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“ (…) Dançar, dramatizar, está, como se sabe, na origem de tudo o que é pensar (…)”

João dos Santos

3.1. O Mote

No âmbito do Centenário do Dr. João dos Santos (1913-2013), foram desenvolvidas um conjunto de iniciativas60, para celebrar de forma condigna a obra deste homem maior da nossa história recente. Uma das instituições envolvidas61 foi o CHLC-HDE, que entre a participação em um Curso Livre62, e em outras tantas Conferências e Encontros63, propôs através da sua Direcção de Área de Pedopsiquiatria (Director Clínico e Enfermeiro Chefe), em colaboração com a ESTC-IPL, um projecto de criação artística que pudesse envolver a comunidade de Profissionais de Saúde da respectiva Área hospitalar. (Anexo A)

O Teatro exerceu um papel maior nessa relação, que ousámos estabelecer com o universo inesgotável de João dos Santos. A linguagem artística ao encontro das pessoas, neste particular, dos profissionais de saúde envolvidos (médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêutico, terapeuta ocupacional, terapeuta da Psicomotricidade) e educação (professores, educadores de Infância, professores de ensino especial) que entretanto constituíram o grupo pela sua relação próxima, a um contexto profissional de eleição do

60http://joaodossantos.net/. Este site foi criado pela Comissão organizadora do Centenário do Dr.João

dos Santos, e congrega todas as iniciativas, eventos, cursos, testemunhos, bibliografia desde o ano do Centenário – 2013.

61 CHLC – HDE/ CHLC – HSM/ FM-UL/ FM – UNL/ ESTC-IPL/ ESSE-IPL/ SPP/ APPIA/ IAC/ CHK/ JIP, entre

muitas outras. Instituições da Saúde, da Educação e da Sociedade Civil associados ao universo da Infância.

62 http://joaodossantos.net/curso-livre-joao-dos-santos-no-seculo-xxi-saude-educacao-cultura-e-

cidadania/

44 Dr. João dos Santos, a Escola. Um total de 23 pessoas envolvidas em todo o processo de criação.64

Nesse sentido, procurámos valorizar o ofício teatral e artístico como veículo de (re) elaboração dos diferentes vividos dos profissionais de saúde e educação, em franco cruzamento com o imaginário construído por João dos Santos. Os horizontes de concretização deste processo de criação65 prendem-se com aprofundar o conhecimento do homem e obra de João dos Santos, num segundo momento, contribuir para o desenvolvimento de todos os criadores envolvidos, um terceiro momento, concretizar um objecto artístico que seja o reflexo inequívoco do cruzamento entre os dois primeiros objectivos66, ou seja, viabilizar o crescimento individual e colectivo de todos

os que estarão a viver o processo através do universo de João dos Santos.

O foco deste estudo de investigação está directamente relacionado com o segundo dos objectivos inerentes a este percurso de criação, favorecer o desenvolvimento de todos os criadores envolvidos, sendo que o Colectivo de Dinamizadores/ Encenadores/ Artistas Pedagogos67 assumiu entre outros objectivos inerentes ao desenvolvimento deste Colectivo Artístico, a construção em processo de um Laboratório da Presença, no caso particular deste estudo, a Presença do profissional de saúde.

3.2. Fases

O ponto de partida deste processo assume os contornos espaciais, do serviço de Internamento de Pedopsiquiatria (CHLC-HDE), em Março de 2013, com a presença da Dra. Paula Lobo (Presidente da Comissão Organizadora do Centenário do Dr. João dos

64 No decorrer dos 4 meses de processo de criação, 7 pessoas se desvincularam do processo de criação

por diferentes motivos (pessoais, profissionais), num total de 30 pessoas envolvidos numa fase inicial.

65https://www.facebook.com/pages/Se-n%C3%A3o-sabe-porque-%C3%A9-que-

pergunta/122180164659574 e http://senaosabeporqueequepergunta.wordpress.com/ . Uma página facebook do projecto e o blog respectivo, foram documentando todo o processo.

66 O Primeiro e o terceiro objectivo deste Processo de Criação decorre do que foi acordado com a

Comissão Organizadora do Centenário do Dr. João dos Santos, na pessoa da Dr. Paula Lobo que presidiu a esta Comissão.

67 Uma designação múltipla que ilustra a discussão saudável em torno da figura do Encenador quando a

45 Santos, e uma das suas filhas), Enf.ª Maria José Viana de Almeida (a primeira chefe do referido serviço, e pessoa também incontornável na Enfermagem de Saúde Mental da Infância e Adolescência), Enfº Chefe António Nabais (para além de chefe da supracitada Área de Pedopsiquiatria, exerce funções de Docência na ESEL – IPL também na área da Psiquiatria de Adultos e da Infância e Adolescência), ainda, o próprio, na qualidade de representante do Colectivo M 12 8 (ESTC-IPL), que viria a dinamizar o processo de criação. Desde logo, ficaram estabelecidas as linhas mestras do processo – as obras literárias de JS com maior potencial dramatúrgico (em especial dois livros, Se não sabe porque é que pergunta e Agora quero ir-me embora), e a decisão deste processo ser assumido por profissionais de saúde, de forma a concretizar o olhar plural e integrador de JS.

Entre Abril e Julho desse ano, estivemos presentes em diferentes reuniões Clínicas das equipas de ambulatório da Área de Pedopsiquiatria do CHLC-HDE (C. Parque, C. Encarnação, C. da Juventude), de forma a divulgar o projecto, por outro lado, a encontrar os protagonistas do nosso processo de criação. O entusiasmo foi significativo em todas equipas pela pertinência da Obra em si, também pela relação estabelecida entre a infância e o momento da criação. Consolidámos a percepção do potencial subjacente a esta proposta artística.

Foram importantes os momentos prévios no início do processo pelo seu peso simbólico, mas também pela possibilidade de mergulho na vida e obra de JS. O primeiro dos quais teve lugar na ESTC-IPL, um momento que promoveu o encontro entre a Dr.ª Paula Lobo e o Colectivo M 12 de 8, e a oportunidade de integrar “quase na primeira pessoa” a profundidade do percurso pessoal e profissional de JS. Um momento posterior está vinculado à participação na Conferência de homenagem a JS, em que pudemos verificar o seu envolvimento na Saúde, Educação, e Cultura deste país. Estávamos profundamente tocados pela dimensão pessoal e profissional deste, mas também pela sua relação com a expressão artística, entre as quais, o Teatro.

Ficam as palavras proferidas por Dr.ª Paula Lobo, quando interpelada pelo Colectivo M 12 de 8 a falar do Pai – JS, na sua esfera privada e pessoal

46 “(…) O meu pai dizia muitas vezes…não sou o pai perfeito…Sentia-se nele uma oposição ao regime fascista que apenas mais tarde percebi como tal…falava sempre no

trabalho como militância…tinha muito sentido de humor…e também valorizava a relação com os amigos. Relembro-me sempre do que ouvi do meu pai neste filme que

acabámos de ver68…ser autêntico, explicar às pessoas o que é ser autêntico (…)69 Muitas sementes começaram a germinar dentro de cada uma das pessoas do Colectivo M12 8, as nossas ferramentas de intervenção teatral conheciam um substrato conceptual significativo, quando nos propusemos espreitar mais de perto a obra de JS. A importância atribuída ao encontro com o Outro, à relação potencialmente transformadora que cada momento desses pode constituir.

Na última fase deste planeamento, foi necessário estabelecer um outro protocolo com o CHLP-HJM70 (Anexo B), também este, um outro palco da vida profissional de JS. Nesse particular, beneficiámos do privilégio de utilização do Salão Nobre da referida instituição hospitalar, um espaço com boas condições técnicas para a prática teatral, que se constituiu como espaço de Encontro de todos os criadores envolvidos no decorrer dos 3 meses do percurso de criação.

3.3. Estrutura de Criação

O Colectivo M12 8 manteve 2 encontros prévios de preparação de uma estrutura inicial de criação, em que procurámos estabelecer objectivos comuns, a definição das ferramentas teatrais a utilizar, o papel de cada um dos criadores do colectivo (neste particular assumimos desde sempre que não haveria uma liderança única, uma sensibilidade estética única, uma metodologia de criação única), e um conjunto de horizontes por explorar no decorrer do percurso. O compromisso, a apresentação de um produto artístico final com moldes e conteúdos em aberto.

68http://vimeo.com/109398390. (PHOTOMATON, Um filme documentário que retrata parte da obra e

vida de JS.

69 Palavras de Paula Lobo no referido encontro na ESTC-IPL, a quando da fase de planeamento do

processo de criação.

47 Podemos resumir uma estrutura inicial de criação que iria contemplar estas diferentes fases que denominámos posteriormente de – Grupo, Vocabulário, Criação, Objecto.

Grupo Criação de uma Identidade artística Grupal

Vocabulário Desenvolvimento das dimensões da Presença do Actor (Profissionais de Saúde/ Educação) em Cena.

Criação Construção do Espectáculo

Objecto Partilha com Comunidade

Tabela 1 - Fases do Processo de Criação.

Na fase – Grupo – o propósito foi constituir um grupo tendencialmente fechado (na nossa abordagem em Teatro e Comunidade, o grupo de criação encontra-se sempre permeável à entrada de mais criadores), em que procurámos consolidar o tecido relacional existente, em especial, o prazer na criação em conjunto. Num momento posterior – Vocabulário – foi importante trabalhar a técnica teatral, directamente envolvida com a dimensão Presença do actor (Corpo, Voz, Subjectividade), e com o dispositivo cénico (o espaço cénico, a Luz).

Na sequência estávamos preparados para construir o espectáculo – Criação – numa dinâmica que envolveu diferentes sub-grupos, organizados a partir de vários organizadores temáticos (os medos, os sonhos, a descoberta, os afectos, a identidade) comuns à Infância e ao olhar de JS. O momento final – objecto – foi materializado com a reunião dos diferentes momentos, numa estrutura narrativa que procurou manter-se fiel a JS, por outro lado, à vivência deste grupo de criação, na sua dimensão individual (a biografia de cada um dos protagonistas), e colectiva (o que o grupo viveu ao longo de todo o percurso criativo).

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