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O nascimento da propriedade em Roma e sua trajetória

Antes do estudo do conceito de propriedade, faz-se necessário o estudo de sua trajetória histórica. A propriedade privada surgiu em Roma, pois, na antiguidade, especialmente no Egito, os homens trabalham na terra e tiravam o seu sustento, não existindo a propriedade privada. A primeira manifestação concreta de propriedade que a doutrina informa foi o heredium que, segundo Maluf, (2010, p. 16) consistia em um lote de terra com hereditariedade, estendida aos patrícios e plebeus a possibilidade de sua aquisição:

...foi o heredium, lote de terra atribuído a cada chefe de família como meio hectare de extensão, que trazia gravado em si um caráter de hereditariedade. Inicialmente destinada aos patrícios, foi também, a partir da Lei de XII Tábuas, estendida aos plebeus a possibilidade de sua aquisição. (grifo no autor)

Foi em Roma que a propriedade privada surgiu do ponto de vista econômico e social, era plena e dominava a vida jurídica romana, vejamos o que adverte Bertan (2009, p. 22):

Os romanos criaram colônias, geralmente com 300 colonos. Eram-lhes dado terras (privatim) para horta e pomar, sendo essas subtraídas das terras coletivas. Corresponde a wurten dos campos germânicos. A terra restante será conservada em propriedade comunitária. A propriedade privada era plena e dominava a vida jurídica romana.(grifo do autor)

Comentando o conceito de propriedade para os romanos, Gomes (2005, p. 115) classifica como individualista, ou seja, cada coisa tem apenas um dono:

Em traços largos, o conceito de propriedade que veio a prevalecer entre os romanos, após longo processo de individualização, é o que modernamente se qualifica como individualista. Cada coisa tem apenas um dono.

Outra característica da propriedade no direito romano era que estava ligada à religião, pois naquela época era costume enterrar os mortos no campo de cada família, é o que explica Pires (2007, p. 21) pois o romano conservava o campo onde estava a sepultura de seus antepassados, mesmo vendendo o imóvel a terceiros:

Em caso de venda, o romano conservava o campo onde estava a sepultura (antepassados). Se o campo fosse vendido, a família continuava proprietária do túmulo e tal direito era eterno posto que: “a propriedade era sagrada; termo inamovível significava propriedade inviolável. Para apossar-se do campo de uma família, era preciso derrubar ou deslocar o marco, ora o marco era o deus Terminus, o sacrilégio seria horrível e a sanção a morte.

Por outro lado, com a expansão do império romano essa visão familiar e religiosa foi substituída pela ideia da terra ser considerada alienável, é o que diz Deboni (2011, p. 27):

Todavia, do momento em que o Império Romano começou a se expandir, essa visão familiar e religiosa do território começou a enfraquecer; de fato a conquista de novas terras pertencentes a outros Estados fazia com que a propriedade perdesse a concepção sacra, uma vez que o vínculo sentimental – religioso com a terra não era mais o mesmo. A partir de então, e com o advento da Lei das XII Tábuas a terra foi considerada alienável. (grifo do autor)

Em Roma a propriedade era absoluta, exclusiva, personalíssima, individualista, além de ser perpétua e oponível erga omnes. Era fundamentada no jus utendi, jus fruendi e jus

abutendi, como explica Bertan (2009, p.34) cada uma dessas características:

No primeiro caso, pode o proprietário montar em seus cavalos, ocupar suas casas, usar suas vestes, construir em seu terreno. O jus fruendi representa a possibilidade de comer dos frutos, comercializar sua colheita, ter como sua a cria dos animais e das mulheres escravas. Pelo jus abutendi o proprietário, sem dar satisfação ou justificar, pode abusar da coisa, quer destruindo-a ou alterando a sua substância: incendiar casas, derrubar árvores, destruir florestas, abater animais e escravos.

E foi no direito romano que tivemos a passagem da propriedade individual para a social. Apesar da divergência doutrinária, uma parte da doutrina acredita que a propriedade em Roma não era absoluta, pois os Romanos, desde aquela época, já davam importância ao interesse social ou público. É esse o entendimento de Maluf (2010, p. 19) sobre a coexistência social em Roma e o interesse público que vedava a propriedade sem limitações:

Apesar de possuir um caráter de excessivo individualismo, desde a época da Lei da XII Tábuas os romanos reconheciam que a propriedade não podia ser concebida sem limitações, e que estas eram impostas pela lei ou determinadas pelo interesse público fornecendo condições necessárias para o uso da propriedade particular, valorizando a coexistência social, que o direito objetivo dividia basicamente em duas espécies: obrigações de não fazer (non facere) ou tolerar (pati)

Por outro lado, outra parte da doutrina, entende que não havia função social no direito romano nem tão pouco o sujeito coletivo, como adverte Pilati (2012, p. 88-90):

Dessa forma, não há como falar em função social no Direito Romano, por não haver separação entre a civitas e o cidadão, entre o patrimônio coletivo aos cidadãos. (grifo no autor)

...

Além dessa ausência do sujeito do coletivo, o contraponto romano revela, também, a falta de caracterização dos bens coletivos – no ordenamento jurídico moderno.

No mesmo trilhar de ideias entendeu Bonizzato (2007, p. 55) sobre a propriedade absolutizada no direito romano: “O Direito Romano inicial conheceu uma propriedade absolutizada, na qual o proprietário detinha amplos e vastos poderes”.

Por outro lado, na Grécia, a terra servia para alimentar o homem. A propriedade pertencia à família, com caráter religioso, familiar e possuindo uma finalidade, como justifica Pires (2007, p. 20):

Na Grécia, a justificativa da propriedade residia no fato de que tudo o que se possuía pertencia à família. Essa concepção concentrava grande carga religiosa e familiar pela adoração do deus-lar; bem como possuía um caráter de finalidade.

Já na Idade Média, o senhor feudal era vassalo do Rei, entretanto, seu direito à propriedade não era absoluto. Comentando essa época de nossa história leciona Bonizatto (2007, p. 57) que houve uma fragmentação do direito de propriedade, pois o senhor feudal detinha o título de propriedade e o vassalo utilizava a propriedade:

A Idade Média traria consigo uma considerável transformação nos conceitos da época: passava-se a admitir uma fragmentação do direito de propriedade, materializada na divisão de poderes entre senhor feudal e vassalagem. Enquanto o

primeiro detinha o título de propriedade, o vassalo era quem diretamente utilizava a propriedade, cultivando-a e nela construindo seu lar, sempre sob a proteção e o império do senhorio do feudo.

No mesmo caminho, adverte Bonizzato (2007, p. 57) que enquanto o senhor feudal detinha o título de propriedade, quem a usava era o vassalo:

... passava-se a admitir uma fragmentação do direito de propriedade, materializada na divisão de poderes entre senhor feudal e vassalagem. Enquanto o primeiro detinha o título de propriedade, o vassalo era quem diretamente utilizava a propriedade, cultivando-a e nela construindo seu lar, sempre sob a proteção e o império do senhorio do feudo.

A propriedade no período medieval quebra o conceito anterior unitário, podendo existir a concorrência de proprietários, como adverte Gomes (2005, p.115):

A dissociação revela-se através do binômio domínio + domínio útil. O titular do primeiro concede o direito de utilização econômica do bem e recebe, em troca, serviços ou rendas. Quem tem o domínio útil perpetuamente, embora suporte encargos, possui, em verdade, uma propriedade paralela. (grifo do autor)

Assim, o direito medieval abandonou o conceito unitário de propriedade, prevalecendo uma superposição de direitos sobre o bem, possuidores e detentores da terra possuíam direitos sobre o mesmo bem, como adverte Maluf (2010, p. 23):

O regime feudal caracterizou-se basicamente por dois traços principais: os homens e as terras formando uma hierarquia, pois um homem depende de outro mais poderoso e a terra depende de outra mais importante. Os reis perderam seus poderes sobre as terras e os senhores feudais passaram a exercer plenamente seus poderes sobre suas próprias terras, criando assim um vínculo entre ambos, possuidores e detentores da terra.

Enquanto na Antiguidade, época do Direito Romano, a propriedade era concebida como absoluta e individual, na Idade Média, no feudalismo, essa ideia é abandonada em favor de uma visão coletiva (DEBONI, 2011, p. 32).

Já na Idade Moderna, após a Revolução Francesa, a propriedade interligou-se às ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, atendendo-se ao interesse coletivo, vejamos o que explica Deboni (2011, p. 40):

A nova concepção de propriedade surgida nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade fizeram com que o direito de propriedade – tido como individualista – fosse excessivamente idolatrado, a prescindir dos interesses coletivos.

Hoje, na Idade Contemporânea, a propriedade-direito começa a transforma-se em propriedade-função. Assim, entende-se que a propriedade surgiu com um caráter individual, mas com o passar dos anos, perdeu essa característica para atender ao social e isso não quer dizer que o proprietário perdeu o seu poder, mas apenas foi temperado pela exigência da função social.