• Nenhum resultado encontrado

2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

3.4 O estudo da paisagem

3.4.1 A Paisagem numa Abordagem Sistêmica

A paisagem é constituída de diferentes significados e depende da forma como as pessoas a avaliam e a interpretam. Nesse sentido, ela pode ser interpretada através de seus símbolos visíveis, não visíveis e sensíveis, envolvendo, assim, os elementos da natureza, dentre os quais, a fauna, a flora, o homem e o espaço construído.

Suertegaray (2001, pág. 5) descreve que os geógrafos compreendem a paisagem como a expressão materializada das relações do homem com a natureza, mas, para outros, ela é o resultado da articulação entre os elementos constituintes e deve ser estudada a partir da sua morfologia, estrutura e divisão.

A paisagem, dessa forma, passa a ser a integração do espaço natural e o construído pelo homem, que juntos formam um cenário único, em constante transformação e, como esclarece Bertrand (2007, pág. 21), “é uma entidade global”, cujos elementos que a constituem fazem parte de um único contexto e não devem ser estudados separadamente.

Essa paisagem, estudada pela Geografia como um todo, é descrita por Bertrand (2007, pag 7) como “o estudo das paisagens não pode ser realizado senão no quadro de uma geografia física global”. Segundo o autor,

A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, numa determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução (BERTRAND, 2007, pag 7-8).

Pode-se observar que toda paisagem é um bem cultural, uma vez que, para alguns estudiosos, não existe mais o que se denomina natural, pois, em todos os

lugares do planeta, o homem ocasionou alguma alteração. Logo, pode-se considerar que o próprio olhar que se faz de algo é em si uma prática cultural.

Nesse sentido, Tricart (1981, p.8), salienta que “[...] a paisagem deve ser considerada globalmente e não segundo os diversos pontos setoriais [...]” deve ser estudada de forma integrada, possuindo como base uma abordagem sistêmica, que permite entender as inter-relações mais complexas que existem entre os aspectos físicos e humanos. Dessa forma, “[...] o conceito de sistema é, por natureza, de caráter dinâmico e por isso adequado a fornecer os conhecimentos básicos para uma atuação - o que não é o caso de um inventário, por natureza estático” (TRICART, 1977, p. 19).

Assim, o desenvolvimento de estudos embasados na abordagem sistêmica permite compreender a relação existente entre a sociedade e a natureza. Sendo assim, o estudo da paisagem possibilita uma análise que privilegia as várias dimensões que compõem o espaço geográfico, por meio de seus elementos naturais, sociais e/ou culturais. Logo, pesquisar essa relação é fundamental para compreender a organização do espaço geográfico e também entender de que maneira as pessoas residentes em uma determinada paisagem relacionam-se com o mundo e percebem as alterações da superfície terrestre.

3.4.2. Percepção da Paisagem

Estudar o espaço geográfico e suas características físicas é de extrema importância para a Geografia, mas, concomitante a essas características se deve buscar compreender a relação entre a população com o ambiente em que se vive. Ao estudar essa relação, o pesquisador deve levar em consideração todos os aspectos envolvidos, uma vez que estão carregados de subjetividade do sujeito que ali está inserido.

Nessa relação, os fenômenos sociais devem ser significativos para explicar “A percepção e o comportamento espacial” (ORELLANA, 1981, p.7). Assim, a compreensão do espaço deve levar em consideração o espaço vivido, construído a partir da interação humana no espaço e observando que podem ocorrer alterações conforme os grupos culturais que ali estão localizados (YI-FU-TUAN, 1980).

Dessa maneira, o conceito de percepção se apresenta ligado não somente às sensações, mas também às atitudes proposicionais (SOUZA, 2006). Tuan também esclarece que, “percepção é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposicional, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados” (YI-FU TUAN, 1980, p.4)

Para Tuan (1980), é necessário compreender as visões que o homem possui em relação ao meio ambiente e como ele é percebido e estruturado, quais os vínculos entre o meio ambiente e as visões de mundo de cada indivíduo e da sociedade para a compreensão da paisagem ao seu redor.

A paisagem pode ser vista a partir do suporte físico que apresenta alterações que o homem incorpora ao longo do tempo, como agente dinâmico e não como mero espectador. Essa paisagem, conforme (TUAN, 1970 apud HOLZER, 1997, p. 82), “é um campo que se estrutura na relação do eu com o outro, o reino onde ocorre a nossa história, onde encontramos as coisas, os outros e a nós mesmos”. Nessa relação do corpo e o “eu” para o mundo está o sujeito, que, envolvido no mundo como um todo, constitui um ser-no-mundo, passando a ter, assim, uma abordagem sistêmica da realidade.

Além da paisagem ser compreendida como um todo, Tricart (1981), a descreve como “[...] um conteúdo emotivo, estético, intrinsicamente subjetivo do próprio fato” (TRICART, 1981, p. 8). Assim, paisagem é compreendida muito mais que somente o que o olhar alcança, mas o que está por trás, ou pode-se compará-la a um iceberg, não se enxerga, mas está controlando todo um sistema que está interligado e cabe ao geógrafo estudar todo o iceberg, principalmente a parte escondida para compreender a parte revelada.

Ao estudar esse espaço, o homem o vê como um sistema “um conjunto de fenômenos que se processam mediante fluxos de matéria e energia” (TRICART 1977, pag. 19), do qual fazem parte um canal de entrada e saída que, sendo dinâmico, em constante transformação e que Bertrand (2007) salienta que a paisagem deve “ser tratada globalmente”.

Nesse sentido, a compreensão de paisagem é tão complexa e deve ser real, verdadeira, pois, para Searle (2000) “[...], o universo existe de modo bastante independente de nossas mentes”, ou seja, a paisagem existe independentemente de estar sendo observada. O que muda é a percepção, ou seja, a somente a minha percepção sobre ela, e nesse sentido, Tuan (1980) descreve, “todos os homens compartilham atitudes e perspectivas comuns, contudo a visão que cada pessoa tem do mundo é única” (TUAN, 1980, pag.285).

Com isso, pode-se inserir a perspectiva segundo a qual “ninguém nunca vê a realidade diretamente como ela é em si, pelo contrário, as pessoas a encaram segundo seu próprio ponto de vista” (SEARLE, 2000, pag.28). Esse ponto de vista será sua verdade, pois cada indivíduo percebe o lugar de acordo com a sua bagagem cultural e visão de mundo.

Para compreender a percepção, é necessário saber que existem três características comuns a todos os estados conscientes, como descreve Searle (2000, pag 46), “eles são internos, qualitativos e subjetivos”.

“Os estados e processos conscientes são internos [...] já que acontecem dentro do meu corpo, e especificamente dentro do meu cérebro. [...] são qualitativos no sentido de que há, para cada um deles, um modo de senti-lo, [...] e os estados conscientes são subjetivos no sentido de serem sempre experimentados por um sujeito humano [...]” (SEARLE, 2000, pag 47)

Portanto, é de extrema importância o estudo da percepção em relação à paisagem, compreender a influência da percepção dos moradores na configuração da paisagem, como cada indivíduo a percebe através das referências simbólicas, construídas a partir das experiências de cada um, mas não esquecendo de que existem valores e crenças comuns, que formam a colcha de retalhos e que cada um contribui com um “pedaço” para a construção deste todo – a paisagem.

Nesse sentido é que o estudo sobre a percepção da paisagem faz-se necessário

[...] ir além de inventários do quadro físico, socioeconômico, é necessário entender as relações e percepções mantidas entre o social/individual e o espacial. A percepção espaço/ambiente é apreendida e está carregada de afetos que traduzem juízos acerca dele. Estão juntos o cognitivo, o emocional, o interpretativo e o avaliativo” (NASCIMENTO, 2015. p. 9)

Concluindo, o que se pensa (consciente e inconscientemente), se fala ou como se age está relacionado com a forma como se assimila essas informações na mente, pois tem-se armazenadas informações que irão nortear o pensamento e compreensão sobre coisas que se veem, se ouvem e se sentem. Assim, todos os sentidos contribuem para a percepção da paisagem.

“A paisagem está no espelho da sociedade” Bertrand, 2007, p.244

4 PROPOSTA METODOLÓGICA

Como o objetivo principal é compreender a percepção dos moradores na configuração da paisagem da vila Lorenzi, foi necessário preestabelecer etapas para uma melhor organização da pesquisa.

O desenvolvimento geral da pesquisa segue a proposta de Libault (1971), que distingue quatro níveis de pesquisa geográfica: nível compilatório, nível correlatório, nível semântico e nível normativo. Para Ross (2003), as pesquisas de caráter geográfico passam, obrigatoriamente, por esses níveis de análise, que irão constituir as etapas do trabalho.

A seguir, serão caracterizados os quatro níveis de abordagem geográfica e destacadas as atividades que serão realizadas em cada um deles, para a execução da presente pesquisa, conforme o fluxograma da figura 3.