• Nenhum resultado encontrado

O ensino e a aprendizagem do conceito de Transformações Químicas

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3 O conceito de Transformações Químicas

1.3.1 O ensino e a aprendizagem do conceito de Transformações Químicas

Consideramos que o conceito de transformação química deve ser construído, inicialmente, sob o ponto de vista macroscópico (BOSQUILHA et al., 1992;

FENSHAM, 1994; SILVA, SOUZA E MARCONDES, 2008; GEPEQ7) agregando, na

medida da necessidade, aspectos microscópicos que permitam a elaboração de modelos explicativos, que possibilitem a representação por meio de equações químicas, que explicitem as relações quantitativas, o rearranjo atômico molecular e a conservação dos átomos ou, como afirmam Casado e Raviolo (2005, p.36), “Saber

química é poder aplicar e relacionar o nível macroscópico, o submicroscópico e o simbólico na interpretação de um fenômeno”. Naklenh (1992), apud Rosa e Schnetzler (1998, p.34)8, afirma que “se o(a) aluno(a) não souber explicar a química

utilizando-se de ferramentas ideacionais no nível microscópico, ele(a) efetivamente não aprendeu química.”

Segundo Fensham (1994), apesar da grande presença das substâncias químicas e das transformações químicas na vida das pessoas, a Química é difícil de ser ensinada. Ele apresenta três maneiras comuns de se iniciar um curso de Química: A) a partir do conceito de substâncias, B) a partir do conceito de estrutura atômica e C) a partir do conceito de transformações químicas.

O autor advoga que a abordagem do ensino de Química a partir de aspectos da estrutura da matéria, por sua dificuldade, pode se tornar um impedimento para o desenvolvimento de concepções apropriadas nos tópicos seguintes e sugere que uma abordagem construtivista seja iniciada por aspectos macroscópicos, próximos do estudante.

Furió-Mas e Domíngues-Sales (2007) alertam que o conceito macroscópico de substância é fundamental para a compreensão do conceito de transformações químicas e que as seqüências de ensino geralmente se iniciam pelos aspectos microscópicos de átomos, moléculas e elementos químicos porque, segundo os autores, os professores acreditam “ingenuamente”, que as concepções macroscópicas já são conhecidas pelos estudantes e que, por isso, os estudantes se apropriarão das concepções microscópicas, associando-as às concepções macroscópicas que já possuem.

Azcona et al., (2004) consideram que, para que os estudantes compreendam o conceito de transformações químicas, é necessário que eles saibam distinguir

7

Grupo de Pesquisa em Educação Química – comunicação restrita

8 NAKHLEH, M. Why some students don’t learn chemistry – chemical misconceptions. Journal of Chemical

transformações químicas de físicas, a partir das propriedades específicas das substâncias, consigam reconhecer, macroscopicamente, a ocorrência de uma transformação química e possam interpretar, microscopicamente, a transformação química, levando em conta a conservação atômica.

Para os autores, o nível macroscópico permite elaborar explicações sobre as diferenças entre as transformações físicas e químicas, reconhecer reagentes e produtos e a conservação da matéria, o nível submicroscópico além de permitir explicar a formação de novas substâncias pela redistribuição dos átomos e a conservação dos átomos de cada elemento, também permite explicar a representação por meio de símbolos, fórmulas e equações químicas.

Solsona e Izquierdo (1999) consideram que, ao final do ensino secundário, o estudante deve ser capaz de ir além do reconhecimento de que transformações químicas envolvem a formação de novas substâncias, devendo seu modelo teórico incluir, também, a idéia de que os elementos são conservados em qualidade e quantidade, nas transformações químicas.

Martin Del Pozo (1994), tendo como base a história da ciência, elegeu seis conceitos que considera estruturadores para o entendimento de transformações químicas. Segundo a autora, os conceitos de substância e elemento químico são estruturadores do conceito macroscópico, no qual a transformação química é um processo que ocorre com formação de novas substâncias, com conservação dos elementos.

Os conceitos de átomo e íon são considerados, pela autora, como estruturadores do conceito microscópico no qual transformação química é um processo de reorganização dos átomos das substâncias iniciais, resultando em novas substâncias, sendo a identidade dos átomos conservada. Finalmente, os conceitos de ligação química e estrutura eletrônica dos átomos são considerados como estruturadores do conceito de transformação química como um processo que ocorre com rompimento das ligações estabelecidas pelos pares de elétrons mais externos dos átomos, formandos novas ligações, que constituem substâncias diferentes das iniciais, processo que ocorre com conservação de matéria e energia.

Solsona e Izquierdo (1999, p. 69-71, tradução nossa) detectaram quatro modelos de transformações químicas entre os estudantes da escola secundária:

 Modelo incoerente é aquele que não explica a transformação química; os exemplos citados têm caráter ilustrativo e não são razoáveis. O estudante não utiliza, claramente, terminologia, macroscópica ou microscópica para descrevê-lo.

 Modelo mecânico é aquele no qual o discurso é construído em torno de uma explicação microscópica, sem dar ênfase aos fenômenos.

 Modelo cozinha, no qual o discurso é construído fundamentalmente em torno dos fenômenos, com terminologia macroscópica, citando um ou dois exemplos, a partir dos quais se deduz o que é uma transformação química.

 Modelo interativo é aquele no qual transformação química é interpretada em termos de mudanças de substâncias, ao dizer da formação de novas substâncias, que substituem claramente as substâncias iniciais. A redação é coerente e equilibrada entre os níveis macroscópico e microscópico.

Consideramos que a falta de compreensão do conceito de transformações químicas nos três níveis do conhecimento resulta em dificuldade para a elaboração de explicações para os fenômenos.

De acordo com Bosquilha et al., (1992, p.356), o ensino e a aprendizagem do conceito de transformações químicas deve ser construído e reconstruído “ancorado

em conceitos mais específicos” (AUSUBEL et al, 1980, apud BOSQUILHA et al, 1992)9. Dessa forma, os autores sugerem que esse processo se inicie com o

conceito de interação, a partir dos aspectos macroscópicos, para, posteriormente, conceituar transformação química como um tipo de interação que provoca a formação de novos materiais.

Os autores consideram que, para a compreensão do conceito de transformações químicas, é fundamental que os estudantes, inicialmente em nível macroscópico, caracterizem os estados inicial e final do sistema que interage; concebam os conceitos de tempo, energia e evidências envolvidos nas transformações químicas; identifiquem reagentes e produtos; considerem a conservação das massas e reconheçam a formação de novos materiais para, em um momento seguinte, conceituar, em um nível microscópico, percebendo as transformações químicas, como resultado de interações que provocam rearranjos de

9

átomos, com formação de novos materiais, o que pode ser interpretado sob a forma de modelos e representado sob a forma de equações.

De acordo com Silva, Souza e Marcondes (2008, p.114), para que o estudante transite do plano observável, macroscópico, para o plano microscópico, é necessário que ele desenvolva “competências adequadas para reconhecer e

empregar a representação simbólica das transformações químicas”.

Marten Del Pozo (1995) apresenta a hipótese de que ocorra uma ampliação do conhecimento escolar sobre o conceito de transformações químicas, desde uma visão que considerou como uma Visão Aditiva Simples, até uma Visão Sistêmica.

Para a autora, na Visão Aditiva Simples uma transformação química é vista como um acontecimento. Não ocorre o estabelecimento de relações entre o nível macroscópico e o microscópico. A matéria é percebida como contínua, as transformações são reconhecidas como acontecimentos espetaculares e o reconhecimento das evidências das transformações químicas ocorre sob a óptica de uma visão particular.

Uma evolução dessa visão, apontada pela autora é a Visão Aditiva mais

Complexa, na qual uma transformação química é vista como um processo linear.

Neste caso admite-se alguma descontinuidade na matéria, que indica alguma transição do nível macroscópico para o nível microscópico, porém ainda não há uma diferenciação entre elemento, composto e substância e também não há uma diferenciação entre átomos e moléculas. Ocorre também uma confusão entre misturas e compostos. Transformações químicas e físicas são diferenciadas em função do estado inicial e do estado final, considerando o critério reversível ou irreversível. Podem aparecer concepções nas quais as substâncias mudam suas propriedades durante as transformações químicas, a concepção de que ocorre desaparecimento de substância ou, ainda, a concepção de transmutação.

De acordo com a autora, na Visão Sistêmica, uma transformação química é vista como interação. Ocorre o reconhecimento em um nível macroscópico, da formação de substâncias com propriedades diferentes das substâncias iniciais, em nível microscópico, o reconhecimento do rompimento das ligações e reorganização dos átomos formando novas ligações, com conservação da quantidade e da identidade dos átomos participantes.

Rubilar e Izquierdo (2011, p.213), afirmando que “tener critério químico es ser

capaz de identificar los cambios químicos en el mundo que nos rodea” questionam o fato do ensino e da maioria dos livros de Química se iniciar com aspectos submicroscópicos de átomos, ligações, fórmulas e estequiometria, com o capítulo dedicado a transformações químicas situado após esses temas terem sido abordados.

Os autores criticam que o que aparece nos livros de química e, por conseqüência no ensino, é muito distante do que ocorreu na história da química e defendem, apoiados na história e na filosofia da Química, que o ensino de Química se inicie a partir do conceito de transformações químicas, que consideram ser mais próximo da realidade do estudante.

Primero se conocieron y estudiaron cambios químicos, después se configuraron las „reglas‟ que los relacionaban entre ellos y los conceptos que permitieron representarlos y los símbolos que facilitaban la comunicación de las particularidades de los cambios que, por otra parte, iban formando parte del paquete „cambios químicos‟ que compartían lo que se consideraban sus características principales.

Lo que hace que la química sea una ciencia viva es el interés por los cambios, no el dominio de unas determinadas definiciones, ni tan sólo una determinada representación de la estructura de los materiales […].

En el enseñanza de la química el panorama es muy diferente que nos muestra la historia. […] En la mayoría de libros de texto el cambio químico no aparece como algo especial y sorprendente que se ha ir conociendo poco a poco para llegar a comprenderlo, sino que se define desde el principio como una „reorganización de átomos de los elementos‟ que tiene lugar quando reaccionan substancias, que son diferentes de las misturas. (RUBILAR e IZQUIERDO, 2011, p.213, tradução nossa)

Nós, do grupo GEPEQ – IQ - USP10, defendemos que o conceito de

transformações químicas não apenas seja o conceito inicial de um curso de Química, mas, que seja um fio condutor para a formação, ou seja, um conceito articulador para o ensino e a aprendizagem dos demais conceitos, sendo introduzido para:

10

“permitir a compreensão do mundo físico, social, político e econômico, organizando o estudo a partir de fatos mensuráveis, perceptíveis, para que os estudantes possam entender as informações e os problemas em pauta, além de estabelecerem conexões com os saberes formais e informais que já apresentam. Somente então, as explicações que exigem abstrações devem ser introduzidas, deixando claro que não são permanentes e absolutas, mas sim provisórias e historicamente construídas pelo ser humano.”

(MARCONDES et al. 2008, p.42) Dessa forma, consideramos que a escolha do que ensinar deve permitir a compreensão do mundo, de forma que os estudantes possam “estabelecer

conexões entre os saberes formais e informais que já apresentam” (MARCONDES et al.,2008, p.42). Por esse motivo, consideramos que o ensino de Química deve se iniciar “a partir de aspectos macroscópicos das transformações químicas,

caminhando para as possíveis explicações em termos de natureza da matéria”( ibid., p.43). Essa proposta se baseia na premissa de que o conceito de transformações

químicas esteja presente na estrutura cognitiva do estudante, com um caráter geral, amplo e inclusivo, de forma que pode ser diferenciado, progressivamente, até conceitos mais específicos, proporcionando assim uma aprendizagem significativa. (AUSUBEL, 198011 apud PITOMBO e MARCONDES, 2000).

Defendemos, portanto, que o ensino do conceito de transformações químicas inicie o ensino de química para o 9º ano do Ensino Fundamental, a partir de uma abordagem macroscópica, e que os demais conceitos sejam ensinados na medida da necessidade, para promover explicações nos diferentes níveis do conhecimento. Dessa forma, transformações químicas seria um conceito integrador dos demais conceitos.