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Com o processo de crescimento das cidades surgiu a urbanização, ou seja, o aumento populacional da área urbana de uma cidade em virtude das taxas de crescimento populacional

provocado por fluxos migratórios. Inicialmente faz-se necessário distinguir Município, que é a divisão política de um território com limites definidos, e a cidade, como sendo o centro político e cultural.

Para disciplinar as diretrizes da política urbana brasileira, melhor dizendo, o conteúdo do princípio da função social da propriedade urbana surgiu o Estatuto da Cidade que disciplinou importantes diretrizes para a efetivação da política urbana, obrigatório para os Municípios, que deverão incluí-las, com as necessárias particularizações, em seus planos diretores, leis de uso e ocupação do solo e parcelamento do solo (MUKAI, 2007, p.42).

Faz-se necessário conceituar o Estatuto da Cidade (Lei. nº 10.257/01) e para isso, Marques (2008, p. 329) discorre:

Diploma normativo consagrador de diversos instrumentos jurídicos aptos a enfrentar esta realidade, tais como o direito de superfície, o direito de preferência. Institutos que eram clássicos do direito civil foram apropriados pelo direito urbanístico, como a desapropriação, o usucapião, o estudo de impacto de vizinhança, direito de construir e os outros já anteriormente mencionados.

Esse estatuto permite a ação conjunta do Poder Público Municipal, da Sociedade Civil e do Mercado para alcançarmos a função social da propriedade urbana. São legitimados a compelir o proprietário a cumprir a função social da propriedade urbana, além da administração municipal, segundo Erenberg (2008, p. 149) a sociedade, por meio de seus legitimados e através da ação civil pública e o cidadão através da ação popular:

...a sociedade, por meio de seus legitimados, pode fazê-lo mediante a utilização de ações coletivas – como a ação civil pública -, assim como pode o cidadão, por intermédio da ação popular ou mesmo, em certas hipóteses, ação civil de cunho mandamental ou reparatório, como base no direito de vizinhança, fazer valer o princípio da função social da propriedade urbana.

Essa ordem urbanística integra a categoria dos direitos difusos que são resguardados pela ação civil pública, como determina art. 53 do Estatuto da Cidade. Por outro lado, morar perto da cidade para viver e trabalhar com liberdade são necessidades que se adéquem à dignidade da pessoa humana, senão vejamos o que explica Mattos (2006, p. 62):

Para viver e trabalhar na cidade é preciso nela morar ou morar próximo a ela (mais regra que exceção no que toca à população urbana de baixa renda). Para trabalhar, morar e viver na cidade é preciso nela transitar com liberdade de ir e vir por se território. Comprometida uma dessas necessidades, moradia ou liberdade, a vida do homem na cidade fica ferida de morte na sua dignidade.

O Estado da Cidade é, sem dúvida nenhuma, uma lei moderna que modifica a estrutura jurídica, administrativa e social do Brasil. Sua fundamentação é a função social da propriedade, servindo como meio de retificação da exclusão social e demais problemas urbanos. Ele regulamentou os Artigos 182 e 183 da Constituição Federal, definindo as diretrizes gerais da política urbana. Sua denominação foi dada pela própria lei, mas merece

uma crítica uma vez que se trata, apenas, de uma norma geral de direito urbanístico e não um estatuto que disciplina de forma detalhada e específica a gestão da cidade.

Muitos dos institutos tratados no Estatuto da Cidade também são trazidos pelo Código Civil e para saber qual dos dois deve ser aplicado, deve-se utilizar a hermenêutica jurídica, especificamente, o princípio da especialidade, uma vez que se a área é urbana ou de expansão urbana, aplica-se o estatuto, nos demais casos, o direito civil. No seu Artigo 5º, o referido diploma determina que poderá determinar o parcelamento e a edificação ou utilização compulsória:

Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

Assim, os instrumentos da política urbana são o parcelamento e edificação compulsórios, que deverão ser determinados por lei municipal específica para uma área prevista no plano diretor, devendo o Poder Público notificar o proprietário para cumprir a obrigação, devendo ser averbada no registro de imóveis essa notificação (MUKAI, 2007, p. 43).

O Estatuto da Cidade especificou bem as situações em que o plano diretor poderá delimitar área para aplicação do parcelamento ou edificação compulsório. Faz-se necessário, de um lado, que ela esteja servida de infraestrutura e, de outro, que haja demanda para sua utilização (PINTO, 2012, p.188).

Em breve síntese, o proprietário deve ser notificado pelo Poder Público em razão de possuir imóvel considerado como não utilizado, subutilizado ou não edificado localizado em área delimitada pelo Plano Diretor e, não havendo o cumprimento da obrigação pelo proprietário, será realizado, sucessivamente a aplicação do IPTU progressivo, e se, mesmo assim, o dono do bem não der adequado aproveitamento a sua propriedade, mesmo sendo cobrado 5 anos de IPTU progressivo, será imposta a desapropriação com indenização paga por meio de título da dívida pública, senão veja-se.

Importante é conceituar esses institutos. O primeiro deles é o solo urbano não edificado sendo aquele não construído. Já o solo urbano subutilizado, é aquele cujo aproveitamento é inferior ao mínimo definido no Plano Diretor ou em legislação dele decorrente, ou seja, o solo urbano não utilizado é o não empregado ou mesmo não aproveitado em face das normas de meio ambiente artificial. (BONIZZATO, p. 122-123).

Já o conceito de “subutilizado” não é meramente quantitativo, portanto comportando necessariamente uma dimensão qualitativa. Um imóvel localizado na zona residencial, em que

esteja funcionando uma fábrica poluente, pode ser considerado “subutilizado”, tanto quanto uma casa unifamiliar localizada em zona destinada a edifícios de apartamentos ou um terreno ocioso, sem qualquer edificação. O imóvel edificado conforme o plano diretor, mas que não esteja ocupado não pode ser considerado “subutilizado” para efeito da aplicação das sanções constitucionais, exceto se estiver em ruínas (PINTO, 2012, p. 189 e 191).

E essa obrigação do proprietário do imóvel é do tipo propter rem, ou seja, vinculada à coisa, uma vez que se houver a determinação do Município em parcelar, utilizar ou edificar e a propriedade for transferida, o novo proprietário continua com o dever de fazer e, mesmo havendo o abandono do bem, continua essa obrigação.

Assim, a propriedade urbana cumpre a sua função social quando é adequadamente aproveitada, ou seja, quando seu uso se coaduna com as exigências de ordenação das funções da cidade e o bem-estar de seus habitantes (EREMBERG, 2008, p.152).

Descumpridos o parcelamento ou utilização compulsórios surge o IPTU progressivo ou urbanístico, contido no art.7 º do EC e considerado como instrumento de política urbana e não de aumento de arrecadação fiscal:

Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

Para a maioria dos doutrinadores esse IPTU não tem caráter fiscal, uma vez que é uma sanção ao proprietário que não edificar, não parcelar ou não utilizar, desviando-se da finalidade de arrecadação de fundos aos cofres públicos.

A sanção pela não edificação ou parcelamento do solo é a progressividade temporal do Imposto Predial Territorial e Urbano, ou seja, tributo urbanístico, sendo utilizado com a majoração da alíquota até o teto de 15% do valor venal do imóvel, pelo prazo consecutivo de 5 anos, passado o prazo, pode o Município manter o prazo ou desapropriar o bem e, neste caso o decreto expropriatório será realizado pelo Prefeito Municipal (art. 6º da DL 3.365/41).

O Supremo Tribunal Federal entendia que essa é a única hipótese de progressividade desse imposto, sendo inconstitucional quaisquer outras formas, inclusive as que incidem em razão do valor do bem. Mas, atualmente, admitiu a possibilidade de diferenciações de alíquotas com base no valor do imóvel e no seu uso, em razão da nova redação do Art. 156, § 1º da Lei Maior, veja-se:

IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas presentes em imóveis residenciais e comerciais, uma vez

editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000.(STF, RE 423768 / SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 01/12/2010)

Por outro lado, parte da doutrina entende que esse tributo é inconstitucional, é o que diz Marques (2008, p. 333):

O argumento de inconstitucionalidade, no entanto, nos parece procedente em relação ao art. 7º, § 3º, do Estatuto da Cidade, pois a União não pode fixar critérios regulatórios de concessão ou isenção e anistia de um tributo municipal, o que se constitui em violação da autonomia financeira dos municípios.

Outras normas infraconstitucionais ampliaram as hipóteses de obrigatoriedade do plano diretor (182, § 1º da CF) como o Estatuto da Cidade e as Constituições Estaduais de São Paulo e Amapá. Em relação ao Amapá, o STF considerou inconstitucional a ampliação:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MUNICÍPIOS COM MAIS DE CINCO MIL HABITANTES: PLANO DIRETOR. ART. 195, "CAPUT", DO ESTADO DO AMAPÁ. ARTIGOS 25, 29, 30, I E VIII, 182, § 1º , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 11 DO A.D.C.T. 1. O "caput" do art. 195 da Constituição do Estado do Amapá estabelece que "o plano diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento econômico e social e de expansão urbana, aprovado pela Câmara Municipal, é obrigatório para os Municípios com mais de cinco mil habitantes". 2. Essa norma constitucional estadual estendeu, aos municípios com número de habitantes superior a cinco mil, a imposição que a Constituição Federal só fez àqueles com mais de vinte mil (art. 182, § 1º ). 3. Desse modo, violou o princípio da autonomia dos municípios com mais de cinco mil e até vinte mil habitantes, em face do que dispõem os artigos 25, 29, 30, I e VIII, da C.F. e 11 do A.D.C.T. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, nos termos do voto do Relator. 5. Plenário: decisão unânime. (STF, ADI 826 / AP – AMAPÁ, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 17/09/1998)

Por outro lado, a doutrina diverge desse entendimento senão vejamos o que adverte Erenberg (2008, p. 87) quando defende a constitucionalidade dessas leis estaduais: “Em relação às normas estaduais, caso das Constituições do Amapá e de São Paulo, igualmente não se sustenta a ideia de inconstitucionalidade da ampliação do rol de municípios sujeitos à obrigação de elaboração de plano diretor.”

Ocorre que, em 10 de julho de 2001, foi editada a Lei 10.257/2001 que suspendeu a eficácia das normas estudais, naquilo que lhe forem contrárias, lembrando que eficácia suspensa não é a mesma coisa de inconstitucionalidade.

E se, ainda não for cumprida a função social com a utilização do IPTU progressivo, surge, por fim, a desapropriação, que deve ser utilizada em caráter subsidiário, senão observe o que diz o Artigo 8º da EC, que disciplina a desapropriação:

Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Comentando o citado artigo, Bonizzato (2007, p. 139-140) assim leciona que esse tipo de desapropriação visa que o bem seja adequadamente utilizado, nos termos da lei municipal e do plano diretor, utilizando os imóveis desapropriados para fim de moradia, melhorando as condições sociais da região:

Em realidade, a desapropriação urbanística não é instrumento de transferência de bem particular para o patrimônio público. É instrumento que tem por objetivo fazer com que o bem seja adequadamente utilizado, vale dizer, nos termos de lei municipal específica e do plano direito.

...

... os imóveis desapropriados devem ser utilizados em prol da melhoria das condições sociais na região em que se encontram localizados. Assim, seu aproveitamento para a criação de moradias seria utilização em perfeita conformidade não apenas com a Constituição Federal, mas também com o próprio Estatuto da Cidade.

Ponto polêmico é o Artigo 49 do Estatuto da Cidade ao estabelecer que os Estados e os Municípios terão o prazo de noventa dias da entrada em vigor para fixar os prazos para expedição de diretrizes de empreendimentos urbanísticos, aprovação de projetos de parcelamento e de edificação, realização de vistorias e expedição de termo de verificação e conclusão de obras, comentando o citado artigo Mukai (2007, p. 49) assim leciona: “Apesar da boa intenção do legislador, fato é que a utilização de lei federal para fixar um prazo para Estados e Municípios tomarem certas providências nos parece ofender as autonomias estaduais e municipais”. Por isso, percebe-se que o Artigo 49 do Estatuto da Cidade ao fixar o prazo para tomar certas providências, ofende a autonomia dos entes federados.

Assim, o Estatuto da Cidade surgiu como lei federal regulamentadora dos Artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que tem como objetivo a efetivação da política urbana para os Municípios alcançarem a função social da propriedade urbana, e, para isso, deve utilizar-se do parcelamento, edificação ou utilização compulsória do solo, do IPTU progressivo e da desapropriação para que se atinja a função social da propriedade urbana.