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BACIAS HIDROGRÁFICAS, MUNICÍPIOS, SEDES MUNICIPAIS E VILAS DE FURNAS

2 TEORIA E MÉTODO

1. INVESTIGAÇÕES, REFLEXÕES E REFERENCIAIS TEÓRICOS

1.3 O fenômeno da segregação – alguns pontos de vista

Villaça (2001) associa a estruturação do espaço intra-urbano mais à estrutura tradicional de renda e poder na sociedade brasileira do que às transformações do capitalismo que transforma trabalho em mercadoria e, portanto, possível de ser divisível e negociável entre capital e trabalho. Diferentemente da relação de espaço físico ocupado na condição escravo x senhor, que por ser excludente, não contém essa possibilidade, deve-se:

mostrar que a segregação é uma determinada geografia, produzida pela classe dominante, e com a qual essa classe exerce sua dominação através do espaço urbano. Trata-se, portanto, de um caso de efeito do espaço sobre o social. Evidentemente esse espaço produzido é, ele próprio, social. Só o social pode constranger ou condicionar o social. (VILLAÇA, 2001 p. 360).

O fenômeno da segregação é geral ao longo da história da urbanização e está relacionado aos grupos em razão da sua pobreza, da sua etnia, das suas crenças, etc., sendo induzidos ou forçados a se excluírem de certos espaços reservados para as classes dominantes da sociedade. No caso da segregação residencial induzida que também se percebe desde a antiguidade, no processo capitalista, esta passou por uma mudança de magnitude. A complexidade de uma cidade da sociedade capitalista industrial gerou outros parâmetros sem comparação com a cidade da sociedade medieval. O capitalismo trouxe consigo a separação crescente entre local de trabalho e local de moradia, vista como um fator socioeconômico.

No caso do Brasil, podemos afirmar que a segregação residencial está diretamente relacionada com as condições socioeconômicas, o que não quer dizer que não existam outras formas de segregação. Para Marcelo Santos (2005), diferentemente do enfoque da literatura sobre de minorias nos EUA e na Europa, no Brasil, a segregação social está presente para a maioria da população. É pertinente, a propósito das cidades no Brasil, falar em segregação residencial e não meramente de exclusão. Segundo o autor:

Não se trata, nesta situação, da segregação de um grupo específico, por razões fortemente étnicas ou culturais, embora a correlação entre pobreza e etnicidade seja, (...) forte; o que se tem é uma situação na qual os pobres são induzidos, por seu baixo poder aquisitivo, a residirem em locais afastados do CBD e das eventuais amenidades naturais e/ou desprezados pelos moradores mais abastados. Nesses locais, não é apenas a carência de infra-estrutura, a contrastar com os bairros privilegiados da classe média e das elites, que é evidente; a estigmatização das pessoas em função do local de moradia (...) é muito forte. Sérios problemas de integração e de convivência entre grupos sociais diferentes e de auto-estima coletiva costumam estar associados a essa questão. (SANTOS, 2005, p. 69)

Segundo Marcelo Santos (2005), a segregação residencial “que é essencialmente um problema da cidade” costuma ser freqüentemente associada à espacialidade resultante da setorização funcional preconizada pelo urbanismo moderno, o que por si só não explica os indicadores sociais de toda a população.

Atualmente, é importante levar em conta as novas leituras sobre zoneamento e setorização funcional que sempre foram consideradas as causas da segregação. Na

leitura de Secchi (2006) nem o zoning e nem o chamado “funcionalismo” são a causa da segregação, uma vez que o zoning é a representação institucional e instrumento; e o chamado funcionalismo, o estudo das diversas atividades, de suas características e exigências técnicas para responder à sociedade que, nos últimos dois séculos, tendeu a construir um sistema de incompatibilidade e intolerância.

As contribuições e revisões críticas de estudiosos sobre os conceitos urbanísticos do Século XX ressoam e evocam reflexões acerca de algumas “verdades largamente difundidas”. Secchi (2006) coloca questões como a ruptura de um sistema de solidariedade, intolerância e incompatibilidade física, social e simbólica no afastamento e separação de diversos grupos sociais e das diversas atividades com a expulsão dos centros urbanos de matadouros, cemitérios, hospitais, sanatórios, quartéis, fábricas, etc. Simbolicamente a escola de Chicago é sua representação analítica, e o zoning sua representação institucional e seu instrumento.

Para Secchi (2006) o zoning não é a causa da segregação, mas sim a institucionalização de tendências já fortemente presentes na sociedade, que levaram a repelir, para outros lugares, aquilo que não era bonito de ser visto, aquilo que era anti- higiênico, aquilo que se tornava socialmente perigoso, que fazia barulho. A tendência de separar o que era diferente ou que requeria uma posição particular foi institucionalizada, “próxima à ferrovia, ao canal, ao rio, longe dos bairros mais ricos, próximo ao parque, ao campo” resultou no chamado funcionalismo, que também não é a causa da segregação, mais “no máximo o estudo das diversas atividades, de suas características e exigências técnicas, de seus modos de funcionar de suas recíprocas compatibilidades e incompatibilidades”.

Percebe-se que a ruptura de um “sistema de solidariedade e o emergir de um sistema de intolerância” traduz questões “higiênicas, acústicas, religiosas, étnicas, entre estilos de vida, entre níveis de renda, costumes, hábitos de consumo, preferências em relação à habitação” (SECCHI, 2006, p.182). O autor se refere às cidades européias, porém sabe-se que esta tendência se traduz nas novas espacialidades das cidades brasileiras.

Para alguns autores como Tsukumo (1994), a criação de núcleos urbanos foi importante para a fixação de mão-de-obra. Para outros: Trindade Jr. & Rocha, (2002) e

Vainer (1986), significou segregação social. Porém existem poucos estudos que caracterizem seus aspectos intra-urbanos.

O registro e análise de seus aspectos urbanos, morfológicos, tipológicos, modo de vida, nível salarial, entre outros, podem esclarecer fatores que indiquem como se processaram suas relações intra-urbanas e regionais em uma abordagem comparativa. No caso das vilas, objeto desta pesquisa, a segmentação por meio da setorização residencial, baseada na hierarquia funcional, reflete a manutenção de uma ordem comum à sociedade. Portanto, ela não se distingue da ordem social, mas é o seu produto.

No âmbito desta pesquisa, a apresentação de termos utilizados inicialmente reflete a grande diversidade de formas urbanas distintas que acompanham o tema, suas particularidades e especificidades. Porém, deve ser considerado o tempo nesse processo, já que se passou um século desde a implantação das primeiras vilas operárias - com fortes impactos sociais, morais e sanitários. Por outro lado, também, indicam a expressividade da produção de cidades ex-novo para dar suporte à estes novos espaços produtivos, conforme discutiremos a seguir