade dicotómica, pelo contrário, ambas as dimensões corpo – actual e virtual, constituem uma única Presença real e substantiva (o corpo virtual não é irreal por não ser visível). Na nossa experiência de espectador ou de criador, acedemos a um corpo com Presença em movimento total quando temos a percepção da não-interpretação, da ausência de sentido e significante prévio. No teatro, na dança, na vida, essa elaboração é posterior ao movimento, e nasce da circunstância do encontro

27 José Gil na sua obra Metamorfoses do corpo, cita uma história clínica da experiência profissional de

Francoise Dalto (Psiquiatra da Infância e Adolescência) muita ilustrativa desta dimensão imanente do corpo “ (…) Agnés, recém-nascida ao seio durante 5 dias, cuja mãe é hospitalizada subitamente, devido a

um episódio febril grave, recusa o biberão que o pai e tia lhe apresentam. Como a situação se prolonga, o pai consulta Francoise Dolto, que lhe recomenda levar o pijama da mãe, e enrolar o mesmo ao pescoço de Agnes de forma a conservar o odor materno. Agnés bebeu o biberão a partir desse momento (…)”.(GIL, 1997, p.185). Torna-se claro que o recém-nascido já tinha criado uma Presença da mãe através do sentido.

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23 relacional no palco, ou no quotidiano das nossas vidas. Uma Presença em que tudo está associado, a noção de limite interior, exterior, sujeito/ objecto, eu e o outro (GIL, 2001).

Na transição para a nossa elaboração sobre Presença e o Teatro, cabe ressalvar que abordámos apenas pontos tangenciais no âmbito dos diferentes autores mobilizados, para a nossa abordagem epistemológica deste conceito. Foram abordados autores que pudessem suportar um primeiro olhar sobre este conceito, que não se esgota unicamente nesta área disciplinar.

Desta forma, provocamos a ruptura de uma Presença em modus Epistemológico, para a situar no cerne da expressão artística, no âmbito da expressão teatral.

2.2. A Abordagem Teatral do Conceito Presença

Os diferentes estudiosos da linguagem teatral, os criadores de várias gerações e escolas estéticas,e ainda, todos os autores que se têm debruçado sobre a metodologia do Actor, confrontam-se com este conceito como se o mesmo assumisse um lugar central na formação e desenvolvimento do Actor.

A Presença no Teatro tem diferentes pergaminhos e perspectivas. Pode ser entendido enquanto uma capacidade para deixar cativo o espectador, de forma a suscitar neste uma identificação imediata ao que o actor/personagem está a expressar, de outro modo (PAVIS, 1999), pode ser assumida enquanto dimensão misteriosa do actor, mas com possibilidade de expressão a partir de uma investigação interior (BROOK, 2008). Um conceito que se manifesta também pela importante relação com a circunstância, ou seja, uma dimensão do actor não expressa como definitiva, pelo contrário, condicionada a um conjunto de variáveis igualmente não controladas pelo próprio (SCHECHNER, 1985). De forma complementar, podemos ainda referir a propósito da construção das múltiplas acepções do conceito Presença, um modo de ir ao encontro do espectador, simultaneamente, com contornos artificiais e orgânicos mas que apela ao conjunto da experiência perceptiva do espectador (BARBA, 1994).

Neste sentido, a problematização do conceito Presença pode ser realizada com diferentes eixos de análise, a Presença Física do actor (a que envolve o seu corpo), a Presença do público (quais as tonalidades emocionais deste grupo), a Presença que se situa na relação entre actor e público (o que estará em jogo nesse encontro), por último,

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24 a circunstância Presente do momento do espectáculo teatral. Consideramos mais pertinente, situarmos a nossa exploração conceptual na Dimensão fisica da Presença e na Presença que se manifesta entre o actor e o seu público, pela clara ressonância com a outra área disciplinar envolvida nesta investigação, a Saúde. O actor que se relaciona com outro actor ou com o seu público, o profissional de saúde que se relaciona com um par, ou com uma pessoa a necessitar de cuidados clínicos.

Quando consideramos a dimensão fisica da Presença, torna-se impossível não fazer referência a autores centrais na disciplina teatral, como Stanislavski, Meyerhold, Grotowski e Barba, na medida em que estruturam no conjunto da sua obra, métodos de desenvolvimento e formação do actor. Não pretendemos apresentar e sistematizar as respectivas obras, apenas aportar aos contributos mais pertinentes, tendo em conta a nossa reflexão do conceito Presença no Teatro.

Stanislavski28e a sua obra marcam uma viragem radical na assumpção do papel do actor no contexto de uma criação teatral, mais em concreto, na estreita relação que emerge entre o actor e o personagem (VASQUES, 2003). Desta forma, torna-se mais importante a preparação do actor no conjunto das suas ferramentas expressivas, tendo sido um passo decisivo para uma atenção crescente no percurso de desenvolvimento do actor, do seu potencial para se tornar Presente.

Podemos afirmar que este autor se afirma como marco de viragem no trabalho do actor, pois centra o desenvolvimento do mesmo num trabalho sobre a pessoa do actor inerente ao personagem. “ (…) É aliás esse «trabalho sobre si próprio», interior e exterior, assente sobre a consciência da dupla natureza do actor (uma pessoa civil e um corpo que «encarna» personagens), e assente na necessidade de um treino permanente que ultrapasse esta dicotomia e potencializa a inspiração, o «espiríto criador» (…)” (VASQUES, 2003, p.59-60).

28 Constantin Stanislavski (1863-1938), Actor, pedagogo teatral e encenador. Fundador do Teatro de Arte

de Moscovo, funda uma metodologia de trabalho de actor que influencia o desenvolvimento de diferentes correntes de criação estética teatral na primeira metade do séc XIX. (Movimento naturalista, simbolista e expressionista). (BORIE et Al, 1996).

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25 Stanislavski acreditava então na construção psicológica do personagem, na perspectiva do conhecimento da sua vida interna (as diferentes motivações, desejos, ambições), senão vejamos, “ (…) segundo o que acabeis de referir, creio compreender que devemos assimilar uma técnica psicológica de como viver um papel e que isso nos ajudará a alcançar o nosso objectivo principal, que é o de criar a vida de um espírito humano (…)” (STANISLAVSKI, 2003, pg.44). Para este criador, a construção do personagem começava a partir de uma dimensão interna, sem a qual seria impossível o desígnio da expressão exterior da riqueza e intensidade de um determinado papel. “ (…) O actor tem a obrigação de viver a sua personagem interiormente e depois dar dessa experiência uma manifestação exterior (…)”(STANISLAVSKI, 2003, pg.44).

Desde logo emerge uma formação de actor, vinculado a uma Presença inerente à dimensão interior do personagem. Todavia, este criador valorizava igualmente um corpo tecnicamente preparado, mas sempre enquanto veículo do universo psíquico e emocional do personagem. “ (…) Deveis exercitar ao mesmo tempo o vosso aparelho psiquico, que vos permitirá criar a vida interior da vossa personagem e o vosso aparelho físico, que exprimirá os seus sentimentos com precisão (…) (STANISLAVSKI, 2003, pg.45). Torna-se claro que a presença do actor para Stanislavski resida na identificação com a verdade emocional e psicológica do personagem, legando o corpo físico a um mero veículo disso mesmo. O corpo per si não dispõe de qualidades inerentes à presença do actor.

Destacam-se ainda alguns eixos centrais na metodologia de formação de actor, preconizada por este autor, o “se mágico”29, a “memória afectiva”30, ainda, as “acções

29 O “Se mágico”, como ferramenta à disposição do personagem para compreender as motivações

inerentes a cada comportamento do personagem. Como se o “Se mágico” faça esse apelo ao actor, de forma, a que encontre o seu lugar nas mesmas circunstâncias do personagem. “(…) as circunstâncias

trazidas pelo personagem se provém de fontes próximas dos vossos próprio sentimentos (…)”

(STANISLAVSKI, 2003, p.79)

30 A “memória afectiva” convoca a memória das emoções. O que eu senti em determinado momento,

face a determinada circunstância? A Pergunta que o actor deve fazer sempre que é confrontado com a necessidade de convocar uma determinada emoção. “ (…) Quando estais em cena, interpretai sempre a

vossa própria personagem, os vossos próprios sentimentos. Descobrireis uma variedade infinita de combinações nos diversos objectivos e nas circunstâncias propostas que elaborastes para o vosso papel, e que se fundiram no cadinho da vossa memória afectiva (…)” (STANISLAVSKI, 2003, p.217)

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