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3 Agenciamento Político – Democracia Radical e Plural e os Movimentos Sociais

3.2 O esvaziamento político e tentativas de regresso do sujeito

Política refere-se ao conjunto de práticas, discursos e instituições que procuram estabelecer uma certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que são sempre potencialmente conflituosas

Chantal Mouffe

Para Crouch (2004), a pós-democracia já começou, haja vista os processos eleitorais marcados por discussões eleitorais superficiais que não passam de espetáculo organizado por especialistas em ferramentas e técnicas de comunicação. A maior parte das pessoas é passiva e pouco participativa dependendo das sinalizações de persuasão eleitoral.

O diagnóstico de uma crescente apatia política por parte dos cidadãos das democracias avançadas fora formulado, já na década de 1970, a partir de perspectivas diferentes ou até opostas de Habermas e Luhmann. Apesar de passados quase cinquenta anos, esse diagnóstico não foi desmentido, ao contrário, tornou-se ainda mais importante na análise sociológica e política (PINZANI, 2013).

Pinzani (2013) faz uma reflexão sobre os limites do modelo de democracia deliberativa e questiona também se é desejável ou não uma maior participação política. Para o autor, a participação cidadã só se faz relevante com exercício concreto da soberania popular, não somente no exercício pontual do poder constituinte. Em segundo lugar, seria necessário primeiramente resgatar a dimensão social da liberdade individual. “Em outras palavras, seria necessário fortalecer as formas de participação direta no processo decisório. Ao mesmo tempo, contudo, não devemos pensar que a participação cidadã se esgote em atos como o de votar em uma eleição ou referendo” (PINZANI, 2013, p. 144).

O principal problema na verdade está na dissociação entre legitimidade e confiança. O cidadão reconhece a legitimidade das instâncias governamentais (partidos, parlamentos, administração pública em geral), mas não confia nelas. Por isso, a grande maioria da população se distancia das causas políticas, enquanto que o ativismo de alguns tenta sobreviver. Crouch (2004) aponta para um deles em particular, ao distinguir duas formas de ativismo dos cidadãos: há uma “cidadania positiva” que visa desenvolver “identidades coletivas” e há um “ativismo negativo” que se limita a acusar e a lamentar-se, que tem como fim principal o de exigir prestação de contas aos políticos. Segundo Crouch (2004, p. 13), “a democracia precisa de ambas aproximações à cidadania, mas no momento presente a negativa está recebendo uma ênfase

consideravelmente maior” (). No modelo negativo, a política segue sendo exclusividade das elites, embora estas possam ser “acusadas e culpadas por uma multidão raivosa de espectadores, quando se descobre que fizeram algo errado” (CROUCH, 2004, p. 14). Essa raiva pode levar, porém, ao cinismo e à desilusão em relação à política e à própria democracia.

Nesse sentido, Crouch (2004) alerta que atribuir a culpa de todos os problemas que atingem a sociedade exclusivamente as elites econômicas e aos políticos é um erro. As causas são históricas, variadas e complexas, mas não podemos cair em outro erro comum: sugerir que esses problemas com os quais se deparam nossas democracias sejam complexos demais para serem resolvidos democraticamente e exigem decisões de especialistas técnicos. Tal impressão é um equívoco grave. Muitos dos problemas da administração pública, apesar de serem apresentados como questões técnicas, exigem respostas políticas.

Pinzani (2013, p. 151) apresenta as principais dificuldades enfrentadas para manter viva nos cidadãos a consciência de que eles podem contribuir para decidir os destinos de sua sociedade, cidade ou bairro. A primeira é a presença de mecanismos impessoais que parecem obedecer a uma lógica própria e procura naturalizar tais mecanismos e os fenômenos que deles se originam. O segundo fator consiste na ideia de que a política se reduz à mera administração do existente, visando minimizar os efeitos negativos de fenômenos socioeconômicos naturalizados. Um terceiro fator é o interesse de determinados sujeitos sociais a minimizar a participação popular e um quarto fator é fundamentado na ideia de que a política deve basear-se no consenso ou ter este como seu fim, reduzindo o conflito, inerente de toda ação política, e o pluralismo de ideias.

Estes fatores impõe um discurso dominante que nega a existência das classes sociais, de conflitos. As tensões sociais são vistas como posições ideológicas e descontrole social. Nesta visão, a sociedade é vista como homogênea, onde os conflitos ou divergências são resolvidas por um governo eficiente, conforme critérios científicos e tecnocráticos (PINZANI, 2013).

A hegemonia da tecnocracia é fundamentada sobre cinco premissas, com graves consequências: visão normativa da sociedade, uma imagem utópica de sociedade pacífica. Nela, “se os membros da sociedade dispusessem do conhecimento correto das leis que regem a economia e a vida da sociedade, isso eliminaria inúteis tensões sociais e não somente facilitaria a ação dos governos tecnocráticos, mas a tornaria até mais eficiente (PINZANI, 2013, p. 158). A segunda premissa é negar a natureza conflituosa da política. A terceira premissa diz respeito à ideia de ação política como exercício da ciência aplicada, ou seja, os problemas políticos são questões de natureza técnica, os quais podem ser resolvidos por especialistas e técnicos como cientistas sociais, administradores, etc. A quarta premissa consiste na ideia da despersonalização

da política. “O homem político que toma suas decisões com base no saber especializado dos experts não é responsável pessoalmente por elas, pois são a consequência lógica da aplicação prática de tal saber (PINZANI, 2013, p. 160). Dessa forma, o político se torna um simples técnico, podendo ser substituído a qualquer momento. A quinta e última premissa sugere que haverá sempre “vítimas do progresso” e, nesse sentido, a exclusão social é vista como natural, neutra e inevitável.

A soma dessas premissas resulta no discurso hegemônico de que as instituições governamentais e os cidadãos servem exclusivamente para garantir a formalidade e legitimidade das decisões que são tomadas nos níveis superiores. A visão tecnocrática prevalece na imensa maioria dos países industrializados.

A partir do momento em que se configura um processo de crise do sistema tecnocrático, a população começa a se movimentar, procurando a sua identidade própria e uma definição dos seus interesses, aspirações e reivindicações configurando-se numa força política construída a partir de formas democráticas de participação.

Harvey (2003) argumenta que o acesso da política começa no próprio corpo, no território, no âmbito da vida cotidiana e se projeta no universal que, a sua vez, deve enriquecer e favorecer a emancipação da comunidade territorial. Para Alguacil e Denche (2008, p. 11, tradução nossa), “é através destas estruturas que se pode acessar as habilidades para a participação política e a gestão dos recursos e, portanto, adquirir a condição do cidadão proativo e corresponsável”.

Como dito antes, este trabalho procura explorar de que forma os movimentos sociais estão vinculados ao processo de planejamento urbano (ou a falta dele) nas cidades. Procurando entender a mobilização da população como resistência às pressões do poder hegemônico.

Para Martínez (2005), este pensamento contribui para uma concepção mais dinâmica do planejamento, em construção e retroalimentação permanentes. Desta maneira privilegia-se ao projeto sobre o plano, os objetivos sobre as normas. “O conhecimento produzido, por fim, se inserirá em veias abertas a uma racionalidade social que substitui a objetividade dos especialistas por uma reflexividade coletiva em múltiplos modos de conhecimento” (MARTÍNEZ, 2005, p. 5, tradução nossa).

É cada vez mais necessária uma mudança de racionalidade da dinâmica do planejamento urbano que promova um urbanismo feito por diferentes agentes, cujo os decisores escutem todas as vozes, que não ceda a pressão de grandes grupos econômicos e que permita a participação direta e efetiva da população (FORESTER 1999). Ou seja, busca-se uma democracia mais deliberativa, integradora de diferenças, com processos decisões mais transparentes e com uma maior abertura e proximidade de instituições a cidadania.

A democracia representativa tem sido incapaz de incorporar plenamente aos cidadãos em assuntos públicos. Pelo contrário, produz uma cidadania passiva e apática. O modelo consolidado pela racionalidade técnica, impede a construção de uma cidadania ativa, de participação real nas realizações dos objetivos coletivos (ALGUACIL GÓMEZ, 2005).

Acidade que conhecemos resulta, muitas vezes, antidemocrática. Como apresentado antes, seu marco político impede o desenvolvimento de procedimentos capazes de abastecer as demandas dos cidadãos. Então, qual é o motor nuclear de um projeto que construa uma cidade distinta desta que conhecemos? Para Gigosos e Saraiva (2009) , o segredo está nos direitos humanos porque fundam uma nova maneira de entender as relações humanas que rompe com o esquema vigente. Não é suficiente atender as necessidades da maioria, do “cidadão médio”, há que garantir o bem-estar de todos até o “último cidadão”. Se chegará a uma cidade distinta quando todos os direitos humanos tenham sido atendidos.

Ao longo de sua história, na maioria das sociedades, o cidadão conseguiu adquirir o direito ao patrimônio natural, à diversidade cultural, ao patrimônio histórico, ao patrimônio econômico e a um meio social isento de violência. Com a evolução e esgotamento do sistema capitalista e a perda de legitimidade do Estado de Bem-estar emergiu na sociedade, durante as últimas décadas do século XX, a busca de projeções de futuro e construção de novas perspectivas de cidadania por meio, principalmente, dos novos movimentos sociais (ALGUACIL, 2005).

Temos que voltar ao exemplo grego de cidade onde se faz inseparáveis a democracia e a cidadania. Entender que a cidade é o “lugar” onde a democracia é garantida por meio da cidadania. Para Alguacil (2000, p. 4, tradução nossa) “a cidadania é o conceito que media âmbitos ontológicos diferentes (o físico e o comportamental) e entre momentos diferentes, é a estrela que desenha o processo”. Ou seja, cidadania é a ação que faz possível a cidade e, ao mesmo tempo, é na cidade que se faz cidadania.

Em definitivo, uma cidade distinta só será possível se estiver acompanhada de democracia participativa, onde os cidadãos tenham voz e possam opinar e decidir sobre as estratégias de planificação dos bairros e cidades onde vivem.