• Nenhum resultado encontrado

O urbanismo crítico: Das Cidades Modelos às Cidades Possíveis Acredito que as coisas podem ser feitas de outra

5 Cidades Possíveis: Propostas para o Direito à Cidade

5.1 O urbanismo crítico: Das Cidades Modelos às Cidades Possíveis Acredito que as coisas podem ser feitas de outra

maneira, que a arquitetura pode mudar a vida das pessoas e que vale a pena tentar.

Zaha Hadid

Com as cidades cada vez mais midiáticas e espaços públicos desaparecendo, os especialistas preveem um padrão circular: a diminuição das pessoas dos espaços públicos leva a uma desintegração física do meio ambiente que, por sua vez, aumenta a atração dos mundos virtuais. Segundo Boyer, o ciberespaço puxa o usuário para o espaço da matriz eletrônica na retirada total do mundo (BOYER, 1996, p. 11).

Segundo Wirth (1987), três características contribuem para o “modo de vida urbano”: o tamanho da cidade, a heterogeneidade social e a densidade populacional. Essas três dimensões definem a “personalidade urbana”. Em outras palavras, a cidade é caracterizada por contatos

secundários em vez de primários, o lugar das tarefas especializadas, do movimento frequente de um grande número de indivíduos e tensões.

A discussão sobre o que é cidade é muito antiga, vem desde a criação das primeiras cidades gregas como Atenas. A polis grega era um lugar com fronteiras bem definidas, dividida entre centro, meio e limite exterior. A forma física da polis salientou o espaço público. Casas particulares eram baixas e afastadas das ruas, enquanto que os templos, teatros, estádios, e demais espaços públicos receberam mais atenção. A organização social das cidades gregas exerce fascínio até hoje e representa um modelo de comunidade que privilegia o cidadão. Apesar de os considerados cidadãos serem, apenas, 10% da população, já que mulheres, estrangeiros e escravos não participavam da vida da polis. As cidades modificaram-se, democratizaram-se, criaram novas formas de socialização diferentes das cidades gregas. Hoje, o pedestre passa por edifícios, ruas e parques e se pergunta se realmente é representado dentro do reino do lugar chamado cidade. Mas que cidade?

Freitag (2006) oferece um panorama da reflexão sobre o tema. A autora apresenta, dentro do campo das teorias urbanas, cinco escolas de pensamento de grande representatividade: Escola Alemã, Escola Francesa, Escola Anglo-saxônica, Escola Americana (dividida entre Escola de Chicago e a Escola Californiana) e a Escola Latino Americana. Estas escolas, muitas vezes, se desenvolveram e se desenvolvem paralelamente no tempo e no espaço, se relacionam entre si, influenciando-se mutuamente.

A Escola Alemã tem, em sua origem, pioneiros como Marx, Engels, Simmel, Weber, Walter Benjamin e Sombart, os quais influenciaram gerações de sociólogos, filósofos, economistas e antropólogos a tematizar sobre as cidades (FREITAG, 2006). Esta escola introduz o conceito de Cidade Moderna como produto do capitalismo, privilegiando suas análises na história e na cultura e na dimensão do tempo. Influenciou outras escolas urbanísticas, principalmente, a Escola de Chicago.

A Escola Francesa tem como principais contribuições teóricas os trabalhos dos enciclopedistas, os utopistas franceses, o reformista Haussmann, o urbanista Le Corbusier, o antropólogo Lévi-Strauss, os sociólogos contemporâneos Henry Lefebvre e Alain Touraine e Manuel Castells, que teve forte influência sobre a Escola Latino-americana. A Escola Francesa incentivou mais a dimensão da racionalidade e da utopia nos estudos sobre a cidade, privilegiando a dimensão do espaço (FREITAG, 2006).

Escola Anglo-saxônica se destaca por seu pragmatismo e utilitarismo. Destacam-se os trabalhos de Thomas Morus (utopia da cidade de Amaurorum); Ebenezer Howard, inventor da cidade-jardim; Patrick Geddes e Raymond Unwin, que desenvolveram a ideia da cidade-jardim

como forma adequada para resolver boa parte dos problemas urbanos, antecipando uma preocupação ecológica e social; e, Peter Hall, com trabalhos sobre a dimensão cultural das cidades históricas (FREITAG, 2006).

A Escola Americana é dividida entre duas escolas importantes: a Escola de Chicago e a Escola Californiana. A primeira utiliza a economia política e apresenta três termos: terra, trabalho e capital. A segunda utiliza a economia simbólica: centrada na representação de grupos sociais e sua inclusão nos espaços públicos e privados. As duas escolas ajudam a responder, por exemplo, “de quem é a cidade?”. Os espaços são formados e reformados por investimentos de capital e apego sensual e quase todas as cidades usam estratégias espaciais para separar, segregar e isolar o outro.

A Escola de Chicago remonta ao final da Segunda Guerra Mundial quando a industrialização, burocratização e urbanização estavam em alta. Pesquisadores sociais da Universidade de Chicago na década de 1940 conceituaram as cidades como grandes comunidades compostas por pequenos grupos inter-relacionados (BARAN; DAVIS, 2000, p. 102). O pensamento da Escola de Chicago, fundamentado em ideias derivadas da ecologia e estudos imbuídos na analogia biológica, argumenta que as elites sociais, através da mídia, negligenciavam e excluíam grupos fracos, pequenos e pluralistas e, consequentemente, criavam guetos sociais.

A ideologia da Escola Californiana, por sua vez, é uma mistura de cibernética, de economia de livre mercado, e do movimento de contracultura. A ideia de cidade desenvolvida ao redor das tecnologias de informação, das indústrias de artes high-tech, de entretenimento e mídia. Esta escola obteve grande sucesso oferecendo uma visão fatalista do natural e o triunfo inevitável da tecnologia. Apesar das ideias de libertarianismo e universalidade, esta escola, segundo Telli (2005), é cega às desigualdades sociais e a degradação do meio ambiente. Abandona a democracia e a solidariedade social e, sonha com um nirvana digital habitado somente por liberais.

O que podemos chamar de “Escola Latino-americana” do pensamento urbanístico foi a influência significativa da Escola Francesa em países como México, Argentina e Brasil. Centrando-se, principalmente, nos conflitos resultantes dos processos de megalopolização nas cidades latino-americanas. No caso brasileiro, os teóricos considerados inovadores na oferta de caminhos alternativos para se pensar a questão urbana que podemos citar são Milton Santos, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Nestor Goulart Reis (FREITAG, 2006).

Para Lefebvre (2001) existem várias tendências de reflexão urbanística: (a) o urbanismo dos homens de boa vontade (arquitetos, escritores, geógrafos); geralmente ligam-se ao

humanismo clássico. Nostálgico. Quer-se construir “em escala mundial”, para “os homens”, caem no formalismo (adoção de modelos que não têm nem conteúdo, nem sentido) ou num estetismo (adoção de modelos antigos pela beleza). (b) O urbanismo dos administradores ligados ao setor público (estatal): se pretende científico, tende a negligenciar o “fator humano”, otimiza- se num modelo as informações e comunicações, muitas vezes, não hesita em arrasar o que resta da cidade para dar lugar a carros, às comunicações, às informações ascendentes e descendentes. E (c) o urbanismo dos promotores de vendas: eles o concebem e realizam, sem nada ocultar, para o mercado, visando o lucro. Eles vendem urbanismo. Vendem lugar de felicidade. A cotidianidade parece conto de fadas (LEFEBVRE, 2001, p. 32).

Lefebvre (2001, p. 62) argumenta que a “cidade é projeção da sociedade sobre um local”. Segundo o mesmo, apenas hoje é que começamos a apreender a especificidade dos fenômenos urbanos e entender que a cidade muda quando muda a sociedade no seu conjunto. Diante desta consciência da necessidade de mudanças emergem insatisfações e tentativas que pensam uma cidade mais agregadora. Estas tentativas ou tendências antissegregacionistas, segundo Lefebvre (2001, p. 98):

Apegam-se ora ao humanismo liberal, ora à filosofia da cidade, considerada como ‘sujeito’ (comunidade, organismo social). Apesar das boas intenções humanistas e das boas vontades filosóficas, a prática caminha na direção da segregação. Por quê? Por razões teóricas e em virtude de causas sociais e políticas. No plano teórico, o pensamento analítico separa, decepa. Fracassa quando pretende atingir uma síntese. Social e politicamente, as estratégias de classes (inconscientes ou conscientes) visam a segregação.

Diante deste contexto, e com as mudanças do último século que introduziram situações sociais inéditas e complexas que exigem novas teorias, há outras maneiras de avaliar a vida da cidade? Que tipos de estudos o urbanismo contemporâneo prevê ou sugere para o século 21? (DAVIDSON, 1996; p. 21).

Muitos autores já descreveram sobre essa nova cidade construída por tecnologias e meios de comunicação utilizando metáforas como a de Baudrillard que o shopping center se assemelha a "uma fábrica de montagem gigante" (BAUDRILLARD 1995, p. 76), ou a ideia de que "a estrutura da cidade é muito parecida com a televisão" (SORKIN 1992b, p. 11). Para atualizar uma narrativa para a era da informação, Boyer tem atraído uma analogia entre o computador e o espaço da cidade (BOYER, 1996, p. 9). Todas essas mudanças desmaterializaram o imaginário das pessoas sobre a cidade, a cidade agora não tem um lugar ligado a ela (SORKIN 1992b). Esta situação aponta para a necessidade de um urbanismo renovado e crítico.