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Responsabilidade civil do proprietário

É sabido que o proprietário tem um poder sobre a coisa, ocorre que, ao exercê-lo, pode causar um dano a outrem e, como consequência, surge a obrigação de repará-lo. A responsabilidade do proprietário pode ser do tipo objetiva ou subjetiva, mas para aplicá-la ao caso concreto devemos rever alguns conceitos importantes.

A responsabilidade civil contratual surge do inadimplemento de uma obrigação e a moderna doutrina conceitua a responsabilidade civil como uma obrigação derivada de assumir as consequências de um fato. Existem dois tipos de responsabilidade civil, a contratual que se

origina do não cumprimento do contrato e a extracontratual que advém de uma situação de fato.

A responsabilidade poder ser subjetiva ou objetiva, a primeira é aquela em que se analisa, além dos requisitos da responsabilidade civil, a culpa, que se manifesta de três formas: negligência (o não dever de cuidado), a imprudência (enfretamento desnecessário do perigo) e a imperícia (falta de aptidão ou habilidade específica). A segunda, a objetiva, independe de culpa, tornando mais fácil para a vítima ser indenizada dos prejuízos, haja vista que terá que provar um requisito a menos.

Em relação ao tipo de responsabilidade do proprietário aplica-se, genericamente, o Artigo 927 do Código Civil, podendo ser objetiva ou subjetiva:

Aquele que, por ato ilícito (Arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Mas, para se configurar a responsabilidade, se faz necessária a configuração de alguns requisitos, alguns essenciais e um acidental. Inicialmente, deve-se provar a conduta, com a ação ou omissão voluntária. Depois o nexo de causalidade ou causal, que é o elo de ligação entre a conduta e o dano.

O terceiro requisito essencial para toda e qualquer tipo de responsabilidade é o dano, ou seja, uma lesão a um interesse juridicamente tutelado e que possui várias espécies: a) patrimonial ou material ou perdas e danos que se subdivide em dano emergente (efetivo prejuízo causado) e lucro cessante (o que se razoavelmente deixou de lucrar); b) dano moral (que surge do ferimento a um dos direitos da personalidade).

Mas o Código Civil trouxe situações específicas sobre a responsabilidade civil do proprietário. A primeira delas é a responsabilidade por animais e coisas, presente no Artigo 936: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”.

O citado artigo trata de um caso de responsabilidade objetiva, em que o dono (proprietário) ou o detentor (sujeito às ordens e instruções do dono) respondem independentemente de culpa e sem solidariedade, só podendo excluir a responsabilidade na culpa exclusiva da vítima ou força maior. Discutindo o presente artigo, Stoco (2004, p. 948- 949) afirma ser a responsabilidade objetiva ou do dono do animal ou do detentor:

Adotou-se, desenganadamente, a responsabilidade sem culpa, ou seja, objetiva, bastando a existência de nexo de causalidade entre o comportamento do animal e o dano verificado para que surja o dever de indenizar.

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Mas o princípio geral é de que responde o dono do animal ou quem dele se serve pelo tempo em que o tem em uso.

Diferente é o entendimento de Dias (2006, p. 665) que entende que ambos, proprietário e detentor, respondem pela indenização: “Quem responde pelo dano: o detentor ou o proprietário? Deve decidir-se que tanto o detentor, como o proprietário, embora a lei se refira expressamente ao detentor”.

A segunda hipótese de responsabilidade do proprietário em que o Código Civil expõe foi a do Artigo 937 que trata da responsabilidade do dono de edifício ou em construção em ruína, senão vejamos: “O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.

Para uma grande parte da doutrina, a responsabilidade aqui presente é objetiva, mas em contramão outros doutrinadores entendem que a mesma é subjetiva, uma vez que o artigo traz como requisito a falta de reparos com necessidade manifesta, ou seja, análise da culpa.

De mais a mais, é bom frisar que esse artigo não se aplica aos prédios novos uma vez que é requisito estar em ruínas, que significa construção velha, destruída. No entender de Gonçalves (2005, p. 244), trata-se de responsabilidade objetiva: “A lei, em face da vítima, presume a responsabilidade do proprietário, que é a única pessoa com legitimidade passiva para a ação”.

Por fim, temos o Artigo 938 do Código Civil em que trata dos danos decorrentes de coisas caídas ou lançadas de prédio, observe: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.

Aqui, mais uma vez, a doutrina entende que se trata de responsabilidade objetiva e o legislador trouxe um vocábulo abrangente nesse artigo, uma vez que habitar pode ser aplicado tanto ao proprietário, possuidor, detentor ou inquilino que esteja de fato morando no imóvel. Quanto ao termo “cair” significa culpa, já o vocábulo “lançada” interliga-se com o dolo, mas nos dois casos só haverá responsabilidade se o objeto estiver em lugar indevido. Discorre Stoco (2004, p. 938) sobre o referido artigo:

Ora, se um objeto é lançado de um edifício em condomínio, onde existiam inúmeras unidades autônomas, deve-se primeiro distinguir: se possível for a identificação do morador que atirou a coisa, será ele ou os demais habitantes, solidariamente considerados, objetivamente responsabilizados pelo dano.

Em relação ao condomínio, se a coisa cair ou for lançada de um apartamento e não se puder localizar de qual foi, permite-se que a ação seja proposta contra o condomínio e esse se localizar e provar a culpa do morador poderá denunciar à lide o mesmo, para garantir o seu direito de regresso.

Assim, detecta-se que o proprietário que faz mau uso do bem pode, além de sofrer as consequências da violação ao princípio da função social da propriedade, ensejando a desapropriação do bem, pode o mesmo ser responsabilizado civilmente por todos os danos causados às vítimas.

Mais adiante, no último capítulo, estuda-se, especificamente nosso tema, a função social da propriedade urbana, analisando o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor, além do direito fundamental à Moradia, pesquisando, ao final, o entendimento dos tribunais acerca da matéria.

3 DO DIREITO URBANÍSTICO AO DIREITO À MORADIA E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL

3.1 Considerações iniciais sobre o direito urbanístico: origem, trajetória, conceito, direito