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O discurso das profissões na Universidade

No documento Línguas Estrangeiras e outras áreas (páginas 129-135)

TEACHING OF TEXTUAL GENRE AT THE UNIVERSITY: EXERCISING THE DISCURSIVE PRACTICES OF THE PROFESSIONS

3. O discurso das profissões na Universidade

A proliferação de “novos gêneros”, resultante dos avanços tecnológicos e da velocidade da comunicação caracterizam o início do século XXI. Esse novo contexto, marcado por mudanças culturais, provoca mudanças nas concepções dos educadores, pesquisadores e profissionais em geral, comprometidos com o estudo da linguagem, concebida como processo de interação entre sujeitos sócio-historicamente situados.

12 “N.T.: Associações ornitológicas cuja denominação faz referência a John James Audubon (1785-1851), ornitólogo e pintor americano nascido no Haiti. (...)”. (SWALES, 1990, p. 208).

130 Assim, para esses estudiosos é necessário que se priorize, no trabalho em sala de aula, o estudo de gêneros textuais a fim de que o educando aprenda a lidar com essa diversidade de gêneros textuais, para que tenha condições de engajar-se no discurso da contemporaneidade, e, consequentemente, de agir de forma adequada em situações diversas. É preciso, todavia, que entendamos que, mais do que a variedade, a escolha desses gêneros e a maneira como estes são explorados fazem-se mais significantes ainda, principalmente, porque, nessa visão sociointeracionista da linguagem, o homem tem seus comportamentos, seus relacionamentos, seus conhecimentos, enfim, sua própria identidade determinada pelos gêneros que circulam em seu meio social, que ele produz e consome. Portanto, o trabalho com gêneros deve ultrapassar o estudo das regularidades típicas de cada gênero, deve explorar também as ocorrências nas esferas sociais onde eles são utilizados.

Bazerman (2007), preocupado com a importância de se promover o engajamento dos alunos com as ferramentas essenciais para a compreensão, avaliação e participação nos sistemas de atividade social maiores nos quais os textos assumem significados e vida, ressalta a necessidade de a educação letrada atender tanto as habilidades formais de codificação e decodificação dos gêneros quanto os processos individuais da construção de sentido. Para o autor,

“alguns desses sistemas textualmente mediados são menos familiares e acessíveis. Entretanto, eles se tornam particularmente importantes na educação secundária e superior, quando os alunos estão sendo introduzidos em mundos mais amplos de possibilidades como também em mundos mais focalizados de atividade profissional, disciplinar e outras atividades altamente especializadas com seus gêneros característicos,vocabulários, discursos e padrões de circulação e uso de documentos. ( BAZERMAN, 2007, p. 196-197)

Percebe-se na fala de Bazerman o destaque para a necessidade de o aluno ter contato com gêneros com os quais precisa lidar em situações particulares, isto é, para a necessidade de a escola promover oportunidade para que o aluno se familiarize com as características dos gêneros que, no futuro, farão parte de suas atividades. Ou seja, à medida que o aluno é inserido em um grau mais elevado de educação, por exemplo, no ensino superior, é necessário que a universidade promova o contato desse aluno com os gêneros com os quais ele precisará lidar no exercício de sua profissão.

Seguindo o mesmo raciocínio, Araújo (2009), defendendo o trabalho com o gênero resenha com alunos de graduação, ressalta a relevância da promoção de conhecimentos sobre esse gênero e outros gêneros para que o aluno tenha fundamento necessário para

131 que se posicione de forma crítica ao engajar-se nas práticas sociais. Nesse caso específico, a autora salienta a importância de o professor orientar o aluno sobre a maneira como as resenhas são expressas linguisticamente e como os significados são construídos no texto.

Segundo Devitt (2009), o trabalho com gêneros textuais na escola, especialmente com os escritos, exige que os professores preocupem-se com os gêneros que os alunos precisam aprender, ou seja, com os gêneros que eles compartilharão com seus pares. Essa prática requer compromisso também com a maneira como os discentes vão aprender, pois é imprescindível que eles atentem para as estruturas que os gêneros representam e como esses gêneros servem ao grupo social, enfim, descubram que ideologia eles reproduzem. Esse posicionamento vai ao encontro da perspectiva de gênero defendida por Miller (2009), que, segundo a autora, tem importância não somente para a teoria e a crítica, mas também para a educação retórica, haja vista que:

aquilo que aprendemos e quando aprendemos um gênero não é apenas um padrão de formas ou mesmo um método de realizar nossos próprios fins. Mais importante, aprendemos, quais fins podemos alcançar: aprendemos que podemos elogiar, apresentar desculpas, recomendar uma pessoa para outra, assumir um papel oficial, explicar o progresso na realização de metas.Aprendemos a entender melhor as situações em que nos encontramos e as situações potenciais para o fracasso e o sucesso ao agir juntamente. Como uma ação significante e recorrente, um gênero incorpora um aspecto de racionalidade cultural. (...); para os alunos, os gêneros servem de chave para entender como participar das ações de uma comunidade. (MILLER, 2009, p. 44).

Miller ainda chama a atenção para o efeito que a noção sobre gênero pode acarretar na estrutura de um currículo, ou seja, como o entendimento de gênero como ação social pode interferir numa disciplina de escrita (por exemplo, no 1º ano de faculdade dos EUA). Esse fato reduz o que poderia ser uma prática para alcançar objetivos sociais a uma mera arte de construção de textos que se adaptem a certas exigências formais.

É importante lembrarmos que, independentemente do lugar, o ensino de gêneros textuais dissociado da concepção de gênero como ação social não instrumentalizará o aluno de condições adequadas para agir dentro de comunidades específicas. Para Bazerman (2005) a abordagem sociointeracional de gêneros é fundamental para o ensino de gêneros, e essa tem início a partir do conhecimento que os professores e os alunos têm do mundo e da vida e une a prática e o ensino diretamente à construção de sentido e ao uso de coisas úteis na vida cotidiana.

132 Dando prosseguimento a essa ideia, Bazerman (2006) defende que a retórica de um campo não pode ser dissociada de sua epistemologia, de sua história e de sua teoria, uma vez que aquela está preparada dentro de um mundo concebido e à procura de objetivos finais e imediatos. Desse modo, quanto mais o membro de uma comunidade compreende as pressuposições e os objetivos fundamentais de sua esfera, maior sua capacidade de avaliar se os hábitos retóricos que traz para uma determinada tarefa são adequados e eficazes.

Fica evidente, então, que o aluno de graduação, independentemente do curso, necessita ter acesso à variedade de gêneros com os quais irá lidar na comunidade discursiva à qual pertencerá. Conforme Bazerman (2006), quando os alunos já definiram suas carreiras ou têm ideias, mesmo que vagas, das vidas que gostariam de levar, essas metas podem despertar interesses por vários tipos de leituras que contribuam para a construção de esquemas de conhecimentos que acreditam ser significativos para sua formação profissional. O autor salienta que os alunos sentir-se-ão atraídos por qualquer leitura pertencente ao modo de vida que eles almejam. Isto é, se o educando percebe que há conexão entre o texto e alguma atividade na qual esteja envolvido, ou entre o texto e algum assunto sobre o qual seu interesse está direcionado, o trabalho com esse texto, sem dúvida, será significativo. Portanto, caso os alunos imaginem-se futuros engenheiros, advogados, contadores, gestores de pessoas, dentre outras profissões, o gosto pelo estilo de vida desses profissionais também será antecipado.

Desse modo, adotar uma prática comprometida com os discursos das profissões constitui um meio de auxiliar o desenvolvimento dos alunos como membros atuantes, reflexivos e questionadores de suas comunidades, como bem demonstra a fala de Bazerman:

E estudar o discurso disciplinar pode significar olhar para as disciplinas e profissões que rejeitamos como alunos de graduação (...) Se vamos criar uma sociedade humanitária para o próximo século, são precisamente as palavras das disciplinas e das profissões que teremos que manter por perto. (BAZERMAN, 2006, pág.113).

Essa postura poderá imbuir os alunos de agência, e esse poder individual permitirá a esses futuros profissionais pressionarem as práticas disciplinares paras as quais foram treinados, pois a capacidade de desvendarem as aparências do discurso fará com que estes questionem quais as estruturas, padrões e retóricas comunicativas capacitarão mais adequadamente os seus campos, a fim de que estes alcancem seus objetivos. Portanto, não podemos conceber o ensino de gêneros textuais dissociado das

133 ações e das intenções que eles realizam, e mais: não podemos negar aos alunos dos cursos de graduação o acesso aos gêneros pertencentes à comunidade discursiva da qual estes farão parte no exercício profissional, sob pena de contribuirmos para que eles sejam alijados do processo de ascensão em sua esfera.

4. Considerações finais

O diálogo entre os vários autores aqui apresentados mostra-nos que é comum entre eles a defesa de que o reconhecimento e o uso adequado de gêneros textuais pertencentes a uma determinada comunidade discursiva são de suma importância para a eficiência das relações entre os membros dessa esfera, bem como para o sucesso profissional de seus componentes.

Como sabemos, a cada dia mais, as revistas especializadas das mais diversas áreas profissionais divulgam a preocupação das empresas com o perfil do profissional a ser contratado. E dentre às exigências elencadas, a intimidade com a língua materna sempre aparece em destaque. Esse fato ilustra a importância da competência discursiva para que os futuros profissionais tornem-se membros “ativos”, “reativos” e pró-ativos” (BAZERMAN, 2006, p. 113) da comunidade discursiva a qual ele pertencerá. E essa competência discursiva só pode ser adquirida através das atividades de linguagem, orais e escritas, na interação verbal dos indivíduos através dos gêneros textuais. Como muitos gêneros, diferentemente dos gêneros do cotidiano, precisam ser aprendidos, a universidade, no caso especial de nossa discussão, deve responsabilizar-se pelo ensino dos gêneros necessários à atuação dos profissionais.

Portanto, a importância de um trabalho adequado com gêneros textuais nos cursos de Graduação é indiscutível se comungamos da idéia de que práticas dessa natureza podem representar possibilidades para que o aluno prepare-se efetivamente para enfrentar os desafios impostos pela sua comunidade, pois, segundo Bazerman (2006), para participar de uma comunidade, você necessita aprender o que fazer, como deve agir, o que é aceitável e quais as possíveis punições para os possíveis deslizes. Dessa forma, o cidadão terá condições de ser aceito dentro da estrutura social que se lhe apresente e terá voz para reivindicar seus projetos, particularmente se estes são concebidos e realizados dentro das exigências da comunidade.

134 BAKHTIN, Mikhail. Os Gêneros do Discurso. In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ( p. 261- 306).

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135 O HUMOR NO CONTEXTO PEDAGÓGICO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UMA

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