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O discurso como formador da identidade do professor

4. LUGARES E DISCURSOS DOS MESTRES NA FICÇÃO

4.3. O discurso como formador da identidade do professor

Na continuação do diálogo entre Hilbert e Harold (24 min 56s) podemos não só observar traços identitários de ambos, mas também contextualizar a ação pedagógica do

professor. Esta técnica permite, como já vimos, que novas facetas sejam reveladas das personagens:

[Prof. Hilbert:] - So you crazy or what? [Harold:] - Well…

- Are you allowed to say that to crazy people? - I don't know.

- Oh, well. How many stairs - in the hallway out there? - What? You were counting them as we walked, weren't you? - No.

- Of course. What bank do you work at? - No bank. IRS agent.

- Married? […] Ever?

- Engaged to an auditor. She left me for an actuary. - How heartbreaking. Live alone?

- Yes.

- Any pets? […] Friends? - No. Well, Dave at work.

- I see. The narrator, exactly what does he sound like? - It's a woman.

- Is it a familiar woman? […] Someone you know? […]Did you have enough time to count the tiles in the bathroom?

- I wasn't counting the tiles.

- […] So this woman, the voice, told you you're gonna die? - She didn't tell me. She doesn't know I can hear her. - But she said it.

- Yes.

- And you believed her.

- She's been right about a few other things. - Such as?

- How I felt about work. - You dislike your work? - Yes.

- Well, not the most insightful voice in the world, is it? First thing on a list of what Americans hate: work. Second, traffic. Third, missing socks. See what I'm saying?

- Sort of.

- I told you you were gonna die, you believe me? - No.

- Why? I don't know you.

- But you don't know this narrator. - Well…

- Okay, Mr. Crick, I can't help you.

- Why? Well, I'm not an expert in crazy, I'm an expert in literature theory. And I gotta tell you, thus far there doesn't seem to be a single literary thing about you. I don't doubt you hear a voice, but it couldn't possibly be a narrator because, frankly, there doesn't seem to be much to narrate. Beside that, this semester I'm teaching five courses. I'm mentoring two doctoral candidates and I'm the faculty lifeguard at the pool. *

* - Você é doido ou o quê? Posso perguntar isso a um doido?

- Eu não sei.

- Quantos degraus - tinha o vestíbulo? - O quê?

- Você contava enquanto subíamos, não é? - Não.

Após perguntar sobre a vida de Harold e deparar-se com tantas negativas e a falta de aspectos interessantes, Hilbert o menospreza, dizendo que não há nada de literário na personagem, demonstrando o juízo de valor que tem de sua especialidade. Para o professor, a Literatura se encontra ideologicamente num patamar mais elevado do que a simples leitura, ela é portadora de características de elaboração que a destaca na ordem do discurso. No mesmo sentido, afirma Nicolau Sevcenko:

Dentre as muitas formas que assume a produção discursiva, [a literatura, particularmente a literatura moderna,] constitui possivelmente a porção mais dúctil, o limite mais extremo do discurso, o espaço onde ele se expõe por inteiro, visando reproduzir-se, mas expondo-se igualmente à infiltração corrosiva da dúvida e da perplexidade. É por onde o desafiam também os inconformados e os socialmente mal ajustados. Essa é a razão por que ela aparece como um ângulo estratégico notável, para a avaliação das forças e dos níveis de tensão existentes no seio de determinada estrutura social. Tornou-se hoje em dia quase um truísmo a afirmação da independência estreita existente entre os estudos literários e as ciências sociais (1999, p. 28).

- Claro. Para qual banco você trabalha?

- Banco, não. Fiscal da Receita. - Casado? [...] Já foi?

- Noivo de uma auditora, que me trocou por um atuário. - Que trágico.

- Mora sozinho?

- Mascotes? [...] Amigos? - Não. Bom, Dave, do trabalho.

- Entendo. Esse narrador soa exatamente como? - É uma mulher.

- É uma mulher familiar? Alguém que você conhece? [...] Deu tempo de contar os azulejos do banheiro?

- Eu não contei.

- [...] Então, a voz feminina disse que vai morrer? - Ela não disse para mim. Ela não sabe que a ouço. - Mas disse isso.

- Disse.

- E você acreditou nela. - Ela já acertou em outras coisas. - Por exemplo?

- Como me sinto no trabalho. - Está insatisfeito?

- Estou.

- Bom, não é a voz mais perspicaz do mundo, não é? A coisa mais odiada pelos americanos: O trabalho. A segunda: O trânsito, terceira: Meias sem par. Entendeu?

- Mais ou menos.

- Se eu falasse que você iria morrer, você acreditaria em mim? - Não.

- Por que não? - Não o conheço.

- Nem conhece essa narradora. - Bem...

- Okay, Sr. Crick, não posso ajudá-lo. [...] Não sou especialista em doidos. Sou especialista em literatura e tenho que lhe dizer que, até aqui, não há nada de literário em você. [...] Não duvido que ouça uma voz, mas duvido que seja uma narradora porque, sinceramente, não há muito a narrar. Além disso, este semestre estou lecionando para cinco cursos, tenho dois orientandos de doutorado e sou o salva-vidas efetivo da piscina. (tradução nossa)

Harold, porém, não parece inconformado socialmente, até mesmo porque ele trabalha para o governo dos Estados Unidos e é visto pelas outras personagens como um arauto da opressão, e em nenhum momento ele considera abalar estas estruturas sociais. O professor também não identifica nenhum componente artístico, estético ou temático que classifique a rotina do auditor como Literatura. O mestre se situa numa relação de poder, remetendo-nos às reflexões de Foucault sobre A ordem do discurso:

Creio que existe um terceiro grupo de procedimentos que permitem o controle dos discursos. Desta vez, não se trata de dominar os poderes que eles têm, nem de conjurar os acasos de sua aparição; trata-se de determinar as condições de seu funcionamento, de impor aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras e assim não permitir que todo mundo tenha acesso a eles. Rarefação, talvez, dos sujeitos que falam. Ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for qualificado” (FOUCAULT, 1999, p.37).

Por não identificar Harold como portador de um discurso literário, pelo não cumprimento dessas exigências que o professor acredita serem necessárias, Hilbert priva Harold de sua ajuda. Em seguida, como complemento à sua negativa, descreve seus afazeres, o que já fornece pistas para sua titulação, provavelmente de livre docência, até que cita uma atividade que destoa com as restantes: salva-vidas de piscina.

Esse conflito de ações contextualiza o sujeito na pós-modernidade. Historicamente, segundo Stuart Hall (2003), enquanto a concepção iluminista de sujeito considerava-o assim que nascia como um indivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, a identidade, numa concepção sociológica posterior, passou a servir para preencher o espaço entre o “interior” e o “exterior”, entre o mundo pessoal e o mundo público, ligando o sujeito à estrutura.

Hall afirma que o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente (Hall, 2003, p. 11-13).

Não é mais possível, portanto, definir a identidade do professor apenas pela sua profissão, acreditando, quase numa concepção marxista, que a subjetividade é construída unicamente por meio do trabalho, até porque o professor, sobretudo universitário, constantemente está envolvido com atividades que não necessariamente envolvem a sala de aula, no que concerne a interação entre professor e aluno, tais como publicações e pesquisa. As diversas atividades de um professor limitam seu tempo, impondo-lhe fazer escolhas, inclusive no âmbito pessoal de sua vida. Apesar de exercer um trabalho voltado para a interação, frequentemente o professor é retratado como um solitário, às vezes, quase como um eremita em sua caverna, como já ilustramos.

No caso do professor Hilbert, as inúmeras atividades, inclusive a de salva-vidas, ironicamente quase o impedem de salvar a vida de Harold. Porém, mesmo desistindo, o professor ainda revela seu método, sugerindo que Harold registre o que ouvir:

- Perhaps you should keep a journal. Write down what she said or something. That's all I can suggest.

- I can barely remember it all. I just remember: “Little did he know that this simple, seemingly innocuous act would lead to his imminent death.”

- What?

- “Little did he know that this…” - Did you say, “little did he know”?

- Yes. I've written papers on “little did he know”. I used to teach a class based on “little did he know.” I mean, I once gave an entire seminar on “little did he know”. Son of a bitch, Harold. “Little did he know” means there's something he doesn't know that means there's something you don't know. Did you know that?

- I want you to come back Friday. Okay. No, “imminent”, you could be dead by Friday. Come back tomorrow at 9:45.

- Ten seconds ago you said you wouldn't help me. - It's been a very revealing 10 seconds, Harold. *

*

- Talvez você devesse manter um diário. Anote o que ela disser, ou algo do tipo. É tudo que eu posso sugerir.

- Eu quase não me lembro de nada. Só lembro de: "Mal sabia ele que esse aparentemente inócuo ato resultaria na sua morte iminente."

- O quê?

- “Mal sabia ele que...”

- Disse, “mal sabia ele”? [...] Já escrevi ensaios sobre “mal sabia ele”. Eu ministrei um curso baseado em “mal sabia ele”. Já apresentei um seminário inteiro sobre “mal sabia ele”. Filho da mãe, Harold! “Mal sabia ele” significa que há algo que ele não sabe. Isso significa que há algo que você não sabe, sabia?

- Quero que volte na terça. Não! Você pode estar morto até terça. Volte amanhã. Às 1h30. *- Dez segundos atrás você disse que não me ajudaria.

Nesse diálogo notamos dois conceitos também inerentes ao discurso de um professor de literatura: o posicionamento do narrador, que se revela onisciente, e a epifania, recurso caro às obras de temática existencialista em que o real é posto em xeque. Além disso, no roteiro original há uma fala de Harold que foi omitida na transposição para o filme - “No, I didn’t know that. I also don’t know what “innocuous” mean.” (HELM, 2006, p.32)** - que

também revela traços de polifonia, em que a personagem e a narradora não compartilham do mesmo discurso. Outras vozes se fazem ecoar pelo professor: ao ouvir “mal sabia ele”, Hilbert estabelece uma relação da frase com seu próprio discurso, ou seja, de seus próprios textos que produziu baseado em outras leituras ou discursos que incorporou dentro de sua formação cultural. O texto possui, como explica Bakhtin, um aspecto ecoante:

Se tomarmos o texto no sentido amplo de conjunto coerente de signos, então também as ciências da arte (a musicologia, a teoria e a história das artes plásticas) se relacionam com textos (produtos da arte). Pensamentos sobre pensamentos, uma emoção sobre a emoção, palavras sobre as palavras, textos sobre os textos. É nisto que reside a diferença fundamental entre nossas ciências (humanas) e as ciências naturais (que versam sobre a natureza), embora também aqui a separação não seja estanque. No campo das ciências humanas, o pensamento, enquanto pensamento, nasce no pensamento do outro que manifesta sua vontade, sua presença, sua expressão, seus signos, por trás dos quais estão as revelações divinas ou humanas (leis dos poderosos, mandamentos dos antepassados, ditados anônimos). O que se poderia chamar de uma definição científica e a crítica dos textos são fenômenos mais tardios (significam toda uma revolução do pensamento nas ciências humanas, é o nascimento da dúvida) (BAKHTIN, 1997, p. 330).

A busca pelo sentido do texto narrado para Harold motiva o segundo encontro das personagens. Hilbert assiste ao “Canal do Livro”, que entrevista o autor do livro “You ain’t got nothing on me”, Emmett Cole, ambos fictícios. O título, “Você não tem nada sobre mim”,

apresenta duas negativas e uma estrutura deveras informal para um livro, revelando regionalismos presentes na obra (se ela existisse) e o resultado da série de perguntas que o professor fará a Harold logo em seguida.

**

5. INVESTIGAÇÃO LITERÁRIA: UM EXERCÍCIO DE INTERTEXTUALIDADE

Quando Harold abre a porta na segunda visita ao professor, dois livros destacam-se na estante ao seu lado: The Assassins de Elia Kazan e Fire in the Belly, de Sam Keen, traduzido como O Homem Na Sua Plenitude. O título do primeiro livro condiz com a preocupação de Harold de não ser morto, como se houvesse um assassino a sua espreita, como acontece no enredo do romance, porém, além deste, fato o livro não complementa muito à cena. O segundo, porém, trata de um estudo sobre os gêneros masculino em contraste ao feminino, trata sobre a identidade masculina e tem um capítulo intitulado “A mulher, deusa e criadora”. Eis o trecho anterior a esse capítulo:

É a Mulher na nossa cabeça, mais do que as mulheres na nossa cama ou na nossa sala da diretoria, a causa da maioria dos nossos problemas. E essas criaturas arquetípicas – deusas, prostitutas, anjos, Madonas, castradoras, bruxas, feiticeiras, mães-terra – precisam ser exorcizadas da nossa mente e do nosso coração antes de podermos amar as mulheres. Enquanto a nossa casa estiver assombrada pelo fantasma da Mulher, nunca poderemos viver bem com mulher alguma. Se continuarmos a negar que ela existe nas sombras, a Mulher continuará a ter poder sobre nós.

A jornada do homem com relação à Mulher envolve três fases. No princípio, ele está profundamente mergulhado numa relação inconsciente com uma figura mistificada, composta de opostos irreais: virgem-puta, mãe alimentadora-devoradora, deusa- demônio. A fim de passar de criança a homem, na segunda fase, ele precisa despedir- se da Mulher e errar por muito tempo pelo mundo selvagem e doce dos homens. Finalmente, depois de ter aprendido a amar a própria masculinidade, ele pode voltar ao mundo cotidiano para amar uma mulher comum. (KEEN, 1998, p. 26)

Por boa parte do livro o autor desenvolve a inquietação sobre “o que é ser um homem”, repetindo a pergunta por diversas vezes por toda a obra. Evidentemente a intenção do autor era abordar o tema no sentido de gênero, quase numa questão Freudiana, mas para Harold, ser um homem remonta o sentido da própria humanidade colocada em xeque. Harold literalmente tem uma mulher falando em sua cabeça, que também se revelará sua criadora, e uma outra mulher, Ana Pascal, a qual não consegue amar enquanto a primeira não se calar. O professor saúda Harold (31 min 45 s):

[ Prof. Jules Hilbert:] - Come in. Mr. Crick. […] Please. How are you? [ Harold Crick: ] - I'm fine, actually.

- […] Looks like our narrator hasn't killed you quite yet. […] Count the stairs outside? - No. Course not. I've devised a test - How exciting is that? - of 23 questions which I think might help uncover more truths about this narrator.

- Now, Howard - Harold.

- Harold. These may seem silly, but your candor is paramount. Okay. So. We know it's a woman's voice, the story involves your death it's modern, it's in English. I'm assuming the author has a cursory knowledge of the city. […]Question one: “Has anyone recently left any gifts outside your home?” Anything? Gum? Money?

- A large wooden horse? - I'm sorry?

- Just answer the question. - No.*

Temos o primeiro vislumbre do método de investigação literária do professor. Como primeiro impulso, Hilbert especula com a mesma pergunta três gêneros narrativos como possíveis origens para a estória de Harold: uma estória infantil, um romance e um poema épico.

Doces como presentes estão geralmente relacionados a fábulas e estórias infantis, dentre elas João e Maria, conto de fadas da tradição oral em muitos países, e A Fantástica

Fábrica de Chocolates, de Roald Dahl. Dentre essas muitas estórias, destaca-se o livro

infantil A Birthday for Frances, por Russell Hoban (1925 – 2011), em que a personagem principal, Frances, vai a uma loja de doces com seu pai, e gasta o valor de duas mesadas para comprar uma barra de Chompo, uma guloseima imaginada, e quatro chicletes, para dar de presente a sua irmã Gloria. Eis o trecho inicial da estória:

It was the day before Frances's little sister Gloria's birthday. Mother and Gloria were sitting at the kitchen table, making place cards for the party. Frances was in the broom closet singing:

Happy Thursday to you, Happy Thursday to you, Happy Thursday, dear Alice, Happy Thursday to you. “Who is Alice?” asked Mother.

* [ Prof. Jules Hilbert:] - Sr. Crick, entre, por favor. Como vai?

[ Harold Crick: ] - Bem, na verdade.

- [...] Parece que a nossa narradora ainda não o matou. [...] Contou os degraus lá fora? - Não.

- Claro que não. Eu providenciei um teste - emocionante, não? - com 23 perguntas, que eu acho que poderão ajudar a revelar mais coisas acerca dessa narradora. Agora, Howard...

- Harold.

- Harold. Elas podem parecer tolas, mas sua sinceridade é fundamental. Então, sabemos que a voz é de mulher, a estória envolve a sua morte, é atual, em inglês e presumo que a autora tenha um conhecimento superficial da cidade. [...] Primeira pergunta: Alguém deixou algum presente à sua porta recentemente? Chicletes? Dinheiro? Um cavalo gigante de madeira?

- Como é?

- Apenas responda à pergunta. - Não.

“Alice is somebody that nobody can see,” said Frances. “And that is why she does not have a birthday. So I am singing Happy Thursday to her.”

“Today it is Friday”, said Mother.

“It is Thursday for Alice”, said Frances. (HOBAN, 1995, p. 5)*

Assim como Harold, Francis tem alguém com quem fala e que mais ninguém pode ver ou se comunicar. No status de amigo fictício, Alice também se encontra no não-lugar, no não- tempo, assim como a narradora de Harold encontra, como afirma Bakhtin (1998), no

cronotropo de criação, visto que aquele que cria está fora do tempo da narrativa e do espaço

onde ela acontece. A marcação do tempo também acontece em Mais estranho que a ficção:

[Narradora:] - And though this was an extraordinary day a day to be remembered for the rest of Harold's life Harold just thought it was a Wednesday.

[Harold:] - I'm sorry, did you hear that? The voice. Did you hear it? "Harold thought it was a Wednesday"?

[Mulher:] - Don't worry, it is Wednesday.

[Harold: ] - No, no, did you hear it? "Harold just thought it was a Wednesday"? [Mulher:] - Who's Harold?

[Harold: ] - I'm Harold.

[Mulher:] - Harold, it's okay, it's Wednesday. [Harold: ] - No, no, I Never mind. (5 min 50 s) **

A marcação do tempo em ambas as estórias é definida, portanto, pelos dois dias da semana citados. Afirma Bakhtin sobre a indicação temporal:

No cronotopo artístico-literário ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e concreto. Aqui o tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível; o próprio espaço intensifica-se, penetra no movimento do tempo, do enredo e da história. Os índices do tempo transparecem no espaço, e o espaço reveste-se de sentido e é medido com o tempo (Op. cit, p. 211).

Dessa forma, é possível saber qual o nível de deslocamento que as personagens terão em suas estórias, assim como a duração do enredo, através da limitação do tempo em que ele se desenvolverá.

*Era um dia antes do aniversário de Gloria, irmã de Frances. Mamãe e Glória estavam sentadas à mesa da

cozinha, fazendo cartões para a festa. Frances estava no armário de vassouras cantando: “ [Parabéns para você], Feliz quinta-feira para você, parabéns Alice, Feliz quinta-feira para você.”

“Quem é Alice?” perguntou a mãe.

"Alice é alguém que ninguém pode ver", disse Frances. “E é por isso que ela não tem um aniversário. Então, eu estou cantando feliz quinta-feira para ela.”

“Hoje é sexta-feira”, disse a mãe.

“É quinta-feira para Alice”, disse Frances.

** [ Narradora: ] - E embora este fosse um dia extraordinário, para ser lembrado para o resto de sua vida,

Harold apenas achava que fosse quarta-feira.

[ Harold: ] - Com licença. Ouviu isso? A voz. Ouviu: “Harold apenas achava que era uma quarta-feira”? [ Mulher no ponto de ônibus ] - Não se preocupe, é quarta-feira.

[ Harold: ] - Não, não ouviu? “Harold apenas achava que era uma quarta-feira”? [ Mulher:] - Quem é Harold?

[ Harold: ] - Eu sou Harold.

[ Mulher:] - Harold, tudo bem, É quarta-feira. [ Harold: ] - Não, não, eu... Deixa pra lá

A segunda especulação do professor é sobre a ocorrência de algum dinheiro deixado à porta de Harold. A estória mais conhecida onde isso acontece é no romance folhetinesco Um

conto de duas cidades¸ de Charles Dickens. Nele, um médico de família nobre francesa, Dr.

Manette, é aprisionado na Bastilha por dezoito anos após receber um montante de dinheiro em sua porta. A prisão causa sua loucura e isolamento. Manette representa, em muitos sentidos, o herói romântico, que se sacrifica por uma causa. Apesar de a maioria das artes